A liberação da venda do primeiro remédio para prevenir a infecção pelo HIV abre uma nova fronteira para frear a expansão da epidemia
Cilene Pereira, Mônica Tarantino e Monique OliveiraDe acordo com o FDA, a droga pode ser receitada a indivíduos altamente vulneráveis ao risco de contrair o HIV por meio de atividade sexual. Pela ampla definição do órgão americano, portanto, estão incluídos trabalhadores do sexo, heterossexuais e homossexuais que têm múltiplos parceiros e companheiro não contaminado em casais nos quais um deles é soropositivo (chamados de casais discordantes). Nos casos em que a seguradora de saúde não assumir o pagamento do remédio, o interessado em tomá-lo precisará desembolsar cerca de US$ 12 mil por ano.
PREVENÇÃO
O publicitário Danilo participou dos testes com o Truvada no Brasil
Fabricado pelo laboratório Gilead
Sciences, na Califórnia, o Truvada já é usado em 93 países como um dos
componentes do coquetel de medicamentos dado aos pacientes. A decisão de
disponibilizá-lo a pessoas não infectadas foi tomada com base nas
conclusões de quatro testes internacionais. O primeiro desses estudos,
cujos resultados foram publicados em 2010 pelo “The New England Journal
of Medicine” – prestigiada publicação científica –, avaliou o desempenho
da medicação entre 2.499 homens que fazem sexo com homens, distribuídos
em seis países. O estudo teve a participação de 11 instituições de
pesquisa. Entre elas a Unidade de Pesquisa Clínica de São Paulo, ligada à
Universidade de São Paulo. O publicitário paulistano Danilo Poveza, 31
anos, foi um dos recrutados. “Achei importante participar”, conta.
Homossexual e soronegativo, Danilo tomou a medicação todos os dias por
um ano.
Nesse trabalho, ficou demonstrado que o nível de proteção oferecido
pela droga variou de 43% a 73%. Outros dois estudos mostraram níveis de
proteção similares. O quarto, realizado com mulheres no continente
africano, foi interrompido por causa dos resultados ruins e da
baixíssima adesão ao tratamento. Os trabalhos foram feitos de forma
independente do fabricante do remédio. Receberam patrocínio de entidades
como a Fundação Bill e Melinda Gates e do Instituto Nacional de Saúde
dos Estados Unidos.RISCOS
Rosenthal teme a falsa sensação de segurança que a droga pode dar. Kallás (abaixo)
foi um dos coordenadores do trabalho sobre a nova medicação feito no Brasil
A decisão americana causou impacto. As
autoridades da saúde da França, por exemplo, pretendem aguardar novos
estudos antes de adotar a estratégia. No Brasil, onde o remédio está
aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mas nem sequer
integra o coquetel distribuído na rede pública, a posição do governo foi
de cautela. “Mesmo que três estudos tenham mostrado bons resultados em
populações expostas a alto risco de infecção pelo HIV, ainda há muitas
incertezas quanto à sua utilização na vida real”, disse o infectologista
Dirceu Greco, diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais
do Ministério da Saúde. Isso quer dizer, portanto, que por aqui ainda
não se sabe se o Truvada será oferecido, seja como tratamento, seja como
preventivo.
Até agora, o que existia para conter o vírus era aplicado depois que a pessoa já havia tido contato com ele. Nesses casos, o indivíduo tem até 72 horas após ter se exposto ao risco para começar a receber o coquetel com medicações contra o vírus – o mesmo usado pelos pacientes. Os remédios devem ser tomados por quatro semanas. Por isso, entre os médicos e outros profissionais que atuam no combate à doença, é consenso que, do ponto de vista científico, a aprovação do Truvada como recurso de prevenção deve ser comemorada. “Ele amplia os recursos para prevenir a disseminação do HIV”, afirmou o infectologista Esper Kallás, da Universidade de São Paulo. O médico participou do primeiro estudo com o remédio e agora está concluindo novas análises sobre sua ação. “Estamos observando que os voluntários do estudo que apresentavam quantidade do remédio detectável no sangue, o que significa que tomavam a medicação corretamente, chegaram a ter até 93% de proteção.”
Até agora, o que existia para conter o vírus era aplicado depois que a pessoa já havia tido contato com ele. Nesses casos, o indivíduo tem até 72 horas após ter se exposto ao risco para começar a receber o coquetel com medicações contra o vírus – o mesmo usado pelos pacientes. Os remédios devem ser tomados por quatro semanas. Por isso, entre os médicos e outros profissionais que atuam no combate à doença, é consenso que, do ponto de vista científico, a aprovação do Truvada como recurso de prevenção deve ser comemorada. “Ele amplia os recursos para prevenir a disseminação do HIV”, afirmou o infectologista Esper Kallás, da Universidade de São Paulo. O médico participou do primeiro estudo com o remédio e agora está concluindo novas análises sobre sua ação. “Estamos observando que os voluntários do estudo que apresentavam quantidade do remédio detectável no sangue, o que significa que tomavam a medicação corretamente, chegaram a ter até 93% de proteção.”
