por Marco Blog
Não chores, Víctor. Nós vencemos!
O jovem ator Víctor Santana caminhava com uma mochila nas costas.
Estava a caminho do trabalho, nesse sábado dia 28 de março. Na porta do
Comando Militar Leste do Exército, ao lado da Central do Brasil, foi
surpreendido com bandeiras integralistas, saudações nazistas e um
grupo que pedia golpe militar. Eram cerca de 70 pessoas, alguns
visivelmente transtornados e agressivos. Olhei pro Vitor e vi que
chorava. Muito. Quem sabe pensando em um parente desaparecido
ou morto pela ditadura. Não sei.
Também passava por ali, depois de uma manifestação em comemoração
aos 93 anos do Partidão e em um gesto solidário segurei no braço dele
– ‘Não fique assim, essa gente não significa nada’ – justifiquei. Vitor seguiu
em direção ao grupo e eu o acompanhei já prevendo confronto.
Disse ao policial que escoltava o grupo que era inconstitucional e
criminosa aquela manifestação. Um rapaz se aproximou e gritou a
centímetros do meu rosto: ‘você é um viado maconheiro’
e ‘Comunista tem que morrer’. Respondi no mesmo tom e intensidade
e chamei atenção do policial: ‘Quero o mesmo direito deles e vou
ficar aqui protestando contra a manifestação’.
Lembrei ao policial: ‘Não há intervenção militar com consentimento
da Constituição, que define as atribuições das Forças Armadas,
subordinadas ao Presidente da República, eleito pelo povo e dono
do poder’. Me dirigi aos manifestantes com o megafone: ‘Prestem
continência para esse povo que passa aqui em direção a Central
, esse povo é que paga seus salários e o das forças armadas’, concluí.
‘É pra eles que vocês devem continência!’
Sob ameaças de agressão física e morte por muitos homens e mulheres
da marcha solicitei novamente proteção policial. Victor se negou
a sofrer a revista – por que ele e não a mim também que estava
com mochila? Minha cor de pele influenciou? Em alguns minutos
Vitor foi cercado e levado pela policia. Foi injustamente preso
com uso de uma força desproporcional, tendo sido alegado
desacato. Um absurdo.
Tentei negociar sua libertação mas ele extremamente nervoso
reagiu a violência. Fiquei sozinho e sem saber o que fazer,
apenas tomado pela indignação. Victor desapareceu em meio
a dezenas de policiais, foi colocado em um camburão e sob
aplausos do grupo. Munido de um megafone que havia trazido
na mochila do ato que promovemos em Teresópolis naquela
manhã, comecei então a enfrentar a marcha, que foram cercados
e isolados pelos policiais. Eu é que sou apenas um e eles
é que ganham proteção?, me perguntei.
Comecei a convocar e a explicar aos trabalhadores que
passavam em direção à Central do Brasil o que estava acontecendo.
Uma dezena pelo menos parou. Uma transexual na calçada também
enviava gestos e gritos ao grupo. Começamos aos poucos a sufocar
e paralisar a manifestação fascista. Cercados pelo cordão de isolamento,
alguns faziam gestos obscenos para nossa direção, outros exibiam
faixas. Conseguimos depois de uma hora de intenso confronto verbal
calar o grupo, que foi se dispensando.
Embora não intencional – não sabia da manifestação e nem conhecia
Vitor – a mobilização deu uma resposta aos fascistas. Assanhados
pelo êxito das manifestações contra Dilma de algumas semanas
atrás, acreditavam que poderiam empurrar a multidão a pauta do golpe.
O tom anticomunista dominou o ato, com cantos militares, hinos
e os gritos de ordem contra bandeiras vermelhas.
Nasci meses após o golpe militar de 1964 e, quando jovem, a
ditadura já estava deteriorada e a esquerda em ascensão.
Nunca tinha ouvido ou sofrido agressão por ser de esquerda
ou por ser comunista, muito pelo contrário, acostumado ao
reconhecimento por tantos anos de ilegalidade e tantas lutas
que vencemos. Foi um batismo cruel ver e ouvir que eu era o
inimigo que precisa ser destruído e eliminado. Minha geração de
militantes jamais viveu essa situação e com sinceridade não sei
como enfrentá-la. A direita saiu do armário, está empoderada pelas
manifestações, pela bancada que elegeram, pelo crescimento do
apoio popular a sua pauta conservadora. Tudo que ganhamos nos
últimos trinta anos – esses poucos avanços – está sob risco de
desaparecer.
Nossas bandeiras atacadas, nossos militantes atônitos diante do
ódio. Eu nunca havia experimentado o olhar do ódio anticomunista,
antes sempre adormecido, envergonhado, tímido e trabalhando
na escuridão. Minha geração está ainda anestesiada, achando
que esses grupos são ainda minoritários e sem futuro. Como já disse
Bertolt Brecht, ‘a cadela do fascismo está sempre no cio’.
Jamais devemos subestimar esses grupos e seus líderes.
A última vez que assim fizemos, amargamos uma grande
derrota para a humanidade que foi o nazismo. Hoje foi um dia
de comemoração pelos 93 anos do partido em minha cidade.
Hoje foi um dia que aprendi o que outras gerações viveram
. E viver esse Partido é viver sua história e entender como
foi difícil vencer o fascismo em todas suas versões e roupagens.
Retroceder jamais.Vou tentar achar Vitor (só descobri seu
nome depois que li a denúncia de sua prisão feita por
Chico Alencar) e dizer que vencemos aquela batalha.
E que estou à disposição para testemunhar e processar
aqueles policiais violentos. E todas as outras que virão
vai depender também dele e de todos os camaradas.
Vamos enfrentar esse neofascismo com inteligência, estratégia
e mobilização. Vamos vencer porque somos
a humanidade e eles, a barbárie.
Cenas da prisão de Victor:
Nenhum comentário:
Postar um comentário