Jornalista alemão fica 45 dias sendo sincero e mostra como as mentiras ajudam (ou atrapalham) a vida em sociedade
Rio - Você conseguiria passar 45 dias sem contar nenhuma mentirinha, dizendo somente a verdade, nada além do que a verdade? Pois, entre trancos e barrancos, o jornalista Jürgen Schmieder, 31 anos, conseguiu. A experiência do alemão foi contada no livro ‘Sincero’.
O objetivo, segundo ele, era comprovar um estudo de 1997 da Universidade da Califórnia do Sul (EUA), que afirma que o ser humano mente, em média, 200 vezes ao dia. Se a mentira é fundamental, é preciso saber até que ponto ela vale a pena — ou se já virou um vício.
“A mentira se divide entre alguns tipos. Há a caridosa, que você conta porque a verdade poderia prejudicar alguém; a social, que você usa para evitar saias-justas; e a mentira distorcida, que é a manipulação”, descreve o psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise, Aloysio Augusto de Abreu.
“Essas são as que usamos normalmente no dia a dia, são as chamadas mentiras necessárias. Sem elas, é impossível viver em sociedade”, acredita o médico. Jürgen Schmieder que o diga. Ao se comprometer a ficar sem mentir, ele “desligou” os filtros do cérebro e passou a falar tudo que vinha à cabeça. Resultado: dormiu por sete noites seguidas no sofá após chamar a esposa de gorda, apanhou porque denunciou a “pulada de cerca” de um amigo e perdeu colegas de trabalho por criticá-los.
O EFEITO PINÓQUIO
Sabe aquela história que diz que, quando mentimos, o nariz cresce? De lenda não tem nada. Segundo estudo da Universidade de Illinois, EUA, certos tecidos do nariz se inflam mesmo quando mentimos. Esse inchaço, batizado de Efeito Pinóquio, chega a provocar coceira nasal.
O gesto é comum em casos de mentiras perigosas: aquelas usadas para obter um benefício, esconder um segredo que pode gerar uma catástrofe, ou prejudicar alguém. E pode acreditar: além de “crescimento” nasal e apelidos pejorativos na roda de amigos, quem mente em excesso pode sofrer de uma doença cujo principal sintoma é viver fora da realidade.
“A pessoa que mente o tempo todo é conhecida como mitômano. Ele cria histórias e as vive como se fossem verdade, acreditando na própria mentira. Esse mentiroso está em todo lugar: na família, no trabalho, na escola. É aquela pessoa que está sempre contando vantagem, é sempre boa em tudo”.
Aloysio explica que, nesse caso, a mentira é muitas vezes usada como autoafirmação, para esconder fraquezas ou inseguranças. E fica por isso mesmo: como o mitômano acredita no que inventa, não vê que está com problemas. Se tiver que pedir ajuda, quem faz isso são os amigos, ou a família. “O autoengano é constante na vida do mitômano”, diz Aloysio.
Mas não sejamos injustos. Afinal, quem nunca se enganou adiando para segunda-feira uma dieta que nunca começou, ou até mesmo interpretando como paquera o cisco no olho da garçonete? “O autoengano é o melhor amigo do amor não-correspondido. O apaixonado interpreta como sinal de correspondência qualquer atitude da pessoa amada. E sofre, viu?”, .
No cinema, menino pede pai sincero
‘O Mentiroso’, comédia de 1997 que rendeu a Jim Carrey uma indicação para o Globo de Ouro de melhor ator, trata exatamente da importância da mentira no cotidiano.
O personagem de Carrey, Fletcher Reede, é um advogado que depende da sua habilidade de mentir — ou omitir a verdade — para se dar bem no tribunal. O problema é que Fletcher exagera: mente até em situações onde deveria falar a verdade — inclusive para o filhinho, Max.
Cansado de ser enrolado pelo pai, Max faz um pedido ao soprar a vela de seu aniversário: que o pai não seja capaz de mentir durante um dia inteiro. O desejo é atendido e Fletcher se envolve em várias confusões, principalmente quando precisa defender no tribunal uma mulher traidora que precisa se passar por inocente para tirar os bens do ex-marido milionário. No final, fica a lição: mentir nem sempre é a solução e a verdade pode trazer grandes recompensas. No caso de Fletcher, o amor do filho.
