6.05.2012

Basta ao homem viver para ter câncer de próstata’


Em entrevista o médico Luiz Antônio Santini, diretor geral do Inca, fala sobre as recomendações do teste de PSA como rastreamento populacional para a doença

O GLOBO - Qual é a posição do Inca sobre o teste PSA?
LUIZ ANTÔNIO SANTINI - Há um entendimento preliminar muito importante com relação aos testes para rastreamento. No rastreamento você chama um determinado grupo da população sem nenhuma queixa, selecionado por um critério qualquer (nesse caso do câncer de próstata é selecionado por idade) para fazer um exame. Isso é rastreamento e o objetivo é reduzir a mortalidade. Se faz isso por que? É uma doença com incidência muito alta e que tem mortalidade alta. Isso é diferente de fazer o diagnóstico precoce da doença, quando a pessoa começa a ter sintomas e se fazem os exames necessários para confirmar se a pessoa tem ou não a doença. Isso é muito importante porque é um conceito geral, serve para câncer de mama, próstata, colo do útero, colorretal, todos os tipos de tumores que poderiam oferecer esta oportunidade.
O GLOBO - Em alguns casos o rastreamento é confundido com o exame de diagnóstico precoce?
SANTINI - Isso é o que confunde as pessoas. Por exemplo: o câncer do colo do útero tem uma história natural bem conhecida. A gente sabe que uma lesão iniciada pelo HPV provoca alteração na mucosa do colo do útero que em um percentual mínimo pode se transformar em câncer, então vale a pena fazer o exame periódico porque se pode evitar o câncer. Se o médico detecta uma lesão que ainda não é cancer, ela pode se transformar ou não (o que acontece na maioria das vezes) mas não se sabe em quem vai evoluir ou não, então o médico retira a lesão e acabou. Outras vezes você detecta um câncer na fase inicial, trata e acabou. A estratégia de reastreamento nesse caso é eficaz, porque a gente conhece a história nartural do câncer do colo do útero. No caso do câncer de próstata não se conhece essa história, a gente não sabe por que ele aparece, mas aparece na maioria dos homens de uma determinada idade em diante. Pode-se até dizer o seguinte: basta viver que você vai ter câncer de próstata. Só que o câncer de próstata se transformar em letal é uma variável que ninguém tem como prever. A pessoa pode viver e morrer com a doença e nem saber que teve. Mas pode também ter um câncer extremamente agressivo. Qual causará isso? Não se sabe. Por isso o exame de PSA usado para a detecção precoce não serve porque detecta que há uma alteração na próstata, não é nem específico para dizer se é câncer, uma lesão ou aumento na próstata podem provocar aumento de PSA. A única afirmação que a força-tarefa americana faz, a canadense já fez e outros estudos europeus é que o PSA não é um indicador para o diagnóstico precoce do câncer de próstata. Infelizmente. Todos nós gostaríamos de ter um indicador qualquer para a próstata como temos para o colo do útero, mas isso não acontece.
O GLOBO - O Inca também recomenda que não se faça o PSA?
SANTINI - O Inca recomenda que não se faça como rastreio, mas o Inca não deixa de recomendar que o paciente procure seu médico e a critério médico faça o exame. A diferença é só essa e isso não pode ser confundido. O PSA só não é suficiente, é um corte numa situação: um exame normal não significa que o paciente está seguro e um exame alto não significa que o paciente tem câncer. Mesmo se for câncer não significa que alguma coisa tem que ser feita, porque o médico tem que avaliar se haverá melhora na qualidade de vida do paciente. Em geral as complicações do câncer de próstata são operadas: quando o paciente não consegue urinar, ou tem sangramento, alguma coisa que comprometa seu bem-estar. E o médico acompanhando aquele paciente pode avaliar o exame de PSA. Até porque junto com o PSA tem o toque retal que é importantíssimo.
O GLOBO - Por que então o PSA se transformou nesta polêmica?
SANTINI - Porque quando foi descoberto se imaginou que ele pudesse ser esse indicador. Ao longo do tempo os estudos que foram feitos foram demonstrando que ele não era, infelizmente. O câncer de próstata é silencioso, 30% são descobertos na necrópsia, quando se descobriu o PSA a expectativa era de grande achado, mas isso não se confirmou.
O GLOBO - Não há pressão de laboratório nesse caso? Para que os médicos continuem fazendo o exame?
SANTINI - Acho que pode ter, mas temos que tomar cuidado com isso também. Estamos falando de uma visão de saúde pública, que é diferente da relação médico-paciente que tem características próprias. O paciente pode querer saber se tem alguma alteração e o exame pode comprovar isso. O exame é útil, mas é um exame complementar.


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