junho 29, 2015 17:26
O texto, publicado no último 4 de junho, pontua avanços do
Sistema Único de Saúde (SUS), fala sobre o Programa Mais
Médicos Para o Brasil, destaca o uso extensivo e eficaz dos
Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e conclui: “O mundo
pode aprender algumas lições da experiência brasileira”
Sistema Único de Saúde (SUS), fala sobre o Programa Mais
Médicos Para o Brasil, destaca o uso extensivo e eficaz dos
Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e conclui: “O mundo
pode aprender algumas lições da experiência brasileira”
Por Bruna Silveira*, no Brasil de Fato
O The New England Journal of Medicine, a mais antiga e uma das
prestigiadas publicações científicas da área da saúde, divulgou o
artigo de James Macinko e Matthew J. Harris sobre a Estratégia de
Saúde da Família (ESF) brasileira.
prestigiadas publicações científicas da área da saúde, divulgou o
artigo de James Macinko e Matthew J. Harris sobre a Estratégia de
Saúde da Família (ESF) brasileira.
Apesar de escancarar as principais falhas e contradições do sistema,
o texto, publicado no último 4 de junho, pontua avanços do Sistema
Único de Saúde (SUS), fala sobre o Programa Mais Médicos Para o
Brasil, destaca o uso extensivo e eficaz dos Agentes Comunitários
de Saúde (ACS) e conclui: “o mundo pode aprender algumas lições
da experiência brasileira”.
o texto, publicado no último 4 de junho, pontua avanços do Sistema
Único de Saúde (SUS), fala sobre o Programa Mais Médicos Para o
Brasil, destaca o uso extensivo e eficaz dos Agentes Comunitários
de Saúde (ACS) e conclui: “o mundo pode aprender algumas lições
da experiência brasileira”.
Os elogios ao SUS e ao Mais Médicos, além de um horizonte de esperança
para uma saúde pública de qualidade, foram suficientes para desencadear
uma furiosa reação de grande parte da categoria médica brasileira contra
a revista científica inglesa nas redes sociais. Além de bradarem que o artigo é mentiroso, alguns médicos acusam os autores e o jornal de terem sido
comprados pelo governo brasileiro.
para uma saúde pública de qualidade, foram suficientes para desencadear
uma furiosa reação de grande parte da categoria médica brasileira contra
a revista científica inglesa nas redes sociais. Além de bradarem que o artigo é mentiroso, alguns médicos acusam os autores e o jornal de terem sido
comprados pelo governo brasileiro.
Uma forte polarização e um clima de intolerância têm tomado conta do
cenário político. Nem mesmo as ações mais bem sucedidas do governo
merecem qualquer reconhecimento aos olhos de seus opositores. Isso
se evidencia, com muita força, nas disputas políticas enfrentadas dentro
da área da saúde nos últimos anos.
cenário político. Nem mesmo as ações mais bem sucedidas do governo
merecem qualquer reconhecimento aos olhos de seus opositores. Isso
se evidencia, com muita força, nas disputas políticas enfrentadas dentro
da área da saúde nos últimos anos.
O SUS é fruto do movimento pela reforma sanitária e da luta pelos direitos
de um povo até então negligenciado. Uma das principais perdas políticas
à época de sua construção, no entanto, foi a aprovação do artigo 199 da
Constituição Federal, referente ao SUS, que vigora até hoje: “a assistência
à saúde é livre à iniciativa privada”.
de um povo até então negligenciado. Uma das principais perdas políticas
à época de sua construção, no entanto, foi a aprovação do artigo 199 da
Constituição Federal, referente ao SUS, que vigora até hoje: “a assistência
à saúde é livre à iniciativa privada”.
É por isso que, apesar de haver dois setores bem distintos (público x privado),
o SUS se denomina como um sistema “único” de saúde. Mas é desse ponto
que se originam muitas das contradições desse sistema, e é exatamente
de onde emerge todo esse incômodo da categoria médica.
o SUS se denomina como um sistema “único” de saúde. Mas é desse ponto
que se originam muitas das contradições desse sistema, e é exatamente
de onde emerge todo esse incômodo da categoria médica.
