A CARA DA JUSTIÇA
Raul Longo
Dizer que a Justiça Brasileira tem duas
caras seria impróprio, apesar de permitir a fuga de escroques e
estupradores enquanto se faz zelosa com os que se esforçam pela
construção de um país.
A Justiça Brasileira não encara o país e o
mundo com cara alguma e não adianta tentar cogitar com que cara vai
ficar perante os anais da história.
A Justiça Brasileira nunca poderá tomar vergonha na cara e não é pela falta de pejo, de dignidade, ou qualquer outro senso.
Pelo acinte a qualquer senso que lhe justifique a função, a Justiça Brasileira não pode sequer ser apontada como cara de pau.
Não há possibilidade de ficar ruborizada e
também não faz cara de safada. Apenas reflete o policrômico poder de
seus donos. A Justiça Brasileira se mija de medo de seus donos aos quais
abana-se como animalzinho de corda ou de pilha.
No Brasil só se age e se comporta
corretamente, de acordo com a civilidade e as leis, por decisão pessoal,
por caráter próprio ou foro íntimo. Pois o que erra, o criminoso, o
fraudador não tem a quem ou o que encarar.
A Justiça Brasileira não tem venda nos olhos e não há carapuça que lhe sirva.
Vejam a declaração do jornalista Raimundo
Pereira no link do vídeo. Depois leiam o texto do cronista Lula Miranda e
tentem imaginar que cara a Justiça Brasileira tem.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/85019/Mostre-as-algemas-Z%C3%A9!.htmMostre as algemas, Zé!
Condenado, sem passaporte e prestes a ser sentenciado a uma das mais
duras penas da história judicial brasileira, José Dirceu não tem
alternativa a não ser exibir, com orgulho, as algemas preparadas por
Joaquim Barbosa, assim como fez quando foi preso pelo regime militar;
leia o texto inédito do poeta Lula Miranda, exclusivo para o 247
Por Lula Miranda
Foi o que teria dito a José Dirceu, em Setembro de 1969, um dos presos
políticos naquele histórico momento de resistência à ditadura militar em
que 15 prisioneiros do regime de exceção e arbítrio, que se instaurara
no Brasil, foram libertados em troca do embaixador americano – na
fotografia aparecem 13, apenas uma mulher.
Exceção e arbítrio. Palavras malditas. Palavras-emblema de tempos sombrios.
Segundo relato de Flavio Tavares, hoje jornalista e escritor, ele teria sussurrado aos companheiros na ocasião: “Vamos mostrar as algemas”. Fez isso num insight “de
momento” ao notar que os presos que estavam ali perfilados, alguns
agachados, como um time de futebol campeão, numa forçada pose para uma
foto que viria a se tornar histórica, escondiam as algemas. E por que
escondiam as algemas aqueles jovens? Talvez por vergonha. Talvez porque
estivessem preocupados em como aquela imagem poderia machucar ainda mais
seus familiares e parentes mais próximos. Ou talvez, simplesmente,
porque já estavam por demais combalidos e abalados moral e
emocionalmente para se preocuparem com aquele peculiar adereço do
arbítrio. Não se sabe ao certo, tampouco importa. Mas, insistiu Tavares,
naquele “insight” que, ao contrário,em vez de esconder, as exibisse.
Mostre as algemas, Zé! Exorto-lhe nos dias que correm hoje. Dias de incipiente e vilipendiada democracia.
Na foto, podem verificar, percebe-se nitidamente o Zé Dirceu exibindo, intrépido, as malditas algemas.
Eu que não fui amigo daquele jovem idealista algemado de outrora,
tampouco conheci o suposto homem “todo-poderoso” do governo; logo eu que
o combati na disputa política, até com palavras duras, eu que nunca o
vi mais magro, ouso lhe fazer a mesma súplica: Mostre as algemas, José Dirceu!
