Justiça nega recurso à ex-mulher condenada por por morte de executivo da Friboi
Decisão do Tribunal de Justiça de SP pode levar Giselma Magalhães de volta à cadeia
ALINE RIBEIRO E ISABELA KIESEL
O Tribunal de Justiça de São Paulo negou nesta quinta-feira (14) o recurso de Giselma Magalhães, condenada a 22 anos e seis meses de prisão pela morte do ex-marido, Humberto de Campos Magalhães, um alto executivo do Grupo JBS. O crime aconteceu em 4 de dezembro de 2008, depois que a vítima foi atraída para uma emboscada. Com a decisão, Giselma pode voltar à cadeia, de onde saiu um ano e meio após o assassinato. ÉPOCA não conseguiu contato com a defesa de Giselma até a publicação desta reportagem.
Humberto foi baleado na Rua Alfenas, na Zona Oeste de São Paulo, depois de receber uma ligação em que o interlocutor afirmava que o filho caçula da vítima estava passando mal. Humberto levou dois tiros de um motociclista ao chegar no local. Além de Giselma, o irmão dela, Kairon Vaufer Alves, e outras duas pessoas foram presas pelo crime.
Humberto foi baleado na Rua Alfenas, na Zona Oeste de São Paulo, depois de receber uma ligação em que o interlocutor afirmava que o filho caçula da vítima estava passando mal. Humberto levou dois tiros de um motociclista ao chegar no local. Além de Giselma, o irmão dela, Kairon Vaufer Alves, e outras duas pessoas foram presas pelo crime.
Confira detalhes da megainvestigação a seguir:
Capítulo 1
ORDEM DO GOVERNADOR
ORDEM DO GOVERNADOR
O delegado Rodolpho Chiarelli chegou ao trabalho numa sexta-feira ensolarada de dezembro de 2008 ansioso pelo ócio do fim de semana. Acomodou-se em sua mesa no Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, num prédio no centro de São Paulo, e olhou osboletins de ocorrência dos crimes da madrugada anterior. Um deles relatava o assassinato de um homem com cerca de 40 anos, 1,75 metro de altura, cor parda clara, magro, de cabelos e olhos castanhos. “Segundo declarações de populares, consta que a vítima fora agredida dentro de um Mercedes-Benz por um motoqueiro, com tiros na região do tórax e na perna esquerda”, detalhava o relatório da patrulha da Polícia Militar. Era apenas mais um assassinato para as estatísticas. A equipe de Chiarelli estaria de folga no sábado e no domingo. Ele não viu problema, portanto, em esperar até segunda-feira para começar a investigação. Meia hora depois, seu telefone tocou. Era a secretária do diretor do departamento com um recado imperativo: José Serra, governador de São Paulo, ordenava que o caso fosse tratado como prioridade. Naquele momento, por volta de 10h30, o noticiário já espalhava que o assassinado era Humberto de Campos Magalhães, de 43 anos, um dos principais executivos do grupo JBS, colosso do ramo de alimentos.
>> Caso Friboi: filho de executivo morto conta como mãe tentou incriminá-lo
Até 2007, a JBS se chamava Friboi e, embora fosse um grande frigorífico, estava longe de figurar na lista das 100 maiores companhias brasileiras. Sua ascensão começou naquele ano, depois de a empresa abrir capital na Bolsa de Valores e receber investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Humberto começara na empresa 12 anos antes. Num pequeno frigorífico do interior de Mato Grosso, desossava pedaços de boi, até avançar para um cargo administrativo. Nunca parou de subir. Descrito como inteligente e batalhador, cresceu por merecimento – nunca fora apadrinhado. Quando morreu, chefiava dez diretores. Sua missão era erguer novas unidades da JBS pelo mundo, trabalho que o levou a alguns dos países onde a empresa está hoje – Argentina, México, Itália, Austrália, Estados Unidos, Canadá. Na hierarquia do gigante da carne, Humberto estava a um degrau do presidente. Com um crime de repercussão nacional numa das mãos e uma ordem do governador na outra, o delegado Chiarelli sabia o que fazer. Tinha a experiência necessária para a missão. De seu currículo, consta a prisão de Gil Rugai, condenado em 2013 pela morte do pai e da madrasta. Chiarelli não poderia seguir os procedimentos normais. No DHPP em São Paulo, o procedimento normal desemboca numa modesta taxa de esclarecimento de crimes, de apenas três em cada dez. Os casos resolvidos requerem, em média, um ano de investigação. E Chiarelli tinha pressa.