Dados
O estudo “Demografia Médica do Brasil”, desenvolvido em parceria, pelo
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)
e o Conselho Federal de Medicina (CFM), de fevereiro de 2013, aponta
que o Brasil já conta com quase 400 mil médicos em atividade. Com
esse número, o Brasil poderia atingir uma taxa de dois profissionais
por 1 mil habitantes. No entanto, essa não é a realidade. Apesar de crescer
de forma acelerada e constante, a população médica brasileira é mal
distribuída pelo país e dentro das especialidades, com forte inserção
no setor privado.
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)
e o Conselho Federal de Medicina (CFM), de fevereiro de 2013, aponta
que o Brasil já conta com quase 400 mil médicos em atividade. Com
esse número, o Brasil poderia atingir uma taxa de dois profissionais
por 1 mil habitantes. No entanto, essa não é a realidade. Apesar de crescer
de forma acelerada e constante, a população médica brasileira é mal
distribuída pelo país e dentro das especialidades, com forte inserção
no setor privado.
Seguem alguns dados importantes do estudo:
1. Há quatro vezes mais médicos no setor privado do que no setor público;
2. Dentre os 387.736 profissionais em atividade no país, 53,68% são
especialistas e 46,32% não têm nenhum título de especialista;
especialistas e 46,32% não têm nenhum título de especialista;
3. Os especialistas em Atenção Primária à Saúde (APS) correspondem
a apenas 1,21% de todos os especialistas. Em número absoluto são
apenas 3.253 médicos com título em Medicina de Família e Comunidade,
enquanto, por exemplo, a Anestesiologia conta com mais de 18 mil
profissionais, a Radiologia com quase 8 mil, a Dermatologia com quase
6 mil e a Cirurgia Plástica com quase 5 mil.
a apenas 1,21% de todos os especialistas. Em número absoluto são
apenas 3.253 médicos com título em Medicina de Família e Comunidade,
enquanto, por exemplo, a Anestesiologia conta com mais de 18 mil
profissionais, a Radiologia com quase 8 mil, a Dermatologia com quase
6 mil e a Cirurgia Plástica com quase 5 mil.
4. Do total de médicos ativos no país, a região Sudeste tem 2,61
profissionais para cada 1 mil habitantes, enquanto o Norte do país
tem menos de um (0,98) para cada 1 mil habitantes. Essa situação
ainda é agravada pela concentração de profissionais nas capitais ou
polos de grande porte. Enquanto a cidade de São Paulo tem 4,33
médicos por 1 mil habitantes, o estado de São Paulo tem 2,58.
profissionais para cada 1 mil habitantes, enquanto o Norte do país
tem menos de um (0,98) para cada 1 mil habitantes. Essa situação
ainda é agravada pela concentração de profissionais nas capitais ou
polos de grande porte. Enquanto a cidade de São Paulo tem 4,33
médicos por 1 mil habitantes, o estado de São Paulo tem 2,58.
O levantamento conclui que o Brasil é um país marcado pela desigualdade
no que se refere ao acesso à assistência médica. O Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) divulgou outro estudo em julho de 2013
informando que medicina é a carreira que tem o melhor desempenho
trabalhista no Brasil, sendo que, das carreiras analisadas, é a que tem
mais escassez de mão de obra.
no que se refere ao acesso à assistência médica. O Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) divulgou outro estudo em julho de 2013
informando que medicina é a carreira que tem o melhor desempenho
trabalhista no Brasil, sendo que, das carreiras analisadas, é a que tem
mais escassez de mão de obra.
