Saiu na coluna da Ombudsman na Folha de hoje (5/5/13):
“Idade da inocência
Pesquisa feita pelo Datafolha em 15 de abril revelou que 93% dos paulistanos concordam com a diminuição da maioridade penal (6% são contra e 1% não soube responder).
Quando foi publicada, a pesquisa foi alvo de críticas por ter sido feita no calor do assassinato do jovem Victor, mas os resultados anteriores mostram que o apoio à redução da maioridade penal não é circunstancial (em 2003, 83% eram a favor; em 2006, 88%).
A posição da Folha, expressa nos editoriais, não coincide totalmente nem com o que pensa a quase totalidade dos paulistanos nem com o que defende boa parte dos seus colunistas. O jornal é contra reduzir a maioridade penal para 16 anos, mas é a favor de elevar o tempo máximo de internação de jovens que cometeram crimes contra a vida -hoje, é de, no máximo, três anos”.
Alguns defendem a manutenção da maioridade penal como está, mas com uma internação maior para o adolescente infrator. Outros, a redução da maioridade penal. Na prática, contudo, nenhuma das duas soluções alcançaria por si só os objetivos de seus respectivos proponentes.
Para entender o problema:
Se olharmos nossas leis penais, veremos que elas nunca dão um valor certo de pena. Elas estabelecem um mínimo e um máximo. No caso do homicídio, por exemplo, varia entre 6 e 20 anos.
Digamos que a maioridade penal seja reduzida. E digamos que o menor cometa um homicídio e que o magistrado aplique uma pena base de 13 anos.
O Código Penal diz, também, que depois de estabelecida a base, o magistrado deve diminuí-la se houver atenuantes. E uma das atenuantes previstas na lei é a pessoa ter cometido o delito quando tinha menos de 21 anos. Como o adolescente estará necessariamente nessa categoria, a pena será diminuída. Digamos em três anos, o que também é comum. Ou seja, o menor receberá uma pena de 10 anos.
Dez anos de reclusão é menor do que três de internação, certo?
Em direito, não necessariamente. Isso porque há a progressão de regime. E, para ter direito a ela, a pessoa precisa ter cumprido um sexto da pena restante (ou dois quintos se for crime hediondo).
Um sexto de 10 anos são 20 meses. Ou seja, ele ficaria em regime fechado durante um ano e oito meses antes de ter direito ao regime semiaberto, no qual seria transferido para uma colônia agrícola ou industrial. Mas – especialmente em SP e RJ – faltam vagas em tais colônias. Como o preso não pode ser prejudicado pela incompetência do Estado em prover vagas, ele passa a ter direito ao regime mais benéfico depois do regime semiaberto: o regime aberto, no qual passa o dia fora e volta para dormir na casa de albergados.
Só que, novamente, não há casas de albergados na maior parte das comarcas brasileiras. Solução? Conceder a liberdade condicional, na qual ele sequer volta para dormir.
Enfim, ele estará em liberdade depois de passar pouco mais da metade do tempo que ficaria na Fundação Casa. O cenário só mudaria para penas acima de 18 anos (cujo um sexto são três anos). No caso do homicídio, ele teria de receber a pena máxima ou muito próxima da pena máxima possível (20 anos), porque o magistrado teria ainda que levar em conta a atenuante de ter cometido o crime com menos de 21 anos.
E não podemos nos esquecer que a maior parte dos menores infratores não comete homicídios, ou seja, estaria sujeita a penas máximas muito menores que 18 anos.
Então quem é a favor da redução da maioridade penal como mecanismo de manter o menor preso está errado em apoiar a redução da maioridade penal?
Não necessariamente.
Temos que levar mais duas coisas em conta:
Na prática, como falta de espaço apropriado para internação entre os 18 e 21, ao completar 18 anos o menor sai dos centros de internação.