O delegado destacou sua equipe inteira, oito investigadores e dois escrivães, para se dedicar só ao caso. Vítimas sem pedigree não recebem um centésimo dessa atenção –um investigador sozinho costuma cuidar de até 20 crimes. Primeiro, os policiais conversaram com moradores da área onde Humberto foi assassinado. Depois, pediram as imagens das câmeras de segurança da rua. Continuaram com visitas à sede da JBS e à casa da namorada da vítima. Na segunda-feira, os investigadores já tinham suspeitas. “Em 39 anos fazendo júri, essa foi a melhor e mais detalhada investigação que já vi”, afirma o promotor José Carlos Cosenzo, responsável pela acusação. Enquanto o caso se desenrolava com celeridade, os B.O.s dos outros crimes cometidos na noite da morte de Humberto permaneceram intocados sobre as mesas da delegacia.
Capítulo 2
UM VISITANTE INESPERADO
Na noite de 4 de dezembro de 2008, uma quinta-feira, horas antes de o delegado Chiarelli receber o telefonema com a ordem do governador, Jacinto Ferreira assistia ao Jornal Nacional, ao lado da mulher, quando sua campainha tocou. O casal morava no número 85 da Alfenas, uma ruela escura na Zona Oeste de São Paulo. A campainha tocou uma, duas vezes. A sineta então bateu insistentemente. Jacinto levantou assustado e abriu a porta. Fora do portão, um homem moreno perguntou: “Tem uma criança chorando aí?”. Falava rápido, repetia frases, tinha o tom de voz alterado. Sem entender, Jacinto respondeu que não. O interlocutor insistiu, exaltado: “Gozado, recebi uma ligação dizendo que nessa casa tinha uma criança chorando, o meu filho”.
Diante de uma nova negativa, o homem que aparentava ter 40 anos voltou para seu Mercedes-Benz preto, estacionado na frente da casa. Jacinto, desconfiado, continuou espiando, por cima do portão. O visitante deu a partida e avançou com o carro por cerca de 30 metros, quando foi abordado por um motociclista. Os dois discutiram. O motoqueiro sacou um revólver calibre 38 e disparou a uma distância de 1 metro. De sua casa, Jacinto ouviu o estampido e viu o clarão do disparo. Pediu à mulher que chamasse a polícia. Como o atendimento demorou, caminhou até um batalhão da PM próximo.
A 500 metros da cena, na rua vizinha, um taxista no ponto avistou um homem que chegava correndo. Pensou inicialmente tratar-se de alguém embriagado, mas logo viu sangue escorrendo na camisa.“Me ajude, levei um tiro”, disse, e tombou desacordado. Então foi levado, ainda vivo, a um hospital dos arredores. No batalhão, os policiais já haviam sido avisados do crime. Seguiram, acompanhados por Jacinto, até o local do assassinato, onde encontraram o Mercedes todo aberto, sem as chaves no contato. Dentro do carro, havia uma maleta preta, cheques no valor de R$ 19.600, cartões de crédito, cédulas de peso e um crachá da JBS com o nome do diretor executivo: Humberto de Campos Magalhães.
Até 2007, a JBS se chamava Friboi e, embora fosse um grande frigorífico, estava longe de figurar na lista das 100 maiores companhias brasileiras. Sua ascensão começou naquele ano, depois de a empresa abrir capital na Bolsa de Valores e receber investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Humberto começara na empresa 12 anos antes. Num pequeno frigorífico do interior de Mato Grosso, desossava pedaços de boi, até avançar para um cargo administrativo. Nunca parou de subir. Descrito como inteligente e batalhador, cresceu por merecimento – nunca fora apadrinhado. Quando morreu, chefiava dez diretores. Sua missão era erguer novas unidades da JBS pelo mundo, trabalho que o levou a alguns dos países onde a empresa está hoje – Argentina, México, Itália, Austrália, Estados Unidos, Canadá. Na hierarquia do gigante da carne, Humberto estava a um degrau do presidente. Com um crime de repercussão nacional numa das mãos e uma ordem do governador na outra, o delegado Chiarelli sabia o que fazer. Tinha a experiência necessária para a missão. De seu currículo, consta a prisão de Gil Rugai, condenado em 2013 pela morte do pai e da madrasta. Chiarelli não poderia seguir os procedimentos normais. No DHPP em São Paulo, o procedimento normal desemboca numa modesta taxa de esclarecimento de crimes, de apenas três em cada dez. Os casos resolvidos requerem, em média, um ano de investigação. E Chiarelli tinha pressa.
O delegado destacou sua equipe inteira, oito investigadores e dois escrivães, para se dedicar só ao caso. Vítimas sem pedigree não recebem um centésimo dessa atenção –um investigador sozinho costuma cuidar de até 20 crimes. Primeiro, os policiais conversaram com moradores da área onde Humberto foi assassinado. Depois, pediram as imagens das câmeras de segurança da rua. Continuaram com visitas à sede da JBS e à casa da namorada da vítima. Na segunda-feira, os investigadores já tinham suspeitas. “Em 39 anos fazendo júri, essa foi a melhor e mais detalhada investigação que já vi”, afirma o promotor José Carlos Cosenzo, responsável pela acusação. Enquanto o caso se desenrolava com celeridade, os B.O.s dos outros crimes cometidos na noite da morte de Humberto permaneceram intocados sobre as mesas da delegacia.
Capítulo 2
UM VISITANTE INESPERADO
Na noite de 4 de dezembro de 2008, uma quinta-feira, horas antes de o delegado Chiarelli receber o telefonema com a ordem do governador, Jacinto Ferreira assistia ao Jornal Nacional, ao lado da mulher, quando sua campainha tocou. O casal morava no número 85 da Alfenas, uma ruela escura na Zona Oeste de São Paulo. A campainha tocou uma, duas vezes. A sineta então bateu insistentemente. Jacinto levantou assustado e abriu a porta. Fora do portão, um homem moreno perguntou: “Tem uma criança chorando aí?”. Falava rápido, repetia frases, tinha o tom de voz alterado. Sem entender, Jacinto respondeu que não. O interlocutor insistiu, exaltado: “Gozado, recebi uma ligação dizendo que nessa casa tinha uma criança chorando, o meu filho”.
Diante de uma nova negativa, o homem que aparentava ter 40 anos voltou para seu Mercedes-Benz preto, estacionado na frente da casa. Jacinto, desconfiado, continuou espiando, por cima do portão. O visitante deu a partida e avançou com o carro por cerca de 30 metros, quando foi abordado por um motociclista. Os dois discutiram. O motoqueiro sacou um revólver calibre 38 e disparou a uma distância de 1 metro. De sua casa, Jacinto ouviu o estampido e viu o clarão do disparo. Pediu à mulher que chamasse a polícia. Como o atendimento demorou, caminhou até um batalhão da PM próximo.
A 500 metros da cena, na rua vizinha, um taxista no ponto avistou um homem que chegava correndo. Pensou inicialmente tratar-se de alguém embriagado, mas logo viu sangue escorrendo na camisa.“Me ajude, levei um tiro”, disse, e tombou desacordado. Então foi levado, ainda vivo, a um hospital dos arredores. No batalhão, os policiais já haviam sido avisados do crime. Seguiram, acompanhados por Jacinto, até o local do assassinato, onde encontraram o Mercedes todo aberto, sem as chaves no contato. Dentro do carro, havia uma maleta preta, cheques no valor de R$ 19.600, cartões de crédito, cédulas de peso e um crachá da JBS com o nome do diretor executivo: Humberto de Campos Magalhães.
Capítulo 3
O CELULAR LG PRATA
Quatro dias depois, o delegado Chiarelli pediu a quebra de sigilo telefônico da vítima e de oito familiares. Na manhã seguinte, um juiz autorizou a quebra – uma demanda como essa, em condições normais, demora até três meses para ser atendida. Tão prestativa quanto a Justiça foi a empresa em que Humberto trabalhava. “A Friboi colocou à disposição o que fosse necessário para esclarecer o crime: helicópteros, carros, dinheiro e aviões”, diz Chiarelli. O delegado agradeceu, mas rejeitou a oferta. (Mais tarde, Chiarelli ficou próximo dos donos da JBS e até hoje frequenta churrascos da família. Virou atração das rodinhas dos curiosos com o crime.)
Com acesso aos dados de uma rede de telefonia móvel, Chiarelli soube que o celular do filho caçula de Humberto, Carlos Eduardo Magalhães, estava próximo ao local do crime naquela noite de quinta-feira. Descobriu mais. A ligação que atraíra o executivo para a emboscada partira do número de Carlos Eduardo. Marcela, umacolega de Friboi que havia encontrado Humberto para conversar na lojinha de conveniência de um posto de gasolina, momentos antes do assassinato, confirmou: pouco após as 20 horas, o visor do telefone do executivo havia acendido e deixara aparente a mensagem“Carlos Eduardo chamando”. O adolescente de 17 anos tornou-se o principal suspeito da morte do pai. “Fui o último a saber que estava sendo acusado”, lembra Carlos Eduardo. “Já no velório, minha família começou a me tratar de um jeito estranho. Não recebi um abraço pela morte do meu pai.”