REPÓRTER DE ‘O DIA’ REPETE A EXPERIÊNCIA
“Quando me propus a passar quatro dias sem mentir, confesso que senti um frio na barriga. Meu maior medo era imaginar que colegas poderiam se aproveitar da minha vulnerabilidade para me fazer perguntas que, normalmente, eu não responderia nem por um decreto. Mesmo assim, entrei de cabeça e decidi: serei supersincera.
Qual não foi minha surpresa ao ver que a atitude das pessoas ao meu redor foi exatamente o oposto do que imaginei? Nos corredores da redação, o que eu mais ouvia era: ‘Vou sair de perto da Clarissa, que essa semana ela não mente’.
E olha que me esforcei: passeei pelos quatro cantos do andar em busca de um corajoso que fosse capaz de me colocar contra a parede. Mas a pergunta mais ousada veio de uma editora — ou seja, uma das chefes da redação. Ao saber do meu experimento, ela não pensou duas vezes. A pergunta me chegou como uma flecha: “Estou acima do peso?”. Em termos de velocidade, minha resposta não deixou a desejar: “Sim”.
Ela não se fez de rogada: “Você quer dizer que preciso de uma dieta?”. Achei melhor me manter no “sim”, sem me alongar (respostas monossilábicas são sempre uma saída interessante em casos de saia-justa). Fora do ambiente de trabalho, nada que não pudesse ser contornado. Opinei sobre um assunto relacionado à vida pessoal de uma amiga que ficou chateada momentaneamente, mas pareceu esquecer rápido. No fim das contas, entre mortos e feridos, todos sobreviveram.
Valeu a pena. Aprendi que é possível reduzir a quantidade de mentiras que contamos ao longo do dia. Claro que mentiras sinceras — aquelas que a gente conta para não magoar uma pessoa querida ou sair de uma saia-justa — ainda me interessam. Mas, quer saber? Verdades sinceras, ditas com carinho, me interessam muito mais.”
Clarissa Mello, repórter e cobaia, 26 anos
O Dia
O objetivo, segundo ele, era comprovar um estudo de 1997 da Universidade da Califórnia do Sul (EUA), que afirma que o ser humano mente, em média, 200 vezes ao dia. Se a mentira é fundamental, é preciso saber até que ponto ela vale a pena — ou se já virou um vício.
“A mentira se divide entre alguns tipos. Há a caridosa, que você conta porque a verdade poderia prejudicar alguém; a social, que você usa para evitar saias-justas; e a mentira distorcida, que é a manipulação”, descreve o psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise, Aloysio Augusto de Abreu.
“Essas são as que usamos normalmente no dia a dia, são as chamadas mentiras necessárias. Sem elas, é impossível viver em sociedade”, acredita o médico. Jürgen Schmieder que o diga. Ao se comprometer a ficar sem mentir, ele “desligou” os filtros do cérebro e passou a falar tudo que vinha à cabeça. Resultado: dormiu por sete noites seguidas no sofá após chamar a esposa de gorda, apanhou porque denunciou a “pulada de cerca” de um amigo e perdeu colegas de trabalho por criticá-los.
O EFEITO PINÓQUIO
Sabe aquela história que diz que, quando mentimos, o nariz cresce? De lenda não tem nada. Segundo estudo da Universidade de Illinois, EUA, certos tecidos do nariz se inflam mesmo quando mentimos. Esse inchaço, batizado de Efeito Pinóquio, chega a provocar coceira nasal.
O gesto é comum em casos de mentiras perigosas: aquelas usadas para obter um benefício, esconder um segredo que pode gerar uma catástrofe, ou prejudicar alguém. E pode acreditar: além de “crescimento” nasal e apelidos pejorativos na roda de amigos, quem mente em excesso pode sofrer de uma doença cujo principal sintoma é viver fora da realidade.