Logo, ele só passa efetivamente 3 anos internado se foi internado aos 15 anos. Se tiver cometido o delito depois disso, dificilmente ficará internado por mais de três anos. Ou seja, ‘a melhor idade’ para cometer um delito é entre 15 e 18 anos porque não se pode ser condenado como um adulto, mas também não se pode mantê-lo internado junto com os menores depois de ter deixado de ser menor. Na prática, ele acaba solto.
Simplesmente aumentar o tempo de internação de 3 para 6 anos - sem construir locais adequados para ele ficar internado entre os 18 e 21 anos - significaria que o menor, para ficar internado por 6 anos, precisaria cometer o ato infracional aos 12 anos.
Para manter o menor de 16 anos internado por 6 anos, teríamos que resolver o gargalo logísticos para mantê-los internados depois dos 18 anos, em locais diferentes dos menores de idade com quem coabitavam até completarem os 18 anos, e diferentes dos adultos (já que estão internados e não condenados). E isso tem custos financeiros enormes (vide a falta de colônias e casas de albergados mencionadas acima).
Por fim, não podemos nos esquecer que a maior parte dos atos infracionais cometidos por menores que acabam na mídia não são homicídios simples. São homicídios qualificados, cujas penas variam entre 12 e 30 anos e nos quais os magistrados tendem a começar com uma pena base por volta de 21 anos. Ou seja, depois de subtraído alguns anos pela atenuante, os dois quintos necessários para a progressão de regime (porque agora é crime hediondo) serão maiores que os 3 anos de internação nos centros de reeducação.
Mas homicídio qualificado (12 a 30 anos) e latrocínio (20 a 30 anos) seriam os únicos dois crimes que seguramente teriam um tempo de pena maior do que de internação. Os demais, dependeriam da pena aplicada pelo magistrado e da existência de vagas em colônias, casas de albergados ou centros de internação.
Embora seja confortável restringir o debate à modificação - ou continuação - da lei atual, o debate é inútil sem abordarmos outros problemas conexos, como os dos locais de cumprimento da pena ou de internação, a progressão de regime, as atenuantes, a reincidência e o tamanho das penas possíveis.PS: Alguns leitores lembraram que o problema de vagas também existe em penitenciárias (regime fechado).
“Idade da inocência
Pesquisa feita pelo Datafolha em 15 de abril revelou que 93% dos paulistanos concordam com a diminuição da maioridade penal (6% são contra e 1% não soube responder).
Quando foi publicada, a pesquisa foi alvo de críticas por ter sido feita no calor do assassinato do jovem Victor, mas os resultados anteriores mostram que o apoio à redução da maioridade penal não é circunstancial (em 2003, 83% eram a favor; em 2006, 88%).
A posição da Folha, expressa nos editoriais, não coincide totalmente nem com o que pensa a quase totalidade dos paulistanos nem com o que defende boa parte dos seus colunistas. O jornal é contra reduzir a maioridade penal para 16 anos, mas é a favor de elevar o tempo máximo de internação de jovens que cometeram crimes contra a vida -hoje, é de, no máximo, três anos”.
Alguns defendem a manutenção da maioridade penal como está, mas com uma internação maior para o adolescente infrator. Outros, a redução da maioridade penal. Na prática, contudo, nenhuma das duas soluções alcançaria por si só os objetivos de seus respectivos proponentes.
Para entender o problema:
Se olharmos nossas leis penais, veremos que elas nunca dão um valor certo de pena. Elas estabelecem um mínimo e um máximo. No caso do homicídio, por exemplo, varia entre 6 e 20 anos.
Digamos que a maioridade penal seja reduzida. E digamos que o menor cometa um homicídio e que o magistrado aplique uma pena base de 13 anos.
O Código Penal diz, também, que depois de estabelecida a base, o magistrado deve diminuí-la se houver atenuantes. E uma das atenuantes previstas na lei é a pessoa ter cometido o delito quando tinha menos de 21 anos. Como o adolescente estará necessariamente nessa categoria, a pena será diminuída. Digamos em três anos, o que também é comum. Ou seja, o menor receberá uma pena de 10 anos.
Dez anos de reclusão é menor do que três de internação, certo?
Em direito, não necessariamente. Isso porque há a progressão de regime. E, para ter direito a ela, a pessoa precisa ter cumprido um sexto da pena restante (ou dois quintos se for crime hediondo).
Um sexto de 10 anos são 20 meses. Ou seja, ele ficaria em regime fechado durante um ano e oito meses antes de ter direito ao regime semiaberto, no qual seria transferido para uma colônia agrícola ou industrial. Mas – especialmente em SP e RJ – faltam vagas em tais colônias. Como o preso não pode ser prejudicado pela incompetência do Estado em prover vagas, ele passa a ter direito ao regime mais benéfico depois do regime semiaberto: o regime aberto, no qual passa o dia fora e volta para dormir na casa de albergados.
Só que, novamente, não há casas de albergados na maior parte das comarcas brasileiras. Solução? Conceder a liberdade condicional, na qual ele sequer volta para dormir.
Enfim, ele estará em liberdade depois de passar pouco mais da metade do tempo que ficaria na Fundação Casa. O cenário só mudaria para penas acima de 18 anos (cujo um sexto são três anos). No caso do homicídio, ele teria de receber a pena máxima ou muito próxima da pena máxima possível (20 anos), porque o magistrado teria ainda que levar em conta a atenuante de ter cometido o crime com menos de 21 anos.
E não podemos nos esquecer que a maior parte dos menores infratores não comete homicídios, ou seja, estaria sujeita a penas máximas muito menores que 18 anos.
Então quem é a favor da redução da maioridade penal como mecanismo de manter o menor preso está errado em apoiar a redução da maioridade penal?
Não necessariamente.
Temos que levar mais duas coisas em conta:
Na prática, como falta de espaço apropriado para internação entre os 18 e 21, ao completar 18 anos o menor sai dos centros de internação.
Logo, ele só passa efetivamente 3 anos internado se foi internado aos 15 anos. Se tiver cometido o delito depois disso, dificilmente ficará internado por mais de três anos. Ou seja, ‘a melhor idade’ para cometer um delito é entre 15 e 18 anos porque não se pode ser condenado como um adulto, mas também não se pode mantê-lo internado junto com os menores depois de ter deixado de ser menor. Na prática, ele acaba solto.
Simplesmente aumentar o tempo de internação de 3 para 6 anos - sem construir locais adequados para ele ficar internado entre os 18 e 21 anos - significaria que o menor, para ficar internado por 6 anos, precisaria cometer o ato infracional aos 12 anos.
Para manter o menor de 16 anos internado por 6 anos, teríamos que resolver o gargalo logísticos para mantê-los internados depois dos 18 anos, em locais diferentes dos menores de idade com quem coabitavam até completarem os 18 anos, e diferentes dos adultos (já que estão internados e não condenados). E isso tem custos financeiros enormes (vide a falta de colônias e casas de albergados mencionadas acima).
Por fim, não podemos nos esquecer que a maior parte dos atos infracionais cometidos por menores que acabam na mídia não são homicídios simples. São homicídios qualificados, cujas penas variam entre 12 e 30 anos e nos quais os magistrados tendem a começar com uma pena base por volta de 21 anos. Ou seja, depois de subtraído alguns anos pela atenuante, os dois quintos necessários para a progressão de regime (porque agora é crime hediondo) serão maiores que os 3 anos de internação nos centros de reeducação.
Mas homicídio qualificado (12 a 30 anos) e latrocínio (20 a 30 anos) seriam os únicos dois crimes que seguramente teriam um tempo de pena maior do que de internação. Os demais, dependeriam da pena aplicada pelo magistrado e da existência de vagas em colônias, casas de albergados ou centros de internação.
Embora seja confortável restringir o debate à modificação - ou continuação - da lei atual, o debate é inútil sem abordarmos outros problemas conexos, como os dos locais de cumprimento da pena ou de internação, a progressão de regime, as atenuantes, a reincidência e o tamanho das penas possíveis.PS: Alguns leitores lembraram que o problema de vagas também existe em penitenciárias (regime fechado).
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