Carlos Eduardo havia marcado de jantar com o pai naquela noite. Os dois se veriam assim que o executivo retornasse de uma viagem. Encontros assim haviam se tornado rotineiros desde a separação dos pais de Carlos Eduardo, um ano antes. A família sempre fora dividida. Marcus Vinicius, o filho mais velho, era o preferido da mãe, Giselma. O caçula Carlos sempre se deu melhor com Humberto. Na data do crime, Carlos Eduardo teve um dia comum. Acordou tarde, desistiu de ir à academia, fez provas no curso supletivo, cortou o cabelo. Ao chegar em casa, por volta das 19 horas, foi direto para o quarto. Sentia o início de uma gripe. Desistiu de jantar com o pai, mas não telefonou para avisar porque havia perdido o celular. Quando intimou Carlos Eduardo a depor, o delegado estranhou tamanha desatenção e apertou o garoto. “Como você perde o celular e não sabe onde? Estou tentando resolver a morte do seu pai”, dizia, em tom nada amigável. Em pé, atrás de Carlos Eduardo, sua mãe,Giselma, acariciava suas costas para confortá-lo, em silêncio.
Nos dias seguintes, o delegado ouviu mais familiares e colegas da vítima, além de mulheres que Humberto namorava. Todos mencionaram que a vítima tinha uma “relação conturbada” com Giselma. Apesar do final de casamento difícil e de ter saído de casa, Humberto não se separou judicialmente. Na família e entre amigos, abundavam histórias sobre a obsessão de Giselma por Humberto.Certa vez, impedida de entrar na Friboi, Giselma avançara com o carro sobre a cancela. Em outra, ameaçara de morte uma amante de Humberto – e foi parar na delegacia. Oito dias antes do crime, Humberto havia dito à irmã, Maria Auxiliadora, que “coisas estranhas” estavam acontecendo. Havia sofrido uma tentativa de assalto na saída de um restaurante. “Minha mãe sempre pedia ao Humberto para contratar seguranças e andar de carro blindado”, conta Maria Auxiliadora. Humberto achava desnecessário.
Giselma, portanto, tinha um motivo para o crime; Carlos Eduardo, aparentemente nenhum. Indignado com a possibilidade de uma mãe ter incriminado seu próprio filho para se safar, Chiarelli não mediu esforços. Solicitou à Justiça a escuta telefônica de pelo menos dez números, celulares e fixos. Passou dias monitorando as conversas. Deram em nada. Pediu também a interceptação e o rastreamento do aparelho de Carlos Eduardo, não apenas do chip, como de praxe. Chiarelli descobriu que o celular LG prata de Carlos Eduardo estava em São Luís, no Maranhão. Dois investigadores viajaram até o Nordeste e encontraram o telefone com um ex-presidiário da Penitenciária de Pedrinhas. Era Kairon Vaufer Alves, de 48 anos, preso durante 18 anos por tráfico de drogas. Kairon deixara a cadeia seis meses antes. Primeiro, afirmou que adquirira o aparelho na região da cracolândia do centro, em São Paulo, numa viagem para comprar roupas e revender no Maranhão.
Ao investigar o ex-presidiário, Chiarelli tomou um susto: Kairon e Giselma eram irmãos por parte de mãe e, nos dias que antecederam o crime, haviam mantido contato por outro telefone, dado por ela ao ex-presidiário. Confrontado com as evidências, Kairon confessou, às polícias do Maranhão e de São Paulo, sua participação no assassinato de Humberto, arquitetado, segundo ele, por Giselma.Contou que a irmã o contratara por R$ 30 mil. Kairon, por sua vez, repassara a tarefa a Osmar Gonzaga Lima e Paulo dos Santos. Em três ocasiões, tentaram, sem sucesso, matar Humberto. No dia do crime, Giselma entregou o celular do filho para o irmão. Às 20h13, Kairon ligou para Humberto, dizendo que seu caçula sofria uma overdose na Rua Alfenas, próximo ao número 85. Quarenta minutos depois de atrair Humberto para a emboscada, Kairon ligou de um telefone público para a irmã. Avisou que o serviço estava feito.
O CELULAR LG PRATA
Quatro dias depois, o delegado Chiarelli pediu a quebra de sigilo telefônico da vítima e de oito familiares. Na manhã seguinte, um juiz autorizou a quebra – uma demanda como essa, em condições normais, demora até três meses para ser atendida. Tão prestativa quanto a Justiça foi a empresa em que Humberto trabalhava. “A Friboi colocou à disposição o que fosse necessário para esclarecer o crime: helicópteros, carros, dinheiro e aviões”, diz Chiarelli. O delegado agradeceu, mas rejeitou a oferta. (Mais tarde, Chiarelli ficou próximo dos donos da JBS e até hoje frequenta churrascos da família. Virou atração das rodinhas dos curiosos com o crime.)
Com acesso aos dados de uma rede de telefonia móvel, Chiarelli soube que o celular do filho caçula de Humberto, Carlos Eduardo Magalhães, estava próximo ao local do crime naquela noite de quinta-feira. Descobriu mais. A ligação que atraíra o executivo para a emboscada partira do número de Carlos Eduardo. Marcela, umacolega de Friboi que havia encontrado Humberto para conversar na lojinha de conveniência de um posto de gasolina, momentos antes do assassinato, confirmou: pouco após as 20 horas, o visor do telefone do executivo havia acendido e deixara aparente a mensagem“Carlos Eduardo chamando”. O adolescente de 17 anos tornou-se o principal suspeito da morte do pai. “Fui o último a saber que estava sendo acusado”, lembra Carlos Eduardo. “Já no velório, minha família começou a me tratar de um jeito estranho. Não recebi um abraço pela morte do meu pai.”
Carlos Eduardo havia marcado de jantar com o pai naquela noite. Os dois se veriam assim que o executivo retornasse de uma viagem. Encontros assim haviam se tornado rotineiros desde a separação dos pais de Carlos Eduardo, um ano antes. A família sempre fora dividida. Marcus Vinicius, o filho mais velho, era o preferido da mãe, Giselma. O caçula Carlos sempre se deu melhor com Humberto. Na data do crime, Carlos Eduardo teve um dia comum. Acordou tarde, desistiu de ir à academia, fez provas no curso supletivo, cortou o cabelo. Ao chegar em casa, por volta das 19 horas, foi direto para o quarto. Sentia o início de uma gripe. Desistiu de jantar com o pai, mas não telefonou para avisar porque havia perdido o celular. Quando intimou Carlos Eduardo a depor, o delegado estranhou tamanha desatenção e apertou o garoto. “Como você perde o celular e não sabe onde? Estou tentando resolver a morte do seu pai”, dizia, em tom nada amigável. Em pé, atrás de Carlos Eduardo, sua mãe,Giselma, acariciava suas costas para confortá-lo, em silêncio.
Nos dias seguintes, o delegado ouviu mais familiares e colegas da vítima, além de mulheres que Humberto namorava. Todos mencionaram que a vítima tinha uma “relação conturbada” com Giselma. Apesar do final de casamento difícil e de ter saído de casa, Humberto não se separou judicialmente. Na família e entre amigos, abundavam histórias sobre a obsessão de Giselma por Humberto.Certa vez, impedida de entrar na Friboi, Giselma avançara com o carro sobre a cancela. Em outra, ameaçara de morte uma amante de Humberto – e foi parar na delegacia. Oito dias antes do crime, Humberto havia dito à irmã, Maria Auxiliadora, que “coisas estranhas” estavam acontecendo. Havia sofrido uma tentativa de assalto na saída de um restaurante. “Minha mãe sempre pedia ao Humberto para contratar seguranças e andar de carro blindado”, conta Maria Auxiliadora. Humberto achava desnecessário.
Giselma, portanto, tinha um motivo para o crime; Carlos Eduardo, aparentemente nenhum. Indignado com a possibilidade de uma mãe ter incriminado seu próprio filho para se safar, Chiarelli não mediu esforços. Solicitou à Justiça a escuta telefônica de pelo menos dez números, celulares e fixos. Passou dias monitorando as conversas. Deram em nada. Pediu também a interceptação e o rastreamento do aparelho de Carlos Eduardo, não apenas do chip, como de praxe. Chiarelli descobriu que o celular LG prata de Carlos Eduardo estava em São Luís, no Maranhão. Dois investigadores viajaram até o Nordeste e encontraram o telefone com um ex-presidiário da Penitenciária de Pedrinhas. Era Kairon Vaufer Alves, de 48 anos, preso durante 18 anos por tráfico de drogas. Kairon deixara a cadeia seis meses antes. Primeiro, afirmou que adquirira o aparelho na região da cracolândia do centro, em São Paulo, numa viagem para comprar roupas e revender no Maranhão.
Ao investigar o ex-presidiário, Chiarelli tomou um susto: Kairon e Giselma eram irmãos por parte de mãe e, nos dias que antecederam o crime, haviam mantido contato por outro telefone, dado por ela ao ex-presidiário. Confrontado com as evidências, Kairon confessou, às polícias do Maranhão e de São Paulo, sua participação no assassinato de Humberto, arquitetado, segundo ele, por Giselma.Contou que a irmã o contratara por R$ 30 mil. Kairon, por sua vez, repassara a tarefa a Osmar Gonzaga Lima e Paulo dos Santos. Em três ocasiões, tentaram, sem sucesso, matar Humberto. No dia do crime, Giselma entregou o celular do filho para o irmão. Às 20h13, Kairon ligou para Humberto, dizendo que seu caçula sofria uma overdose na Rua Alfenas, próximo ao número 85. Quarenta minutos depois de atrair Humberto para a emboscada, Kairon ligou de um telefone público para a irmã. Avisou que o serviço estava feito.
Capítulo 4
UMA PAIXÃO DOENTIA
Giselma e Humberto se conheceram ainda jovens, em Barra do Garças, uma cidade de 58 mil habitantes em Mato Grosso. Eram de famílias simples. Ela, filha de uma cozinheira, não conhecia o pai. Ele era filho de um pedreiro e uma dona de casa. Cursaram biologia. Giselma trabalhava em um banco quando viu pela primeira vez Humberto, recém-formado, numa festa na cidade. Giselma sabia falar, era articulada e persuasiva. Encantou Humberto. Namoraram menos de dois anos antes de casar.
A família descreve Humberto como um prodígio. Com 12 anos, saiu da casa dos pais e foi morar com a avó num município maior.Queria estudar e trabalhar. Mostrava o brilho da boa ambição. “Ele sempre se destacou nos estudos. Tinha o sonho de crescer na vida”, afirma a irmã Maria Auxiliadora. Quando casaram, Humberto estava desempregado. Grávida, Giselma trabalhava durante o dia e, à noite, datilografava teses de mestrado até de madrugada para complementar a renda. Até que Humberto conseguiu um emprego num frigorífico, mais tarde comprado pela Friboi.
A vida do casal mudou numa velocidade incomum. Assim que Humberto ascendeu, Giselma deixou o trabalho para cuidar dos filhos. Segundo relatos de parentes e conhecidos, Giselma sempre teve um ciúme anormal. O sentimento saiu do controle quando elapassou a viver em função do marido. Certa vez, contratou a moça que levava seus filhos à escola de mototáxi para perseguir o companheiro. “Minha casa era um Q.G. contra meu pai”, diz Carlos Eduardo. “Ela tinha informantes em toda parte para vigiá-lo.” Humberto era mulherengo. Antes de se separar de Giselma, namorava mulheres belas e mais jovens.
Mesmo depois de separados, Humberto bancava a ex-mulher.Dava a ela uma mesada de R$ 30 mil. Pagava todas as contas da casa, um sobrado neoclássico em Alphaville, com cinco quartos e piscina, atendido por um jardineiro e duas empregadas. Quando morreu, Humberto montava uma gráfica para Giselma produzir etiquetas para embalagens de carne. Seu principal cliente seria a Friboi.
Giselma, entretanto, queria mais do que dinheiro. Nunca se conformara com a saída do marido de casa. Uma carta enviada a Humberto, anexada ao processo, demonstra o tamanho do rancor de Giselma por ele: “Você construiu sua carreira, chegou ao topo e estive com você durante esses 20 anos. Minha vida não foi fácil, porque houve Vanessas, Danielas, Mônicas etc. Agora estou ferida, arrasada. Se essa piranha desgraçada conseguir o que quer, vou passar os próximos 20 anos fazendo com que ela se arrependa, sofra, pague por me destruir”. Enquanto Humberto enriquecia, conhecia novos países e culturas, aprendia línguas e lapidava o visual, Giselma afundava na obsessão pelo companheiro. Engordou. Não tinha interesses pessoais ou amigos. “Humberto era um ex-sitiante galgando o sucesso”, afirma o delegado Chiarelli. “Já Giselma não evoluiu, só cuidou das crianças e da vida dele. Ela pensou: agora vem uma vagabunda qualquer e toma meu lugar?”
UMA PAIXÃO DOENTIA
Giselma e Humberto se conheceram ainda jovens, em Barra do Garças, uma cidade de 58 mil habitantes em Mato Grosso. Eram de famílias simples. Ela, filha de uma cozinheira, não conhecia o pai. Ele era filho de um pedreiro e uma dona de casa. Cursaram biologia. Giselma trabalhava em um banco quando viu pela primeira vez Humberto, recém-formado, numa festa na cidade. Giselma sabia falar, era articulada e persuasiva. Encantou Humberto. Namoraram menos de dois anos antes de casar.
A família descreve Humberto como um prodígio. Com 12 anos, saiu da casa dos pais e foi morar com a avó num município maior.Queria estudar e trabalhar. Mostrava o brilho da boa ambição. “Ele sempre se destacou nos estudos. Tinha o sonho de crescer na vida”, afirma a irmã Maria Auxiliadora. Quando casaram, Humberto estava desempregado. Grávida, Giselma trabalhava durante o dia e, à noite, datilografava teses de mestrado até de madrugada para complementar a renda. Até que Humberto conseguiu um emprego num frigorífico, mais tarde comprado pela Friboi.
A vida do casal mudou numa velocidade incomum. Assim que Humberto ascendeu, Giselma deixou o trabalho para cuidar dos filhos. Segundo relatos de parentes e conhecidos, Giselma sempre teve um ciúme anormal. O sentimento saiu do controle quando elapassou a viver em função do marido. Certa vez, contratou a moça que levava seus filhos à escola de mototáxi para perseguir o companheiro. “Minha casa era um Q.G. contra meu pai”, diz Carlos Eduardo. “Ela tinha informantes em toda parte para vigiá-lo.” Humberto era mulherengo. Antes de se separar de Giselma, namorava mulheres belas e mais jovens.
Mesmo depois de separados, Humberto bancava a ex-mulher.Dava a ela uma mesada de R$ 30 mil. Pagava todas as contas da casa, um sobrado neoclássico em Alphaville, com cinco quartos e piscina, atendido por um jardineiro e duas empregadas. Quando morreu, Humberto montava uma gráfica para Giselma produzir etiquetas para embalagens de carne. Seu principal cliente seria a Friboi.
Giselma, entretanto, queria mais do que dinheiro. Nunca se conformara com a saída do marido de casa. Uma carta enviada a Humberto, anexada ao processo, demonstra o tamanho do rancor de Giselma por ele: “Você construiu sua carreira, chegou ao topo e estive com você durante esses 20 anos. Minha vida não foi fácil, porque houve Vanessas, Danielas, Mônicas etc. Agora estou ferida, arrasada. Se essa piranha desgraçada conseguir o que quer, vou passar os próximos 20 anos fazendo com que ela se arrependa, sofra, pague por me destruir”. Enquanto Humberto enriquecia, conhecia novos países e culturas, aprendia línguas e lapidava o visual, Giselma afundava na obsessão pelo companheiro. Engordou. Não tinha interesses pessoais ou amigos. “Humberto era um ex-sitiante galgando o sucesso”, afirma o delegado Chiarelli. “Já Giselma não evoluiu, só cuidou das crianças e da vida dele. Ela pensou: agora vem uma vagabunda qualquer e toma meu lugar?”
Capítulo 4
EM LIBERDADE
Quatro meses depois do assassinato, em 3 de abril de 2009, a polícia chegou à casa de Giselma com um mandado de busca e apreensão. Durante a varredura, uma policial flagrou Giselma tirando um chip de telefone do sutiã para jogar no vaso sanitário. Conseguiu impedi-la. Àquela altura, de nada adiantaria eliminar provas do crime. Com os depoimentos de Kairon e seus comparsas apontando Giselma como a mandante, os investigadores haviam convencido a Justiça de que ela ordenara a morte do marido. Saíram de lá com computadores, telefones e a dona da casa algemada. Kairon e seus dois cúmplices foram presos dias depois.
Giselma foi enviada à penitenciária de Santana. Carlos Eduardo, o filho mais novo que ela tentara incriminar, era o único que a visitava. Ia, segundo ele, tratar de assuntos financeiros e tentar entender tudo aquilo. Nunca mais chamou Giselma de mãe. Refere-se a ela pelo nome.
