RESTABELECIMENTO DEMOCRÁTICO
Documento, segundo ex-ministros, já está sendo elaborado e pode ser
divulgado dentro de pouco tempo pela presidenta. Reunião de terça-feira
(21) decidirá pacto para plebiscito sobre novas eleições
por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 18/06/2016 17:37, última modificação 18/06/2016 17:38
ROBERTO STUCKERT FILHO/PR
Brasília – Enquanto senadores contrários ao impeachment, movimentos
sociais e entidades da sociedade civil discutem neste final de semana
propostas para a reunião com a presidenta Dilma Rousseff de terça-feira
(21), integrantes do PT e aliados mais próximos da presidenta afastada
já falam nos termos da nova versão da “Carta aos Brasileiros”. A reunião
vai discutir um acordo que garanta a convocação, por ela, em caso de
retornar ao governo, de plebiscito sobre novas eleições. E esse
documento, a “Carta”, que pode ser divulgado em breve, será uma espécie
de compromisso a ser firmado por Dilma. Traçará a sua proposta para a
formação de um novo pacto social no país.
De acordo com assessores e ex-ministros próximos da presidenta, a
chamada “Carta” trará propostas concretas voltadas para ações nas áreas
de Educação, Saúde e continuação plena de programas como o Minha Casa,
Minha Vida. Além de mudanças na área econômica que levem em conta o que
deseja a sociedade, como de regras na Previdência devidamente discutidas
com os trabalhadores, e a reforma política.
A presidenta, no entanto, já deixou claro que para que a carta seja
divulgada e seja feito tal acordo – conforme vem sendo costurado
(principalmente no Senado, pelos integrantes da comissão do impeachment
ligados ao PT e ao seu governo) – são necessárias duas premissas. A
primeira, o restabelecimento democrático do país, ou seja: o seu retorno
ao cargo.
Dilma insiste, nas reuniões e conversas com os políticos que têm
recebido no Palácio da Alvorada, que não considera o governo provisório
de Michel Temer um governo legítimo e, por isso, não pode falar em apoio
a plebiscito num país que teve a sua democracia ferida.
A outra premissa é o discurso que ela tem pregado em todas as suas
viagens, país afora, nas últimas semanas: que não conseguirá fazer pacto
com a retirada de direitos sociais e direitos dos trabalhadores já
conquistados e garantidos.
A ideia, neste caso, é lembrar que embora viesse falando em reforma da
Previdência no início deste ano, o que vinha sendo desenhado pelo seu
governo, segundo um assessor que foi diretor no ministério da
Previdência, era de uma reforma ampla, cujo impacto viesse a ser
observado não sobre os trabalhadores que ainda estão na ativa e vão se
aposentar nos próximos 10 ou 15 anos. Mas regras de transição que
permitissem as mudanças para quem está entrando agora no mercado de
trabalho e, portanto, só pensará em se aposentar por volta de 2038 ou
2040.
“Uma coisa é certa, a “Carta aos Brasileiros” tem como um dos intuitos
alinhar o governo da presidenta mais para a esquerda, fazendo com que o
restante de gestão seja marcado por maior participação dos movimentos
sociais nas políticas públicas e maior integração”, disse ontem (17) um
deputado do PT, ao comentar sobre o documento.
Ninguém confirma se a carta será lançada antes ou depois da votação do
processo do impeachment pelo Senado, embora existam indicativos de que,
dependendo do teor da reunião de terça-feira, ela seja divulgada ainda
esta semana.
Para alguns integrantes do PT, seria uma forma de mandar um recado aos
movimentos sociais e o mercado sobre o comprometimento da presidenta com
alguns itens que teriam “saído do rumo” nos últimos anos do seu
primeiro governo e no primeiro ano do segundo, conforme disse um
ex-ministro. “Principalmente na área econômica”, observou o mesmo
ex-ministro.
Por outro lado, seria uma maneira de destacar para a sociedade civil a
intenção da presidenta de trabalhar mais próxima dos anseios destas
entidades. Para um assessor da presidenta que continua com cargo no
Executivo trabalhando à sua disposição, um dos itens a serem enfatizados
neste documento será a comparação da situação de Dilma no caso das
mencionadas pedaladas fiscais – que se transformaram na base para o
pedido de impeachment – com as mudanças feitas pelo governo provisório
de Michel Temer junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES).
A medida foi anunciada pelo atual ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, como uma das alternativas para conter os gastos públicos.
Consiste na devolução, pelo BNDES, de pelo menos R$ 100 bilhões em
recursos repassados pelo Tesouro Nacional nos últimos anos. Tem sido
considerada como “absurda” pelos mais críticos e chegou a ser mencionada
como “uma pedalada do Temer” nos últimos dias.
