Rio -  Durante 40 anos, o ex-fuzileiro naval Luis Carlos Fernandes, 67 anos, acalentou o sonho de entrar para uma universidade. Um desejo realizado por 1 milhão de estudantes brasileiros com mais de 50 anos que redescobriram o prazer pelos livros e uma nova chance de voltar ao mercado de trabalho. O fenômeno é recente e reflete o envelhecimento da população brasileira.

Em 2010, o IBGE contou 19,28 milhões de brasileiros acima dos 60 anos. Há 20 anos, não chegavam a 10 milhões. No Rio, estado com maior número de idosos do País, são 2,12 milhões de pessoas. Como o aposentado Luiz Carlos, que teve que adiar seus planos acadêmicos. Precisava ajudar no sustento da família. Em 2006, se separou, foi morar nos fundos da casa de parentes, na Pavuna, e viu no curso de Direito a oportunidade para começar vida nova.
Foto: João Laet / Agência O Dia
'Vou fazer faculdade de Jornalismo no ano que vem', diz Carlindo do Couto, estudante da Unati (Uerj), 73 anos | Foto: João Laet / Agência O Dia
Só que a aposentadoria que recebia da Marinha não era suficiente para arcar com os custos de transporte, compra de livros e alimentação. Luiz então descobriu em uma receita de família a chave que precisava para abrir as portas do Ensino Superior. Aprendeu a preparar cocadas com a ex-sogra. “Acordava às 5h para estudar e ficava até de madrugada fazendo 40 unidades, vendendo a R$ 1 cada”.

Comovidos com o esforço de seu Luiz, carinhosamente chamado de “vovô” pela turma, amigos e professores da Universidade Estácio de Sá passaram a fazer encomendas. Ele se formou no início do ano sem repetir nenhuma matéria durante todo o curso. “Tive de dar o exemplo. Moro longe e sempre cheguei no horário. Quando alguém reclamava da vida, sempre oferecia uma palavra de incentivo”, diz, orgulhoso, o novo bacharel em Direito, que agora se prepara para o concurso de delegado.

Seus passos serão seguidos pelo aposentado Carlindo do Couto, 73 anos, aluno de Rádio Web, na Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati), da Uerj. Ele é um dos 2 milhões de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O ex-vendedor e ex-funcionário do Arsenal de Marinha estuda para nova carreira. “Vou fazer Jornalismo”.

Estudo na terceira idade eleva autoestima, previne doenças e melhora a depressão

Cercada por jovens da idade de seus netos, a advogada Emília Sylvia, 76 anos, que é bisavó, passa os dias entre bits, bytes e algoritmos. É aluna do curso de Ciências da Computação da Universidade Plínio Leite, em Niterói. É sua terceira faculdade. “O estudo é uma terapia para mim. Quando aprendo, descanso a cabeça”, conta a estudante.

Estudar como Dona Emília eleva a auto-estima, previne doenças e melhora a depressão, explica a psicanalista Marta Pires Relvas, da Sociedade Brasileira de Neurociência. A motivação ativa o sistema límbico do cérebro, região que está ligada às emoções e ao prazer. A ação produz substâncias como oxitocina e serotonina, que estimulam a capacidade cognitiva de pensar e de memorizar. Quanto mais se aprende, maior o número de conexões neurais que se formam. “O cérebro aprende o tempo todo. No início, há uma dificuldade normal. Mas, quando o idoso descobre que é capaz, ninguém segura. São os mais dedicados”, diz.