Assim, foi no intuito de reduzir essas desigualdades, que o Programa
Mais Médicos foi criado. Todos os médicos que vieram pelo programa,
formados em outros países, são especialistas em Atenção Primária à
Saúde, ou seja, têm formação na especialidade correspondente em seu
país em Medicina de Família e Comunidade. Esses médicos têm um
contrato de intercâmbio de três anos, recebem formação semanalmente
pela UNASUS e são supervisionados periodicamente.
Mais Médicos foi criado. Todos os médicos que vieram pelo programa,
formados em outros países, são especialistas em Atenção Primária à
Saúde, ou seja, têm formação na especialidade correspondente em seu
país em Medicina de Família e Comunidade. Esses médicos têm um
contrato de intercâmbio de três anos, recebem formação semanalmente
pela UNASUS e são supervisionados periodicamente.
Outros países
Segundo o artigo do New England Journal of Medicine, “a evidência
sugere que as equipes de saúde da família e a Estratégia de Saúde
da Família proporcionam um melhor acesso e com mais qualidade,
e resultam em maior satisfação do usuário do que os postos e centros
de saúde tradicionais ou até mesmo algumas unidades de cuidado de
saúde do setor privado”.
sugere que as equipes de saúde da família e a Estratégia de Saúde
da Família proporcionam um melhor acesso e com mais qualidade,
e resultam em maior satisfação do usuário do que os postos e centros
de saúde tradicionais ou até mesmo algumas unidades de cuidado de
saúde do setor privado”.
Enquanto em outros países os profissionais de saúde têm um
comprometimento ético e social com as demandas da população e a
saúde é realmente um direito e uma questão de seguridade social,
no Brasil, a saúde é tratada como mercadoria e a profissão médica é
tratada como um bom negócio. No Canadá, por exemplo, o governo
regula as vagas de residência (especialização) médica de acordo com
as necessidades da população e, portanto, quase metade dos médicos
são especialistas em Atenção Primária à Saúde.
comprometimento ético e social com as demandas da população e a
saúde é realmente um direito e uma questão de seguridade social,
no Brasil, a saúde é tratada como mercadoria e a profissão médica é
tratada como um bom negócio. No Canadá, por exemplo, o governo
regula as vagas de residência (especialização) médica de acordo com
as necessidades da população e, portanto, quase metade dos médicos
são especialistas em Atenção Primária à Saúde.
No projeto inicial do Programa Mais Médicos, constava uma proposta
de regulação das vagas de residência médica semelhante a do Canadá.
Porém, essa proposta foi vetada por pressão da categoria médica e
essa questão, que é de interesse social, continua reduzida às leis de mercado.
de regulação das vagas de residência médica semelhante a do Canadá.
Porém, essa proposta foi vetada por pressão da categoria médica e
essa questão, que é de interesse social, continua reduzida às leis de mercado.
É certo que especialidades como dermatologia, cirurgia plástica,
radiologia e anestesiologia são fundamentais e imprescindíveis à
composição do sistema de saúde, não sendo possível afirmar que uma
especialidade é mais importante que a outra. Mas é no mínimo curioso
que a maioria dos profissionais se interessem mais por essas áreas
de maior remuneração no setor privado, ao passo que há tão pouco
interesse na área de Medicina de Família e Comunidade.
radiologia e anestesiologia são fundamentais e imprescindíveis à
composição do sistema de saúde, não sendo possível afirmar que uma
especialidade é mais importante que a outra. Mas é no mínimo curioso
que a maioria dos profissionais se interessem mais por essas áreas
de maior remuneração no setor privado, ao passo que há tão pouco
interesse na área de Medicina de Família e Comunidade.
De qualquer modo, o Mais Médicos prevê a ampliação e a
universalização da residência médica, e uma formação médica
voltada às necessidades do povo brasileiro.
universalização da residência médica, e uma formação médica
voltada às necessidades do povo brasileiro.