Retomada de programas
"Dilma deverá mostrar os estragos da condução da economia nesse governo,
os cortes feitos nas áreas sociais e prometer a continuidade da
priorização dos programas que estavam em curso quando ela estava no
cargo", observou esse assessor.
Outro item mencionado por aliados da presidenta é uma abordagem que
poderá ser feita, na carta, de ameaças às estatais e ao pré-sal para o
capital estrangeiro pelo governo provisório, com sugestões e propostas
de retomada de antigas metas que vinham sendo adotadas anteriormente, no
sentido de evitar a privatização destes órgãos.
Apesar do suspense que vem sendo feito, principalmente pelos
parlamentares, em torno do tema, a presidenta deu sinais do tom desta
carta na última sexta-feira, durante sua passagem por Recife (PE),
quando afirmou que não pretende negociar pacto sem retomar o mandato.
Em sua fala, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde foi
homenageada por alunos e professores, Dilma disse que “não há pacto
possível com um governo ilegítimo”. Mas, ao mesmo tempo, ressaltou que
está dialogando com os setores.
Diante de uma grande questão que é garantir a governabilidade caso
retorne ao Planalto, Dilma tem afirmado que não considera essa uma
questão relativa ao seu mandato nem à sua volta, já que a
governabilidade passa pelo referido pacto “para que sejam reconstruídos
os processos democráticos no país como um todo”. “Há, cada vez mais, a
consciência de que o pacto que governou o Brasil desde 1988, a partir da
Constituição cidadã, foi rompido e dilacerado. Então, vamos ter que
necessariamente reconstruir os processos democráticos no país”, afirmou.
Outro tema que pode vir a ser mencionado pela presidenta é a sua
responsabilidade em fazer com que possam continuar atuando de forma
republicana as instituições federais, e que investigações como a Lava
Jato, tenham continuidade.
Em Recife, ela reiterou o que já vinha afirmando: que o projeto político
do governo interino tem como um dos objetivos conter as investigações
da Lava Jato. E lembrou os últimos acontecimentos – referentes à delação
premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e à queda do
ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves – como exemplos.
O encontro que está programado para acontecer terça-feira no Palácio do
Alvorada terá o mesmo formato do que foi realizado esta semana, que
contou com representantes do chamado “grupo dos 22”, formado pelos
senadores que votaram contra o seu impeachment, em maio passado. Além de
representantes do PT, PCdoB, PDT, Central de Movimentos Populares
(CMP), as centrais sindicais CUT e CTB, MST (sem-terra), MTST (sem-teto)
e UNE (estudantes). Terá, ainda, a presença de pelo menos três
ministros afastados: Ricardo Berzoini, Aloísio Mercadante e Jaques
Wagner.
Efeito das delações premiadas
A divisão existente hoje, segundo parlamentares, está relacionada ao
plebiscito. Um grupo acha que se tiver de voltar, a presidenta deve
aguardar o efeito das delações premiadas homologadas nos últimos dias e
as próximas que serão divulgadas até a votação final do impeachment.
Consideram que, por si só, serão suficientes para provocar um efeito
bombástico no governo de Temer e garantir a derrubada do processo de
impeachment.
Essa ala de aliados da presidenta afastada acha, também, que se Dilma
tiver de voltar, é melhor permanecer no cargo até 2018 para garantir
condições para uma nova posição do PT nas próximas eleições
presidenciais e sair mostrando que conseguiu adiantar os programas que
vinham sendo executados desde 2010. Alguns, desde 2002, no governo do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por outro lado, senadores que apoiam o retorno da presidenta negociam
com os pares que votaram pelo seu afastamento uma mudança de posição,
com a condição de que, voltando, Dilma envie a proposta de plebiscito
sobre novas eleições ao Congresso.
O outro grupo defende que o Brasil clama por realização de eleições
presidenciais, diante dos escândalos envolvendo os mais diversos
partidos. E entende que voltar ao governo acenando para a participação
popular na escolha do que fazer será um bom sintoma de que a presidenta
está disposta a retomar a normalidade democrática do país, como ela
mesma tem propagado.
A primeira versão da “Carta ao Povo Brasileiro” foi lançada em 2002,
durante a campanha do ex-presidente Lula. O documento especificou seus
compromissos com o governo a serem assumidos se ganhasse a eleição e
serviu, na época para ajudar a acalmar os temores do mercado financeiro –
que vinha recebendo enxurradas de informações sobre “possíveis perigos”
a serem observados caso o petista assumisse o poder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário