Entrevista com Ethan Nadelmann líder da campanha pela liberação da maconha nos Estados Unidos.
O diretor da ONG Drug Policy Alliance critica a política brasileira de combate ao vício
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Ethan Nadelmann – Centros de internação compulsória são um erro. A experiência nos Estados Unidos e em outros países mostra que a internação forçada pode ajudar alguns, mas causa mais danos do que benefícios. O Brasil, em vez de copiar o modelo americano de tratar viciados, deveria seguir o modelo português. Em Portugal, há 12 anos não é crime portar uma certa quantidade de droga para uso pessoal. Sem medo de ser tratados como bandidos, os usuários sentem-se à vontade para recorrer ao sistema público de saúde, em busca de acompanhamento médico e formas menos arriscadas de usar drogas, como seringas esterilizadas. O país reduziu os casos de overdose e a contaminação pelos vírus HIV e da hepatite. Portugal tem um sério comprometimento em tratar o consumo de drogas como um problema de saúde, não de segurança pública.
Em entrevista João Goulão, responsável pela política antidrogas de Portugal, afirmou que o maior problema em seu país era o vício em heroína, uma droga substituível por outras que não causam dependência. Embora seja crítico da internação compulsória, Goulão afirma que o vício em crack e cocaína, principal problema no Brasil e nos Estados Unidos, é mais difícil de combater.
Nadelmann – Há pouca evidência da eficácia da internação compulsória no tratamento de viciados em cocaína. O tratamento de viciados – seja em heroína, álcool ou cocaína – deve ser uma questão de saúde. Encarcerar doentes incapazes de largar o vício é caro e ineficaz. Mais importante é mantê-los longe de criminosos e tratá-los até normalizar suas vidas.
Partidários da internação compulsória afirmam que os viciados em cocaína e crack perdem a capacidade de avaliar o que é melhor para si.
Nadelmann – Podemos dizer o mesmo para viciados em álcool, viciados em jogos, viciados em qualquer outra coisa. A maioria das pessoas consegue ter prazer com essas atividades, sem graves consequências. Uma minoria torna-se viciada. Como podemos tratar essa minoria? Se alguém, em nome de seu vício, comete assaltos, devemos punir como assaltante. Aí, sim, interná-lo compulsoriamente. Se alguém, sob efeito de drogas, faz mal a si mesmo, deve ser tratado como doente. De forma voluntária.
O senhor considera a internação compulsória mais próxima do sistema penal que do sistema de saúde?
Nadelmann – Sim. Se a única infração é o vício, ninguém deveria ser compulsoriamente levado a nada. Há demanda por cocaína no meu país e no seu. Em vez de erradicá-la, como tentamos por décadas, devemos pensar em administrá-la. Isso significa, de certa forma, causar o menor transtorno aos indivíduos, à comunidade, à sociedade em geral. Essa é a essência da redução de danos.
O senhor afirma que a legalização das drogas compensa os riscos. Quais riscos?
Nadelmann - O principal risco na legalização é o possível aumento no número de consumidores. Vimos isso acontecer com o álcool e o tabaco, quando essas drogas se tornaram liberadas, mais disponíveis e baratas. No caso da maconha, os riscos no aumento de consumo são baixos. A vasta maioria de seus usuários não se torna dependente nem parte para outras drogas. O vício em maconha, embora possível, não é tão severo quanto o vício em outras drogas. Não há registro de mortes por overdose de maconha.
Segundo as Nações Unidas, pelo menos 100 mil pessoas morreram por uso de drogas, só em 2010. Como liberar crack e cocaína faria bem à sociedade?
Nadelmann – É impossível ter certeza. As experiências de venda liberada de cocaína ou derivados de coca datam do século XIX. Sabemos que a legalização de cocaína e heroína teria um efeito devastador sobre os lucros das organizações criminosas. Diminuiríamos o número de casos de violência e corrupção na América Central, na África e na Ásia. Diminuiríamos os gastos da guerra contra as drogas. Os Estados Unidos gastaram cerca de US$ 1 trilhão nessa guerra, nos últimos 40 anos. O resto do mundo ninguém sabe, mas imagino que tenha gastado a mesma quantia. Os impactos positivos da liberação do consumo de álcool, no passado, seriam percebidos hoje com a liberação da cocaína e da heroína.
