Segundo ex-diretor, valor foi pago ao governo de SP em 1998.
Diretor da Alstom diz que propina em SP foi de 15%
Francês afirma que houve repasse de 'comissões elevadas' para evitar licitação
Depoimento obtido pela Folha traz pela 1ª vez admissão de executivo sobre suborno a estatal de energia paulista
MARIO CESAR CARVALHO
FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO
A direção da Alstom na França autorizou o pagamento de propina de 15%
sobre um contrato de US$ 45,7 milhões (R$ 52 milhões à época) para
fechar um negócio com uma estatal paulista em 1998, segundo depoimento à
Justiça do ex-diretor comercial da multinacional, o engenheiro francês
André Botto.
Depoimento obtido pela Folha traz pela 1ª vez admissão de executivo sobre suborno a estatal de energia paulista
O conteúdo do depoimento sigiloso, obtido pela Folha, traz pela primeira vez o reconhecimento de um diretor da Alstom de que houve suborno para conquistar o contrato com a estatal. Na época, o Estado era governado por Mário Covas (PSDB).
Botto, que era responsável na França pela parte comercial do contrato brasileiro, contradiz o que a filial brasileira da Alstom repete desde 2008: que a empresa nunca pagou suborno e que colabora com a apuração.
"O negócio era muito importante para a Alstom. Era importante ganhá-lo por meio de acordo e evitar uma licitação. Tivemos de pagar comissões elevadas, da ordem de 15% do contrato", contou Botto ao juiz Renaud Van Ruymbeke, em 2008.
A estratégia da Alstom deu certo. Em 1998, a empresa assinou com a EPTE (Empresa Paulista de Transmissão de Energia) e a Eletropaulo um aditivo para a venda de equipamentos para três subestações de energia.
CONTRATO CADUCO
O contrato original do aditivo era de 1983 e em 1998 não tinha mais
validade, segundo especialistas, porque a lei de licitações estabelece
um limite de cinco anos para esse tipo de negócio. Uma licitação, com
vários concorrentes, poderia em tese derrubar o preço dos equipamentos e
diminuir o lucro da Alstom.
A propina, segundo essa lógica, serviria para que as diretorias da EPTE e da Eletropaulo não criassem problemas para ressuscitar um contrato que já caducara.
A Folha revelou anteontem que um documento interno da Alstom menciona pagamento de suborno à Secretaria de Energia e às diretorias administrativa, financeira e técnica da EPTE. À época, o secretário era Andrea Matarazzo --hoje vereador em São Paulo pelo PSDB. Ele nega envolvimento na negociação do aditivo.
Se os 15% tiverem sido pagos, o suborno alcançou R$ 7,8 milhões. O valor, segundo o diretor francês, foi dividido entre a Alstom e a Cegelec, que havia sido comprada pela companhia francesa. Botto era originalmente diretor comercial da Cegelec.
Metade dos 15% foi repassada para a empresa MCA, comandada pelo lobista Romeu Pinto Jr., que admitiu às autoridades brasileiras que recebeu o dinheiro da Alstom para pagar propinas. Ele, porém, não revelou os destinatários do suborno.
Botto explicou ao juiz que, para pagar a outra metade, a Alstom teve de usar contas secretas na Suíça. Isso ocorreu porque até 2000 a lei francesa autorizava empresas a pagar comissões de até 7,5% sobre o valor do contrato para obter negócios no exterior.
"Era preciso fazer o excedente [dos 15%] passar por outros circuitos", afirmou.
A propina então foi paga por meio de duas empresas offshore abertas por um banqueiro suíço a pedido da Alstom, segundo o executivo.
O banqueiro, Oskar Hollenweger, abriu a Janus nas Bahamas e a Asesores no Panamá, e cuidou da distribuição da parte ilegal das comissões. Após 2000, a França proibiu pagamento de comissão a funcionário público.
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