Como é a adaptação ao Brasil de crianças que, junto com seus pais, fogem de guerras e de perseguições políticas e religiosas em sua terra natal. Nos últimos três anos, triplicou o número de asilados no País
Michel AlecrimAos 5 anos, Riqueza Valuse já fala três línguas: lingala, francês e português. As duas primeiras, aprendeu na conturbada República Democrática do Congo, onde nasceu. A terceira, ele começou a falar há um ano, desde que sua família veio para o Brasil fugindo da guerra civil do país centro-africano. O menino é um dos 2.008 refugiados que desembarcaram aqui no ano passado, um número três vezes superior ao de 2010. Crianças são 8% do total. De modo geral, os motivos que levam à busca de uma nova cidadania são conflitos religiosos ou políticos, mas começam a aparecer nas estatísticas também os refugiados ambientais, pessoas que se deslocam atrás de água e condições climáticas mais favoráveis. O Brasil, com democracia estável, boas perspectivas econômicas e fama de país acolhedor, atrai todos os perfis. Atualmente, há 4.262 pessoas vivendo com esse status em território brasileiro. O número só não é maior porque muitos, especialmente os angolanos, já conseguiram cidadania permanente.
CASA NOVA
Os paquistaneses Taha, Muzamil e Sohaib: ajuste para
orações não coincidirem com o horário do colégio
A maioria das crianças chega ao Brasil sem documentos ou comprovantes de escolaridade anterior. ONGs como a Cáritas, do Rio e de São Paulo, ou o Instituto Migrações e Direitos Humanos, de Brasília, auxiliam na regularização da papelada. A grande maioria dos solicitantes é do Sudeste e do Distrito Federal. Um protocolo emitido pela Polícia Federal tem servido de “salvo-conduto” para os pequenos se matricularem nas escolas e conseguirem atendimento médico. Entre as crianças, o maior contingente é de congoleses, mas, no total de refugiados no País, predominam os angolanos: 1.060 ao todo. É um status diferente dos haitianos, que atualmente lotam o Acre, ou dos estimados 400 mil bolivianos em situação ilegal que vêm em busca de uma vida melhor, mas não sofrem perseguição em seus países.
NO COLÉGIO
Alunos refugiados na escola municipal Afrânio Costa, no Rio,
que tem um programa para atender essas crianças
No Brasil, eles seguem suas tradições sem medo. Aqila, por exemplo, não sai de casa sem a burca, o que causa certa surpresa na pacata Petrópolis. Mas também tiveram de fazer adaptações. Para que as crianças seguissem a obrigatoriedade de rezar cinco vezes por dia e também frequentassem a escola, decidiram agrupar duas orações e as outras são feitas após as aulas. Taha, 7 anos, Muzamil, 10, e Sohaib, 13, já arriscam frases em português, apesar da enorme diferença para o idioma urdu. A culinária brasileira, bem menos condimentada, é outra dificuldade. Os meninos detestam arroz e feijão, mas já aprovaram o guaraná e o suco de caju. É o retrato da vida em um novo país.
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