Susan Carnell // Arquivo pessoal
Susan, que também escreve sobre dieta e obesidade para a revista especializada Psichology Today, foi entrevistada para a reportagem de capa da revista Galileu de setembro. Confira parte do papo:
*O que você chama de “características do apetite”?
O jeito característico das pessoas de comer. Um jeito de medir o apetite das pessoas é medir o quanto elas comem. Estou interessada na maneira peculiar com as quais interagimos com a comida. É como uma característica estável e duradoura.
*Quais são as origens dessas características: genéticas ou desenvolvemos durante a vida com nossos hábitos alimentares?
É substancialmente genético, averiguamos por meios de estudos com gêmeos. Aproximadamente 77% da variação no apetite é proveniente de genes. Mas não significa que o ambiente não seja importante. Seus genes podem controlar seu apetite, mas você ainda pode controlar o quanto come. Os genes tornam mais difícil para algumas pessoas controlar a ingestão, mas eles podem usar outros tipos de recursos para controlar. Mas ficamos surpresos em ver que é substancialmente genético.
*Como você descobriu isso?
Fizemos estudos com gêmeos, comparamos gêmeos idênticos com os não idênticos, todos criados na mesma família. Se uma tendência é genética, os idênticos devem ser mais parecidos do que os não-idênticos. Descobrimos que são. E encontramos estatísticas interessantes, como essa de que 77% da variação de apetite entre as pessoas é devido aos genes. As pessoas estão começando a olhar para genes específicos associados ao apetite, mas o problema é que cada um explica mínimas diferenças entre apetites. Nós não encontramos um gene da obesidade, as pessoas achavam que poderíamos encontrar. Mas é muito mais complicado. São provavelmente vários deles afetando discretamente nosso apetite. Isso leva a muitas diferenças.
*Quantos genes estariam envolvidos?
Provavelmente milhares. As variações são mínimas, são diferenças sutis.
* No futuro poderemos controlar esses genes?
Não é permitido fazer terapia genética em humanos ainda. Ma são tantos genes envolvidos que seria muito difícil entrar e consertar todos eles. Se você arrumar só um, não faria muita diferença no apetite ou peso em geral, seria só uma parte de um grande problema. Outra coisa, é tão importante para os humanos comer que todo nosso sistema evoluiu e está envolvido para proteger nosso mecanismo de alimentação. Seria muito difícil fazer mudanças nele. As pessoas estão olhando para diferentes drogas, e, potencialmente, novos métodos biológicos para controlar a ingestão de comida, o que é particularmente desafiador, porque somos programados para comer.
Se tentarmos mexer com isso, poderemos bagunçar outros aspectos de ser humano.
*Então a solução para a obesidade ou sobrepeso está em mudanças no ambiente?
Acho que mudanças na população e no ambiente são o caminho. Mas o que me interessa é que, mesmo em um ambiente que promove a obesidade, muitas pessoas conseguem ficar magras. Estou interessada em ajudar pessoas a ficarem magras, não importa o ambiente em que estejam. No entanto, se quisermos fazer grandes mudanças, elas devem ser apoiadas por mudanças no ambiente.
* Se você não propõe mudar o ambiente, o que acha que deveria mudar?
Sou uma psicóloga, então acho que deveríamos mudar o ambiente, sim. Mas não é o que estudo. Estou interessada em o que um indivíduo pode fazer. Acho que uma pessoa pode ser ajudada se identificar quais são suas fraquezas. Por exemplo, se ela descobrir que é geneticamente menos capaz de controlar o tamanho de suas porções, tem que evitar grandes porções, enquanto alguém que não tem essa disposição pode ir a um rodízio. Mas algumas pessoas acham isso difícil. Acho que saber mais isso sobre si é útil porque assim você pode controlar seu ambiente imediato.
* Uma pessoa sozinha pode descobrir quais são suas fraquezas?
Acho que sim, perder peso é possível. Manter é difícil. Há uma organização nos Estados Unidos que tem pessoas que perderam peso por muito tempo. Possivelmente essas pessoas conseguiram gerenciar esses comportamentos e controlar o ambiente. Eles devem ter tido sucesso em mudar suas características de apetite. Ou talvez não, mas eles estão se protegendo, não se permitindo experimentar muitas tentações. Acho possível e as pessoas estão fazendo isso.
Uma pesquisa interessante diz que quanto mais rápido você come, mais chances você tem de ser obeso. Se você der a crianças obesas um monitor, isso fará com que elas controlem melhor a velocidade de sua alimentação, vão comer menos e perder peso. Podemos treinar nosso apetite.
* Contar calorias não entra em sua dieta?
Definitivamente as calorias funcionam em um nível mais amplo. Não podemos jogar isso fora. Mas diferentes comidas têm efeitos distintos em seu apetite. Talvez ajude você escolher o tipo de comida com o qual se sente satisfeito depois. Por exemplo, há evidências que dizem que proteínas são mais saciantes que carboidratos. Provavelmente a dieta de Atkins funciona, embora não seja indicada por um longo tempo. Mas talvez você possa mudar a composição de sua dieta e isso te ajude a se sentir mais cheio.
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* Quais seriam os fatores que fazem os indivíduos responderem de maneira diferente a um ambiente obeso?
Os genes trabalham em milhares de maneiras. Algumas pessoas com certos genes podem achar a comida mais recompensadora ou podem achar qualquer estímulo de recompensa mais recompensador. O que eu acho interessante é o autocontrole. Até quando duas pessoas têm a mesma quantidade de recompensa pela comida, uma delas pode ser mais capaz de se controlar, isso pode ser genético, mas também pode ser ambiental. Poderíamos ensinar crianças a melhorar seus mecanismos de controle e talvez ajudaria com a obesidade, apesar de ainda não ser testado. Existem fatores de recompensa, controle e conhecimento.
* Mas como se ensina autocontrole?
Boa pergunta, é difícil responder. Acho que só com a prática. Existem exercícios onde as pessoas precisam inibir suas respostas a alguma coisa. Pode ser apertar teclas num teclado. Algumas pessoas acham que se você treinar em tarefas básicas talvez seja possível estender para outras coisas. No entanto isso ainda não está claro, será uma boa pesquisa.
* Você diz que algumas pessoas parecem responder mais aos estímulos da comida do que outras. Acha que obesos são mais sensíveis a alguns tipos de comida do que os magros?
É possível. Eu sei mais isso sobre ratos do que humanos. Não acho que há muita evidência que mostre que obesos sintam os sabores de maneira diferente. Há diferenças entre gostar e desejar. Gostar é como o quanto você gosta de alguma coisa numa escala de 1 a 10. Mas há também o desejar, eu acho que duas pessoas podem gostar da mesma coisa da mesma maneira. Todos podem dizer que gostam de rosquinhas num nível 10. Algumas pessoas desejam a rosquinha mais do que outras. Se começam a comer, continuam sem parar. Os outros, não. Provavelmente não significa que um obeso experimente um gosto diferente, as características do gosto não são diferentes. É algum outro mecanismo que faz com que eles continuem comendo.
* Qual seria esse mecanismo que faz com que eles queiram comer mais do que os outros?
É provavelmente influência da dopamina. Alguns cientistas estão muito interessados nisso porque ela está muito envolvida no vício. Quando você come uma comida altamente calórica, desperta uma resposta de dopamina. Mas fica muito complicado porque eles acham que, se você for obeso, quando come, libera menos dopamina. E a dopamina é um químico do prazer. Então, o obeso teria que comer mais para conseguir o mesmo prazer que uma pessoa magra sente.É complicado, mas muito interessante. Mas há definitivamente uma desregulação na função da dopamina.
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* E você acha que essa é a melhor explicação para nosso desejo de comer mais e mais?
Atualmente sim. No entanto, acho que é mais complicado que isso, porque há memória envolvida. Fazemos muitas associações com a comida. É complicado, mas é o melhor modelo que temos é esse do vício em comida.
* O que acontece antes: algumas pessoas nasceram mais sensíveis a certas comidas ou comer em excesso pode deixar nosso cérebro e corpo mais sensíveis?