SUS
Os princípios norteadores do SUS são a universalidade, a equidade
e a integralidade. Esses princípios garantem a toda população (inclusive
a estrangeiros que estejam de passagem pelo país) o acesso universal
e irrestrito ao sistema de saúde, bem como busca diminuir as
desigualdades e disparidades e garante atendimento integral aos
usuários (da promoção
e prevenção à resolução das questões de saúde).
e a integralidade. Esses princípios garantem a toda população (inclusive
a estrangeiros que estejam de passagem pelo país) o acesso universal
e irrestrito ao sistema de saúde, bem como busca diminuir as
desigualdades e disparidades e garante atendimento integral aos
usuários (da promoção
e prevenção à resolução das questões de saúde).
De fato, o SUS ainda tem muitas questões a melhorar, como o próprio
artigo da revista científica inglesa aponta, principalmente no que se
refere aos desafios financeiros e organizacionais. Embora a despesa total
em saúde no Brasil seja semelhante à média de cerca de 9% do produto
interno bruto (PIB) encontrada entre os países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), menos da metade
deste montante provém de fontes públicas – uma proporção que coloca
o Brasil muito abaixo da média da OCDE na participação do governo
dos gastos com saúde.
artigo da revista científica inglesa aponta, principalmente no que se
refere aos desafios financeiros e organizacionais. Embora a despesa total
em saúde no Brasil seja semelhante à média de cerca de 9% do produto
interno bruto (PIB) encontrada entre os países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), menos da metade
deste montante provém de fontes públicas – uma proporção que coloca
o Brasil muito abaixo da média da OCDE na participação do governo
dos gastos com saúde.
Ainda assim, o artigo aponta que o Brasil tem feito rápidos progressos rumo à cobertura universal da população. Os medicamentos mais comuns são
universalmente acessíveis e gratuitos em muitos locais de atendimento
para todas as cidadãs e todos os os cidadãos, mesmo aqueles 26% da
população inscritos em planos de saúde privados. Das lições que o
mundo pode aprender com a experiência brasileira, o artigo cita que os
cuidados
primários com base na comunidade podem funcionar se feitos corretamente.
universalmente acessíveis e gratuitos em muitos locais de atendimento
para todas as cidadãs e todos os os cidadãos, mesmo aqueles 26% da
população inscritos em planos de saúde privados. Das lições que o
mundo pode aprender com a experiência brasileira, o artigo cita que os
cuidados
primários com base na comunidade podem funcionar se feitos corretamente.
Ao final, o artigo faz um importante alerta: “o futuro da estratégia de
saúde da família do Brasil, sua expansão sustentada para os demais centros
urbanos e para o acesso da categoria média, e sua integração efetiva
na atenção secundária e terciária exigirá engajamento dos prestadores
de cuidados de saúde e continuidade dos investimentos públicos financeiros,
técnicos e intelectuais – todos os quais, em última instância, dependem de apoio político.”
saúde da família do Brasil, sua expansão sustentada para os demais centros
urbanos e para o acesso da categoria média, e sua integração efetiva
na atenção secundária e terciária exigirá engajamento dos prestadores
de cuidados de saúde e continuidade dos investimentos públicos financeiros,
técnicos e intelectuais – todos os quais, em última instância, dependem de apoio político.”
Para que esse apoio político se concretize dentro da categoria médica
é fundamental que a medicina deixe de ser uma profissão tão elitizada
e, para tal, é preciso, dentre outras ações, democratizar o acesso ao
ensino médico e retomar a proposta de universalização e regulação
das vagas de residência médica de acordo com as necessidades sociais
. Além disso, são imprescindíveis os trabalhos de organização e
mobilização dos usuários do SUS.
é fundamental que a medicina deixe de ser uma profissão tão elitizada
e, para tal, é preciso, dentre outras ações, democratizar o acesso ao
ensino médico e retomar a proposta de universalização e regulação
das vagas de residência médica de acordo com as necessidades sociais
. Além disso, são imprescindíveis os trabalhos de organização e
mobilização dos usuários do SUS.
*Bruna Silveira é médica de Família e Comunidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário