Brasil247
Não é possível entender o que está acontecendo no Brasil a partir de uma discussão ideológica: se houve ou não houve golpe.
Essa gente capitaneada por Temer e Cunha que chegou ao poder não tem ideologia nenhuma a não ser a do dinheiro.
A ideologia que conhecem é fazer fortuna com o dinheiro do estado
brasileiro. Sempre foi assim. Vejam o exemplo do decano José Sarney.
Aos 86 anos, 60 dos quais dedicados à política está muitas vezes
milionário, sem até agora fornecer qualquer explicação de como isso
ocorreu. Sabe-se, no entanto, que o então presidente da Petrobrás no
governo FHC, Joel Rennó, era assíduo frequentador de sua mansão e sua
família comanda uma das grandes redes de postos de gasolina do país –
além de retransmissoras da TV Globo e de outros negócios herdados por
seus filhos.
Outro campeão do mesmo esporte, Orestes Quércia, morreu deixando uma
herança de bilhões de reais tendo sido a vida inteira político
profissional. Seu sucessor na presidência do PMDB é Temer. Dá para
imaginar que ele tenha chegado a esse posto sem rezar na mesma bíblia do
antecessor?
Nem Sarney, nem Quércia, nem todos os demais – não esqueçamos de Paulo
Maluf, ACM, a lista é imensa – jamais foram incomodados para valer pela
Justiça. (Ainda hoje, também já octagenário, Maluf continua dizendo que
jamais teve conta na Suíça, embora não viaje mais ao exterior como
sempre fez, por suspeitar que a Interpol se oponha e faça com ele o
mesmo que foi feito com José Maria Marin, por coincidência seu sucessor,
por dez meses, no governo paulista ainda no tempo da ditadura militar.)
Contra os que deram mais bandeira foram abertos inquéritos que rolam no
STF há muitos anos, sem chegarem aos finalmente. O senador Valdir Raupp,
por exemplo, que já foi vice de Temer no PMDB, citado na Lava Jato,
responde a um desvio de 167 milhões de dólares do Banco Mundial desde
quando era governador de Rondônia (de 1995 a 1999).
O STF sempre foi e continua sendo um refúgio seguro, à prova de intempéries.
De repente, a Lava Jato nasceu. No governo Dilma. E a Lava Jato inovou
ao enjaular grandes empresários que tinham negócios com a Petrobrás e ao
lhes oferecer uma forma de sair da cadeia: a delação.
E ela não fez nada para barrá-la, por um motivo singelo: tinha certeza
de que ela não estava no rolo. Se outros estavam – inclusive petistas –
não importava para ela.
A turma do PMDB e seus aliados de partidos satélites enxergaram aí um
perigo real. A Lava Jato, como diz o nome, era mais rápida e mais
atuante que o STF. E eles não tinham nenhuma relação com os jovens
procuradores.
Pela primeira vez em dezenas de anos as suas operações secretas e muito
bem camufladas poderiam vir à tona, denunciadas por empresários que não
tinham o STF para abrigá-los, com o que eles poderiam perder tudo, ou
boa parte do que amealharam, e assim comprometer o seu presente e o
futuro dos seus filhos e netos.
Alguma coisa precisava ser feita.
De onde surgiu a iniciativa de pôr fim a essa ameaça? Da fértil
imaginação de Eduardo Cunha, por coincidência aquele que mais tinha a
perder com a Lava Jato, como até os suíços demonstraram - com precisão
suíça.
Por que governos anteriores não foram incomodados pela maioria que vive
assaltando os cofres públicos apesar de Fernando Henrique e Lula terem
cometido as mesmas "pedaladas" que ela? Porque não havia Lava Jato. Não
era necessário inventar pretextos. Sob FHC e sob Lula essa maioria podia
agir livremente como sempre agiu. À luz do dia.
Mas quando a Lava Jato chegou com tudo e Dilma não fez o menor esforço
para freá-la, muito ao contrário, a estimulou, um plano foi colocado em
ação, com duas etapas: primeiro derrubar Dilma, depois derrubar a Lava
Jato. Por questão de sobrevivência, não de ideologia, embora, para
confundir a opinião pública, que é, na maioria, conservadora, foi criada
a narrativa de que era urgente exterminar a petista por ser uma
perigosa agente comunista que desejava transformar o Brasil numa nova
Venezuela.
A tese do "perigo externo" foi decisiva para convencer a classe média a
ocupar a Avenida Paulista para derrotar os "vermelhos" a fim de
pressionar a maioria parlamentar.
Inventou-se esse pretexto mequetrefe – pedaladas fiscais – que só deu
certo porque qualquer coisa servia para afastar o "perigo vermelho" do
Planalto e era do interesse da maioria parlamentar tirar Dilma a
fórceps, o quanto antes. Antes que a Lava Jato chegasse neles.
Temer chegou ao poder afrontando os que achavam que ele queria derrubar a
corrupção. Formou um ministério de suspeitos e quase réus e fechou o
órgão – Controladoria Geral da União - que os fiscalizava. A frase que o
marcou foi "eu sei tratar com bandidos", talvez se referindo ao período
em que, à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo teve
que se ver frente a frente com o rei do jogo do bicho, Ivo Noal e com
notórios contrabandistas, dando a entender que isso o qualificava para
ser presidente da República.
Agora que Dilma está fora, o grupo majoritário trabalha sofregamente,
noite e dia, para acabar definitivamente com ela e com a Lava Jato. Ou
seja, age decididamente no intuito de obstruir a Justiça. Mas o STF não
vê.
Não optou pelo caminho mais óbvio e também mais visível – trocar o chefe
da Polícia Federal, por exemplo – para a obstrução não ficar na cara e
assim seus líderes se arriscarem a serem presos, pois obstruir a Justiça
dá cadeia na certa. (Roubar os cofres públicos, não.)
A estratégia, mais sutil, mais subterrânea – e ao mesmo tempo "legal" -
foi explicitada claramente nos grampos do delator Sérgio Machado, nos
quais os caciques do PMDB discutem, preocupados, de que forma podem
manipular a maioria parlamentar para aprovar legislação que enfraqueça
os efeitos da Lava Jato.
Em reação a esse ataque em curso, os procuradores da Lava Jato, unidos
ao Procurador Geral da República travam uma batalha de vida ou morte com
o governo Temer.
Não só derrubam seus ministros, na maioria com imensos telhados de vidro
(ou de petróleo), como também aproximam a guilhotina do seu pescoço.
Além de contar com a maioria obtida por Cunha na Câmara e por Renan no
Senado, sabe-se lá por meio de quais métodos obscuros, Temer também
utiliza seus ministros nessa cruzada.
Há alguns dias seu principal colaborador, Eliseu Padilha (conhecido por
Eliseu Quadrilha, talvez por ser adepto de festas juninas) afirmou
claramente para empresários do Lide, instituição comandada por um dos
brasileiros envolvidos no escândalo "Panamá Papers", João 'Dólar Jr'.
que está na hora de acabar com a Lava Jato.
Uma coisa é certa. Temer vai tentar convencer a opinião pública de que o
mal maior – o governo petista – foi afastado e que agora o país tem que
sair da recessão e que a Lava Jato atrapalha a retomada do crescimento.
E vai usar todos os meios legais e ilegais para alcançar seu objetivo.
(Como orador, já se viu, não convence nem seu filho de sete anos.)
Na verdade, a Lava Jato atrapalha os seus movimentos e os de seu grupo na preservação e crescimento de suas fortunas.
Os procuradores da Lava Jato começam a perceber que a operação só vai sobreviver se Dilma voltar.
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