Observações Caambembe
Por Gérson Alves da Silva Jr.
A Pobreza é Resultado de Inteligência Limitada? Desde o surgimento da psicologia enquanto ciência e o desenvolvimento de uma disciplina chamada psicometria, procurou-se desenvolver métodos para estabelecer correlação entre inteligência e desenvolvimento humano. Alfred Binet (1857-1911) na França, em 1905, fez o primeiro teste que procurava diferenciar, por meio da inteligência, crianças com retardo de crianças normais. Os testes ao longo do tempo evoluíram e passaram a ser utilizados nos mais variados segmentos: forças armadas, seleção profissional, educação, etc. Com esse emprego ampliado dos testes e a grande quantidade de dados coletados a psicometria trouxe uma revelação assustadora: a pobreza, as pessoas mal-sucedidas e os grupos humanos subdesenvolvidos possuem inteligência inferior as pessoas de sucesso e aos grupos dominantes.
Essa forma de pensar e avaliar as pessoas foi questionada e criticada desde o seu surgimento, mas nada conseguia negar o fato de que os testes realmente apresentavam resultados inferiores em pessoas mazeladas. Logo uma coisa passou a ser sinônimo de outra, ou seja, inteligência passou a ser vista como riqueza e déficit de inteligência passou a representar pouca projeção. Não custou para que muitos vissem todo pobre associado à limitação cognitiva e os ricos como inteligentes.
Apenas com a ascensão de teorias socialistas de cunho materialista começou-se a encontrar uma base mais consistente para afirmar que a psicometria não estava certa. O principal argumento foi defender que os testes não faziam uma leitura histórica do sujeito nem dos grupos humanos. Com isso tentava-se argumentar que os testes não consideravam diferenças culturais, dificuldades que as pessoas passavam na sua formação, a falta de acesso a educação formal, etc. Mais tarde percebeu-se também que déficits nutricionais afetavam tanto o desenvolvimento como o rendimento das pessoas. Tudo isso parecia comprovar que os testes são um instrumento bastante limitado. Eles faziam a leitura de um momento da vida do sujeito, mas não conseguiam enxergar o porquê das pessoas estarem daquela forma.
Com esses argumentos os testes entraram em declínio no Brasil desde o final da década de 70 do Século XX. Na década de 90, do mesmo século, psicólogos que se interessavam em estudar psicometria eram vistos como limitados ou reprodutores de um processo que validava as desigualdades sociais. Porém, os testes melhoraram. Passaram por transformações e novas aferições estatísticas que de fato adaptaram eles aos diferentes constructos culturais e sociais. Mas, continuavam e continuam utilizando a estatística para fazer inferências sobre particularidades humanas, o que desagrada a muitos, principalmente aqueles que sequer conseguem compreender como funciona a estatística.
Porém, com toda discussão os testes na hodiernidade continuam encontrando QI mais elevado em pessoas com notoriedade. Muitos preferem simplesmente dizer que os testes não representam nada. Mas, ninguém é retardado o suficiente para não perceber que o fato dos testes não considerarem a etiologia da inteligência, não existam algumas pessoas verdadeiramente mais inteligentes. Também não precisamos ser doutor em psicologia para nos deixar levar pela ideia de que pessoas mais inteligentes acabam tendo mais chances. Por isso, independente dos testes, insucesso na vida é avaliado como sendo mais freqüente em pessoas com limitação cognitiva. Mas essa história não termina por aqui.
Os testes de inteligência apresentam sempre uma determinada situação de forma sequencial e solicitam do sujeito primeiro a capacidade de perceber a situação, para em seguida solicitar o próximo evento da série. Como a inteligência é compreendida como a capacidade de adaptar-se, no sentido de conseguir responder e interagir adequadamente ao ambiente e suas exigências, há quem presuma que um sujeito capaz de identificar uma sequencia lógica e prever o próximo resultado, também seja capaz de identificar variáveis e processos que facilitem a sobrevivência no seu ambiente. Essa é a principal razão da associação entre testes de inteligência e a inteligência associada ao sucesso na vida. Porém, sucesso é muito complexo, pois o sucesso tem relação com o alcance dos objetivos de vida.
Uma pessoa pode ter objetivos de vida que não se encaixem nas expectativas da maior parte do grupo social que ela participa. Assim, mesmo que ela seja bem sucedida em atingir seus objetivos ela poderá ser vista como uma fracassada pelo grupo, simplesmente por estar em desacordo com a maioria. Isso atesta a dificuldade do olhar do outro em definir quem é bem ou mal-sucedido.
Então, não basta ser inteligente para ser bem-sucedido, é necessário traçar objetivos de vida claros e bem definidos para saber pelo menos o que se deseja alcançar. Afinal o valor de um homem se define, dentre outras coisas, pela firmeza que este possui em conquistar seus ideais. Testes de inteligência não dão conta se a pessoa traça ou não objetivos para sua vida e se persevera nos mesmos, pois isso depende de inúmeros arranjos contingenciais. Somente uma avaliação comportamental mais consistente é capaz de analisar se faz parte do repertório comportamental do sujeito traçar planos com freqüência.