ATIVISMO
Nunes Neto acredita que o remédio vai beneficiar
casais em que um dos parceiros é soropositivo
Na opinião de Gottfried Hirnschall,
diretor do departamento de HIV/Aids da Organização Mundial da Saúde, a
profilaxia pré-exposição é um enfoque promissor. “Acreditamos que,
provavelmente, seja um instrumento de intervenção a grupos nos quais
outras prevenções podem não ser acessíveis ou difíceis de implementar”,
disse. Segundo o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo
Vasconcelos, de São Paulo, o medicamento pode ser um bom protetor, por
exemplo, para usuários de drogas injetáveis. “Eles integram um grupo de
extrema vulnerabilidade à contaminação pelo HIV”, diz. O ativista
Américo Nunes Neto, fundador do Instituto Vida Nova, que atende
soropositivos em São Paulo, por sua vez, acredita que o remédio pode ser
um bom recurso para os casais nos quais um dos parceiros está
contaminado. “Temos muitos casais nessas condições”, afirma. A
assistente de responsabilidade social Silvia Almeida, orientadora de
mulheres portadoras no Grupo de Incentivo à Vida, compartilha a mesma
opinião. “Há muita gente que não se sente segura nem usando a
camisinha”, diz. “Dependendo da compreensão do casal, pode haver uma
combinação dos dois.”
Uma das principais preocupações entre os especialistas, no entanto, é a de que a liberação do Truvada como remédio preventivo seja a senha para um relaxamento na prevenção. “As pessoas podem se sentir ilusoriamente protegidas e deixar de usar a camisinha”, afirma Timerman. “E os grupos para os quais o remédio é indicado com essa finalidade já são normalmente refratários à utilização do preservativo.” O infectologista Caio Rosenthal, do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, de São Paulo, trata pacientes com Aids há mais de 15 anos. Ele considera a droga um bom instrumento, mas concorda com o colega Timerman. “O remédio pode dar uma falsa sensação de segurança”, diz. “Sou a favor da liberação desse tipo de medicamento para casais discordantes que estejam em relações estáveis”, defende.
Uma das principais preocupações entre os especialistas, no entanto, é a de que a liberação do Truvada como remédio preventivo seja a senha para um relaxamento na prevenção. “As pessoas podem se sentir ilusoriamente protegidas e deixar de usar a camisinha”, afirma Timerman. “E os grupos para os quais o remédio é indicado com essa finalidade já são normalmente refratários à utilização do preservativo.” O infectologista Caio Rosenthal, do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, de São Paulo, trata pacientes com Aids há mais de 15 anos. Ele considera a droga um bom instrumento, mas concorda com o colega Timerman. “O remédio pode dar uma falsa sensação de segurança”, diz. “Sou a favor da liberação desse tipo de medicamento para casais discordantes que estejam em relações estáveis”, defende.
O consenso é que o Truvada deve ser entendido – e usado – como uma arma de prevenção de fato poderosa, mas que integra um arsenal mais amplo criado com essa finalidade. “Ele inclui outras medidas, como a prática do sexo seguro”, diz o pesquisador Kallás. É por essa razão que todas as iniciativas não medicamentosas adotadas até hoje precisam ser mantidas e aprimoradas. “A base para a prevenção é o diálogo dirigido para cada grupo e o uso do preservativo”, argumenta Zarifa Khoury, coordenadora da Assistência do Programa Municipal de DST/Aids da cidade de São Paulo.
Foram notícias como essas que aumentaram o otimismo dos principais pesquisadores de Aids do mundo, reunidos também ao longo da semana passada em Washington, nos Estados Unidos, em um encontro sobre a doença – que ainda atinge 34,2 milhões de pessoas no planeta e que provoca a morte de cerca de dois milhões de indivíduos por ano. Um dos mais famosos, o infectologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e de Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, por exemplo, fez uma previsão fabulosa. “Se todos os recursos que temos hoje forem disponibilizados amplamente para quem precisa, pode ser possível que tenhamos uma geração livre da Aids”, afirmou. “Isso significa que as crianças de hoje poderiam, um dia, viver em um mundo no qual a infecção pelo HIV e as mortes por Aids sejam raras.”
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