Um ano e cinco meses após a prisão, os advogados de Giselma conseguiram, no Supremo Tribunal Federal, um habeas corpuspara que ela aguarde o fim do processo em liberdade. Em setembro de 2013, Giselma foi condenada, em júri popular, a 22 anos e seis meses de prisão. Apesar da pena, saiu do fórum da Barra Funda pela porta da frente, protegida pelo mesmo documento que a tirou da penitenciária. Está solta até está quinta-feira (14), quando o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o recurso da defesa. A decisão pode levá-la de volta à cadeia. ÉPOCA não conseguiu contato com a defesa de Giselma até a publicação desta reportagem. Recentemente, seu advogado afirmou que tentará anular o júri sob o argumento de “defesa colidente”: durante o julgamento, um único defensor trabalhava para Giselma e Kairon, mesmo depois de o irmão mudar seu depoimento para incriminá-la. “Vamos até o STJ se for necessário”, afirma o advogado Alessandro Zandoná Paschoal.
Giselma vive com o filho mais velho, Marcus, em Goiânia.Inventariante da família, vez ou outra viaja até Barra do Garças para lidar com a burocracia em torno de propriedades de Humberto. Numa Hilux prateada, circula pela cidadezinha onde conheceu o marido. A família da vítima vive até hoje num município vizinho e acha o vaivém de Giselma uma afronta. Maria Auxiliadora, irmã de Humberto, toma antidepressivos para suportar a perda e conviver com a liberdade da ex-cunhada. O filho Carlos Eduardo mora sozinho num apartamento na Zona Sul, em São Paulo. Sonha em ver a mãe presa e “fugir” para Nova York, a fim de recomeçar a vida. Adriana, a namorada de Humberto, conta que eles se tornariam noivos. Fariam isso no dia seguinte ao da emboscada fatal.
EM LIBERDADE
Quatro meses depois do assassinato, em 3 de abril de 2009, a polícia chegou à casa de Giselma com um mandado de busca e apreensão. Durante a varredura, uma policial flagrou Giselma tirando um chip de telefone do sutiã para jogar no vaso sanitário. Conseguiu impedi-la. Àquela altura, de nada adiantaria eliminar provas do crime. Com os depoimentos de Kairon e seus comparsas apontando Giselma como a mandante, os investigadores haviam convencido a Justiça de que ela ordenara a morte do marido. Saíram de lá com computadores, telefones e a dona da casa algemada. Kairon e seus dois cúmplices foram presos dias depois.
Giselma foi enviada à penitenciária de Santana. Carlos Eduardo, o filho mais novo que ela tentara incriminar, era o único que a visitava. Ia, segundo ele, tratar de assuntos financeiros e tentar entender tudo aquilo. Nunca mais chamou Giselma de mãe. Refere-se a ela pelo nome.
Um ano e cinco meses após a prisão, os advogados de Giselma conseguiram, no Supremo Tribunal Federal, um habeas corpuspara que ela aguarde o fim do processo em liberdade. Em setembro de 2013, Giselma foi condenada, em júri popular, a 22 anos e seis meses de prisão. Apesar da pena, saiu do fórum da Barra Funda pela porta da frente, protegida pelo mesmo documento que a tirou da penitenciária. Está solta até está quinta-feira (14), quando o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o recurso da defesa. A decisão pode levá-la de volta à cadeia. ÉPOCA não conseguiu contato com a defesa de Giselma até a publicação desta reportagem. Recentemente, seu advogado afirmou que tentará anular o júri sob o argumento de “defesa colidente”: durante o julgamento, um único defensor trabalhava para Giselma e Kairon, mesmo depois de o irmão mudar seu depoimento para incriminá-la. “Vamos até o STJ se for necessário”, afirma o advogado Alessandro Zandoná Paschoal.
Giselma vive com o filho mais velho, Marcus, em Goiânia.Inventariante da família, vez ou outra viaja até Barra do Garças para lidar com a burocracia em torno de propriedades de Humberto. Numa Hilux prateada, circula pela cidadezinha onde conheceu o marido. A família da vítima vive até hoje num município vizinho e acha o vaivém de Giselma uma afronta. Maria Auxiliadora, irmã de Humberto, toma antidepressivos para suportar a perda e conviver com a liberdade da ex-cunhada. O filho Carlos Eduardo mora sozinho num apartamento na Zona Sul, em São Paulo. Sonha em ver a mãe presa e “fugir” para Nova York, a fim de recomeçar a vida. Adriana, a namorada de Humberto, conta que eles se tornariam noivos. Fariam isso no dia seguinte ao da emboscada fatal.
Um comentário:
Agora esta revista e aquela outra vão dizer que foi o filho do Lula que mandou matar o sócio
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