Acho que existem os dois. Algumas pessoas vem ao mundo mais sensíveis. E isso as faz comer demais, bagunça seu sistema de dopamina e faz com que queiram comer mais ainda. Também existe a pessoa comum que, sua dopamina está boa, mas cresce comendo comidas muito calóricas e isso afeta seu sistema de dopamina. Acho que há muitas rotas. Algumas pessoas têm mais predisposição genéticas, outras não. Quando você olha para os Estados Unidos, 66% estão obesos ou acima do peso. Todos têm variabilidades genéticas, mas não acho que essa tendência se aplique a todos. Esta se tornando tão comum, que os obesos são os novos normais.
* Se não teríamos mais casos antes. Tem algo a ver com a oferta de comida...
Definitivamente o ambiente alimentar. Se não houvesse tanta comida em volta você seria magro. Os genes só são expressados se tivermos um ambiente obeso.
* Sabores e cheiros têm alguma influência na ingestão de comida?
Sim, eles nos fazem comer mais. Temos uma preferência inata por comidas mais calóricas ou mais cheias de açúcar. Quando morávamos em selvas precisávamos ser mais atraídos por comidas altamente calóricas. É como sobrevivemos. Temos uma preferência inata especialmente pela combinação de açúcar e gordura. Infelizmente, um faz o outro mais palatável, com um gosto bom. A indústria da comida sabe disso – David Kessler escreveu um ótimo livro sobre isso –, encontrou a perfeita combinação de açúcar e gordura, e sal e gordura para nos manter comendo. Essa indústria sabe como brincar com nossas preferências de sabor inatas.
* Você acha que podemos ensinar crianças e adultos a gostarem de sabores como o amargo das verduras e legumes, como sugere a pesquisa de Gary Beauchamp?
Acho que podemos, mas não as faremos gostar mais do que alimentos ricos em açúcar, carboidratos, calorias. Por que isso é inato. Podemos ensinar e encorajar as crianças a gostarem. O interessante é que, até entre frutas e vegetais, crianças ainda preferem as mais calóricas. Vão preferir bananas a aipo. Por meio da exposição, se você der a uma criança sabores diferentes ela provavelmente vai gostar deles. Você não precisa forçar a comer tudo. Se der um pedacinho de aipo todo o dia em algumas semanas, no fim, ela vai gostar mais. Eles podem não achar que gostam durante, mas no fim, irão. Você definitivamente pode mudar as preferências alimentares de uma criança, mas elas ainda vão gostar de sorvete.
* Podemos mudar os gostos dos adultos?
Podemos. Não sei se fizeram esses estudos com vegetais. Mas é possível fazer as pessoas gostarem de café, que é amargo. Você dá um pouco de açúcar com ele, depois tira e ela ainda vai gostar.
* Você acha que gosto e cheiro são sentidos de maneira diferente por obesos e magros?
Eu não sei sobre obesos versus magros. Algumas pessoas experienciam comidas amargas com mais amargor que outras. Pesquisei na literatura para ver se isso estava relacionado à obesidade, e isso está muito obscuro. Não sei se obesos necessariamente sentem menos ou mais sabores. Mas talvez eles tenham uma preferência diferente por gordura.
* Você disse ante que o ambiente é a única coisa que podemos mudar. Você acha que crianças cujos pais são obesos podem crescer magros e saudáveis?
Acho que sim. Estou tentando estudar isso comparando crianças com pais obesos e não obesos. Por que não há uma correlação completa entre o peso dos pais e o dos filhos. Porém, provavelmente essa criança pode ter mais trabalho tentando ficar magra.
* Como funcionam os sinais de saciedade no cérebro?
Quando você come algo, há dois hormônios chamados TYY e GLP1 que são liberados e enviam sinais ao seu cérebro dizendo que você esta cheio. São só dois, mas existem muitos outros mecanismos biológicos que não iniciados quando você come.
* Mas esses mecanismos são diferentes em obesos?
Sim, há evidências. Mas quando eles se tornam magros novamente, isso pode voltar ao normal. Não significa que eles necessariamente sempre foram assim. O sobrepeso muda seus hormônios.
Revista Galileu
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