“A pessoa que mente o tempo todo é conhecida como mitômano. Ele cria histórias e as vive como se fossem verdade, acreditando na própria mentira. Esse mentiroso está em todo lugar: na família, no trabalho, na escola. É aquela pessoa que está sempre contando vantagem, é sempre boa em tudo”.
Aloysio explica que, nesse caso, a mentira é muitas vezes usada como autoafirmação, para esconder fraquezas ou inseguranças. E fica por isso mesmo: como o mitômano acredita no que inventa, não vê que está com problemas. Se tiver que pedir ajuda, quem faz isso são os amigos, ou a família. “O autoengano é constante na vida do mitômano”, diz Aloysio.
Mas não sejamos injustos. Afinal, quem nunca se enganou adiando para segunda-feira uma dieta que nunca começou, ou até mesmo interpretando como paquera o cisco no olho da garçonete? “O autoengano é o melhor amigo do amor não-correspondido. O apaixonado interpreta como sinal de correspondência qualquer atitude da pessoa amada. E sofre, viu?”, .
No cinema, menino pede pai sincero
‘O Mentiroso’, comédia de 1997 que rendeu a Jim Carrey uma indicação para o Globo de Ouro de melhor ator, trata exatamente da importância da mentira no cotidiano.
O personagem de Carrey, Fletcher Reede, é um advogado que depende da sua habilidade de mentir — ou omitir a verdade — para se dar bem no tribunal. O problema é que Fletcher exagera: mente até em situações onde deveria falar a verdade — inclusive para o filhinho, Max.
Cansado de ser enrolado pelo pai, Max faz um pedido ao soprar a vela de seu aniversário: que o pai não seja capaz de mentir durante um dia inteiro. O desejo é atendido e Fletcher se envolve em várias confusões, principalmente quando precisa defender no tribunal uma mulher traidora que precisa se passar por inocente para tirar os bens do ex-marido milionário. No final, fica a lição: mentir nem sempre é a solução e a verdade pode trazer grandes recompensas. No caso de Fletcher, o amor do filho.
REPÓRTER DE ‘O DIA’ REPETE A EXPERIÊNCIA
“Quando me propus a passar quatro dias sem mentir, confesso que senti um frio na barriga. Meu maior medo era imaginar que colegas poderiam se aproveitar da minha vulnerabilidade para me fazer perguntas que, normalmente, eu não responderia nem por um decreto. Mesmo assim, entrei de cabeça e decidi: serei supersincera.
Qual não foi minha surpresa ao ver que a atitude das pessoas ao meu redor foi exatamente o oposto do que imaginei? Nos corredores da redação, o que eu mais ouvia era: ‘Vou sair de perto da Clarissa, que essa semana ela não mente’.
E olha que me esforcei: passeei pelos quatro cantos do andar em busca de um corajoso que fosse capaz de me colocar contra a parede. Mas a pergunta mais ousada veio de uma editora — ou seja, uma das chefes da redação. Ao saber do meu experimento, ela não pensou duas vezes. A pergunta me chegou como uma flecha: “Estou acima do peso?”. Em termos de velocidade, minha resposta não deixou a desejar: “Sim”.
Ela não se fez de rogada: “Você quer dizer que preciso de uma dieta?”. Achei melhor me manter no “sim”, sem me alongar (respostas monossilábicas são sempre uma saída interessante em casos de saia-justa). Fora do ambiente de trabalho, nada que não pudesse ser contornado. Opinei sobre um assunto relacionado à vida pessoal de uma amiga que ficou chateada momentaneamente, mas pareceu esquecer rápido. No fim das contas, entre mortos e feridos, todos sobreviveram.
Valeu a pena. Aprendi que é possível reduzir a quantidade de mentiras que contamos ao longo do dia. Claro que mentiras sinceras — aquelas que a gente conta para não magoar uma pessoa querida ou sair de uma saia-justa — ainda me interessam. Mas, quer saber? Verdades sinceras, ditas com carinho, me interessam muito mais.”
Clarissa Mello, repórter e cobaia, 26 anos
O Dia
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