Certas guerras podem valer a pena, apesar de custar caro. Por que a guerra contra as drogas não compensa?
Nadelmann – Entre os jovens, o combate à maconha falhou inteiramente. Nos Estados Unidos, as pessoas dizem ser mais fácil comprar maconha do que álcool. Segundo a ONU, o mercado ilegal de drogas fatura US$ 300 bilhões por ano. Em termos de custos fiscais, é substancial. Talvez o maior custo nem seja esse, mas o custo da violência, da corrupção e da violação de liberdades civis. O custo que essa guerra impõe à sociedade é alto demais, ao favorecer a disseminação de doenças ligadas à ilegalidade das drogas.
O senhor diz ser impossível ter certeza dos benefícios de liberar cocaína e crack. Nenhum grande país fez isso nos últimos dois séculos. Por que então deveríamos liberar?
Nadelmann – Há muitos passos entre o que existe hoje e a legalização completa das drogas. É válido debater a liberação da cocaína e da heroína, mesmo sem ter certeza da resposta. Mais importante é avançar na legalização da maconha, na legalização da posse de pequenas quantidades de drogas e na oferta de drogas por fontes oficiais. Isso traria grandes benefícios e pequenos riscos.
Liberar drogas em pequenas quantidades, ou distribuí-las na rede pública, não equivale a liberar?
Nadelmann – Proibir não é a única forma de regular o uso de drogas. Podemos nos tornar mais criativos e experimentar dezenas, centenas, milhares de formas de regulação. O modelo que usarmos determinará os riscos e benefícios. Podemos legalizar cocaína em formas diluídas, de baixo poder viciante, em vez da droga em pedras ou injetável, vendida hoje nas ruas. Ainda não encontraram um modelo de regulação eficaz para todas as pessoas ou todos os lugares, mas há países tentando. Devemos nos concentrar nisso.
– Que ideias inovadoras estão em teste?
Nadelmann – O Reino Unido experimenta um tratamento em que viciados recebem uma recompensa em dinheiro quando não usam cocaína. Está dando mais certo que punir o consumo. E sai mais barato. O presidente do Uruguai, José Mujica, sugeriu vender maconha em farmácias do governo. Sua proposta foi muito importante, provocou um valioso debate no país. Em novembro, os Estados americanos de Colorado e Washington liberaram a venda de maconha, para uso recreativo, para maiores de 21 anos. Quinze outros Estados já liberaram a maconha com receita médica. A Espanha tenta a distribuição de maconha por cooperativas sem fins lucrativos. Existem experiências em países como Alemanha, Suíça, Holanda, Dinamarca, Canadá e Israel.
Quais são os exemplos estabelecidos e bem-sucedidos de regular o consumo de drogas?
Nadelmann – O exemplo mais antigo e bem-sucedido é a venda e o consumo de maconha nas cafeterias da Holanda, implantado na década de 1970. Separou o comércio da maconha, uma droga leve, de drogas mais pesadas.
No ano passado, a Holanda restringiu a venda e o consumo de maconha nas cafeterias a moradores cadastrados. A Califórnia, Estado americano onde a maconha é vendida com receita médica desde 1996, derrubou num plebiscito a proposta de liberar completamente o comércio.
Nadelmann – A Holanda elegeu um governo conservador, no ano passado, que proibiu a venda para estrangeiros. Essa proibição ganhou grande atenção, mas, se você for às ruas, perceberá que pouca coisa mudou. Os prefeitos se recusam a seguir a orientação nacional. A opinião pública é favorável à liberação irrestrita, mas o país sofreu pressão da Europa. O que vimos recentemente na Holanda é apenas um pequeno passo atrás.
Revista Época
Um comentário:
Os EUA é o maior consumidor de drogas do mundo. Drogas licitas e ilícitas.
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