Não tenha vergonha de nada; tenha orgulho. Você ainda será, por vias
transversas, um preso político. Sim, orgulho! Em que pese a maledicência
covarde daqueles que, assim como naqueles dias sombrios de 1969, hoje
lhe apontam o dedo, xingam e condenam. São os mesmos – “imortais”,
“eternos” porta-bandeiras da (falsa?) moral. Ora se são!
Mostre as algemas, Zé!
Exiba a todos, daqui e para o resto do mundo! Mostre a todos o que se
faz aqui no Brasil a homens como você, que prestaram valorosos serviços à
pátria; que lutaram com destemor contra a ditadura; que ajudaram a
eleger o Lula; que empenharam a sua vida e juventude no afã de mudar um
pouco a feia face desse país tão injusto com seus filhos, ajudando a
implantar políticas públicas que tiraram milhões da miséria e do
desalento.
Mostre a p* dessas algemas, cara! Para o bem e para o mal. Para o orgulho dos amigos e regozijo dos inimigos.
Confesso que esperava que o julgamento do STF fosse “emblemático”,
justo. Não “justo” pelo mesmo metro, critério ou “premissas” com que a
imprensa insuflou e ensandeceu as galerias. Mas justo “de verdade”: que
fossem condenados os culpados, aqueles que tivessem suas culpas
efetivamente comprovadas. Sim, que fosse uma firme sinalização rumo ao
fim da impunidade no Brasil. Mas não foi isso exatamente o que se viu.
Não foi isso que testemunhamos. Houve erro e exagero. Do Supremo. Da
mídia grande em geral. Uma caricatura. Entre erros e acertos, a
injustiça foi soberana.
Os ministros demonstraram-se, desgraçadamente, um tanto tíbios, vaidosos
e suscetíveis à pressão e clamor da turba, de modo irresponsável
manipulada e insuflada pela opinião publicada.
Você foi condenado sem provas. Isso é fato, irretorquível. Foi condenado
sem provas, repito. Foi condenado com base em suposições e suspeitas,
com bases em capciosos “artifícios” jurídicos, tais como a hoje célebre
“teoria do domínio do fato”. Uma excrescência, uma espécie de “licença
poética” do golpismo – com o perdão dos poetas, por aqui aproximar as
palavras “poética” e “golpismo”.
Eu poderia “achar” que você era culpado. O meu vizinho poderia achar que
você era culpado. O taxista poderia achar. Todo mundo poderia “achar”
que Zé Dirceu era culpado. Mas um juiz, seja do Supremo ou de 1ª
instância, não pode, em absoluto, “achar” que você ou qualquer outro é
culpado. Isso é uma ignomínia – como você tem se cansado de dizer,
reiteradas vezes, em suas manifestações. Não nos cansemos de,
indignados, exclamar: uma excrescência, uma ignomínia!
Zé,mostre as algemas! Elas são o espúrio troféu que lhe ofertam os verdugos!
Nunca pensei em sair do meu país, Zé, agora já penso com carinho e
desconforto nessa possibilidade. Como posso viver num país em que minhas
garantias fundamentais de cidadão não são respeitadas?!
Que país é esse?! Que Justiça é essa?!
Quebrou-se a pedra fundamental de toda nossa estruturação jurídica: a
presunção da inocência. Em seu lugar colocaram a presunção da culpa.
Parece piada, de mau gosto, decerto, mas não é. Como já disse antes,
repito: não se é permitido fazer graça com a desgraça alheia. E sua vida
foi desgraçada, Zé.
Mostre as algemas!
Veja bem, se você – insisto, reitero – um homem que tantos serviços
prestou ao país, um homem respeitado por intelectuais, políticos e
autoridades do mundo todo foi enxovalhado dessa maneira, submetido à
execração pública pela mídia. Desonrado, chamado de “quadrilheiro”,
“mensaleiro”, “ladrão”, o que fariam com um “poeta marginal” como eu? Um
homem qualquer, sem galardão algum, sem cânone, sem mérito.