Uma pessoa bem sucedida precisa traçar planos e planos só são possíveis com objetivos definidos. Os que são inteligentes irão concordar que nem sempre se davam melhor nas notas (simplesmente porque não estudavam e muitas vezes não estudavam porque confiavam demais na sua capacidade de entender o assunto). Quantas vezes assistimos pessoas que são mais lentas na aprendizagem, mas por serem disciplinadas e terem propósitos estabelecidos, acabam por superar outras. Sem objetivos somos uma flecha veloz e capaz lançada à escuridão.
Embora a capacidade para processar informações diversificadas possa ter uma forte base biológica, definir objetivos e avaliar os recursos disponíveis para elaboração de um planejamento (para o alcance das metas) depende de aprendizagem. Por isso não podemos hoje entender inteligência como pura herança genética do mesmo modo que Francis Galton, sobrinho de Darwin, entendia no final do Séc XIX. Os primeiros testes de psicologia vinham desta tradição de que inteligência era um fator biológico que não perpassava a aprendizagem por meio das consequências.
Por isso, no passado, defender que os pobres e outros mazelados tinham inteligência reduzida era o mesmo que dividir a humanidade em grupos biológicos distintos em que uns seriam aptos e capazes, enquanto outros seriam inferiores. Muito bom para justificar as desigualdades econômicas humanas. Mas, assim como a doutrina do karma espírita kardecista, responsabiliza o próprio sujeito pelo seu sucesso ou insucesso, o que deixa os bem-sucedidos bastante confortáveis e sem peso na consciência.
Os grupos humanos que controlam os meios de comunicação de massa, não manipulam apenas reforçadores para dirigir objetivos de vida (o que as pessoas irão desejar), mas manipulam também comportamentos que seriam adequados ou não para o alcance destes objetivos. Com este nível de controle de certos grupos humanos sobre outros, não fica difícil entender que uns limitarão a inteligência (seria melhor dizer capacidade de discriminar e selecionar comportamentos adequados e variados para a sobrevivência) de outros. Qualquer forma que ponha em risco a vantagem dos controladores será limitada. Desta forma, temos aqui uma primeira pista para entender o verdadeiro sentido da frase: a pobreza é resultado de inteligência limitada.
A pobreza não é resultado exclusivo da falta de recursos. A pobreza é resultado da incapacidade de participar (por limitação imposta) de um ambiente com contingências adequadas para se organizar e traçar planejamentos para sair de uma situação de risco ou vulnerabilidade social. É por essa razão que encontramos casos reais de pessoas que ganham na loteria prêmios milionários e perdem tudo, e outros que mesmo sem uma quantidade suficiente de recursos conseguem realizar feitos marcantes na história conforme os seus objetivos. Portanto, devemos dirigir nosso olhar para quais fatores são limitadores da inteligência, ou seja, processos que limitam o desenvolvimento e a capacidade de traçar objetivos plausíveis e planos para realizá-los.
Ser rico e bem sucedido é antes de tudo ser uma pessoa com objetivos de vida pensados a partir de seu plano em correlação com o ambiente e as necessidades reais de sobrevivência. Em termos éticos esses objetivos devem contemplar o bem para si e o bem para os outros a curto e a longo prazo. Ser rico e bem sucedido é além de ter esses objetivos ser capaz de traçar planos para tentar conseguir os mesmos. Por isso devemos todos estar atentos para a construção de bolsões que limitam as pessoas. Pois de forma alguma podemos compreender que as pessoas são pouco inteligentes e limitadas por vontade própria ou por escolhas claras. Aqueles que acreditam na análise do comportamento devem estar atentos aos arranjos contingenciais e a forma que as pessoas são submetidas a eles para se tornarem limitadas.
Inteligência limitada resulta em pobreza no sentido amplo, mas a pobreza de recursos materiais e financeiros só resulta em inteligência limitada quando é submetida a contingências limitadoras da capacidade de organização. Pobreza não é e nunca foi ausência de recursos apenas, mas é principalmente estar submetido a construção de repertórios comportamentais que incapacitam o sujeito de ver além do que grupos controladores manipulam.
Os testes não erram quando identificam inteligência limitada em pessoas pobres, mas isso não nos alerta para subgrupos humanos. Apenas nos deixa acordados para a capacidade que certos grupos humanos possuem de limitar outros humanos através de diferentes contingências e agências de controle ao longo da história: religião, televisão e agora a internet. Ver o que é essencial para a vida e se focar nisso ainda é uma tarefa muito difícil. Pode parecer loucura não seguir a multidão quando ela caminha para o precipício, mas isso se chama sanidade. Não seguir as determinações de grupos controladores em certos momentos ainda é sinal de inteligência superior, principalmente se acompanhada de disciplina e objetivos de vida.
Assim eu observei assim eu conto para vocês.
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