Parafraseando certa atriz de cenho angelical, “namoradinha” desse mesmo
Brasil: tenho medo.
Não sei que monstro o STF e a grande imprensa estão ajudando a criar. Mas uma coisa eu lhe asseguro: é assustador.
Para aqueles que, sem questionar, acham justa a sua condenação e prisão
eu pergunto; para os “inocentes úteis” que aceitam sem titubear esses
consensos forjados e essas verdades absolutas que a grande mídia sopra,
todos os dias, em nossas consciências nos telejornais e nas manchetes
dos jornais estampadas nas bancas; faço-lhes a pergunta que não quer
calar: porque criminalizam e prendem somente os petistas e mais alguns “mequetrefes” da chamada “base aliada” do governo Lula?
Por que essas práticas de sempre na política, hipocrisia à parte, agora
“ilícitas” e “criminosas”, só são permitidas aos “de sempre”? Por que os
sessenta e tantos investigados no chamado “mensalão mineiro” [não é
tucano?!] não foram acusados/denunciados? E não serão jamais – pois para
estes o crime é eleitoral; é caixa 2, já prescreveu [“Dois pesos, dois
mensalões” – by Jânio de Fritas]. Já quando são petistas os agentes da
ação... é corrupção; é “golpe”; são “práticas espúrias”, “criminosas”
de um partido, digo de uma “quadrilha”, em “sua sanha de se perpetuar ad eternum no
poder”. Não, essas palavras não vieram da tribuna do Senado ou da
Câmara dos Deputados, não saíram da boca de algum político da oposição,
mas – pasmem! – foram proferidas por ministros do Supremo. Por
ministros do Supremo, repito! Juízes na Ação Penal nº 470. Vejam a que
ponto chegamos!!!
Mostre as algemas, Zé! Mostre as algemas!
Essas tais “práticas ilícitas” ou “criminosas” não deviam ser permitidas
a ninguém - não é mesmo? A Justiça não deveria ser igual para todos?!
Qual a resposta a esse singelo por quê?
Por que só os petistas são condenados, execrados e presos?
A resposta também é simples: para que o poder permaneça nas mãos dos "de sempre", nas mãos dos eternos “donos do poder”. As
chamadas “regras do jogo”, até as bastardas, servem apenas para a parte
podre das nossas elites; quando é para os “do lado de cá” aí deixa de
ser “regra do jogo”, passa a ser crime; “práticas espúrias”; “compra de
voto”.
Faço um singelo convite a todos: vamos pensar o país, no qual a gente
vive, um pouco além da hipocrisia, do partidarismo, do "falso moralismo"
e dos "manchetismos grandiloquentes" de uma imprensa que serve aos
interesses de determinada classe social e ideologia. Mais temperança e
equilíbrio aos juízes Supremos e nem tão supremos assim, o chamado
“cidadão comum”.
Não podemos nos dobrar a esse estado de coisas. Não podemos nos calar e
assim sermos cúmplices e testemunhos silentes dos erros dos tribunais.
Repito: o Supremo exagerou; a mídia exagerou.
Quadrilha?! Onde? Compra de votos?! Penas de reclusão superiores a 30
anos! Há aí um nítido erro na tipificação dos crimes, nas condenações e
exagero na dosimetria das penas. O que é uma pena. Pois isso poderá até
favorecer aos condenados, pois essas condenações injustas e essas penas
exageradas certamente serão revistas algum dia, por esse ou por outro
tribunal. Espero, sinceramente, que sejam revistas por esse mesmo
colegiado, pois ali também estão homens de valor. E que essa vergonha,
esse grave equívoco não se perpetue.
Nesse momento, só me resta dizer...
Mostre, com orgulho, as algemas, José Dirceu!
Lula Miranda é poeta, cronista e Economista. Foi um dos nomes da
poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos
da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos,
Observatório da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda
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