10.21.2011

Investiu na prevenção

Saúde pública

O homem que venceu as doenças do coração na Finlândia

Investindo em prevenção, o pesquisador Pekka Puska conseguiu aumentar em dez anos a expectativa de vida dos finlandeses e reduzir em 80% as taxas de mortalidade por doenças do coração no país

Natalia Cuminale, do Rio de Janeiro
Pekka Puska, diretor geral do Instituo Nacional de Saúde e Bem-Estar da Finlândia Pekka Puska, diretor geral do Instituo Nacional de Saúde e Bem-Estar da Finlândia (Fabrice Coffrini/AFP)
"Muitas pessoas acham que a prioridade deve ser tratar a doença em vez de investir em prevenção. Se há muita doença, por que investir em prevenção? Mas se o foco é só tratar as doenças, você nunca vai prevenir" —Pekka Puska, diretor geral do Instituto Nacional de Saúde e Bem-Estar da Finlândia
Em 1972, mais de 90% da população da Finlândia passava manteiga no pão. No mesmo período, mais da metade dos homens eram fumantes. Era também nessa época que os finlandeses acumulavam os piores índices de mortalidade por doenças cardiovasculares no mundo inteiro. Um projeto liderado pelo professor finlandês Pekka Puska, contudo, ajudou a mudar o destino de toda a nação — que hoje, 39 anos depois, se tornou uma das principais referências de saúde pública e qualidade de vida para o resto do mundo. Atualmente, apenas 5% dos finlandeses ainda passam manteiga no pão e somente 20% das pessoas fumam todos os dias. Assim como a manteiga e o cigarro, o consumo de sal foi significativamente reduzido e as pessoas passaram a usar ingredientes mais saudáveis para cozinhar.
Todas essas mudanças começaram com o Projeto North Karelia, nome de uma província da Finlândia que foi o ponto de partida para transformar o estilo de vida das pessoas. Depois de 30 anos de projeto, houve uma redução de 80% da mortalidade por doenças cardíacas. O índice de câncer de pulmão também caiu na mesma proporção entre 1969 e 2006. Puska, que atualmente é diretor geral do Instituto Nacional de Saúde e Bem-Estar da Finlândia, acredita que os países precisam de mais ação e menos discurso para enfrentar o crescente número de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e colesterol alto. "É um processo muito logo e complexo, não existe uma bala mágica para resolver esse problema. Mas mostramos que é possível", diz Puska.
"Não adianta o governo inaugurar unidades coronarianas, hospitais gerais e centros de oncologia. Eles precisam disponibilizar meios para que as pessoas tenham uma ter uma vida melhor", afirma o professor, que é reconhecido internacionalmente por seu trabalho e que já publicou mais de 500 artigos científicos. Puska concedeu entrevista ao site de VEJA, durante a Conferência Mundial dos Determinantes Sociais de Saúde, no Rio de Janeiro.
O senhor é conhecido por liderar um projeto que teve um impacto direto no futuro de milhões de finlandeses. Como isso foi possível? Meu trabalho começou no início dos anos 70, com um grande desafio pela frente. Na Finlândia, tínhamos os maiores índices de mortalidade por doenças coronarianas do mundo inteiro. Homens de meia idade estavam morrendo. Então, tivemos que começar a pensar no que fazer. Foi quando percebemos que construir hospitais não resolveria o problema. Tínhamos que focar na prevenção. Naquele tempo, as evidências científicas sobre a prevenção das doenças cardíacas eram muito recentes e limitadas. O que sabíamos era que o estilo de vida da população influenciava no aparecimento da doença. Fatores de risco como dieta rica em gordura, fumo e falta de atividade física já haviam sido apontados. Se quiséssemos uma mudança, teríamos que agir diretamente nesses fatores. Partimos do princípio que, por trás de um problema como esse, não há apenas o indivíduo, mas uma comunidade. Então, começamos o trabalho de prevenção na Província de North Karelia. Após o sucesso da experiência, transportamos o projeto a níveis nacionais.
Que mecanismos foram utilizados? Foi uma ação orquestrada em vários setores de saúde. Trabalhamos em conjunto com o governo, os serviços de saúde, com as escolas, organizações não-governamentais e com os meios de comunicação. Até a própria indústria começou a mudar. Passamos a ter regulação. Com todas essas ações, conseguimos diminuir em 80% os índices de mortalidade por doenças cardiovasculares em 30 anos. É por isso que eu acredito em ações e não somente no discurso. É um processo muito logo e complexo, não existe uma bala mágica para resolver esse problema. Mas mostramos que é possível.
Agora, vemos um número crescente de doenças relacionadas aos maus hábitos de vida, como diabetes, problemas no coração e obesidade. É possível aprender a partir da experiência da Finlândia? De muitas formas, a primeira é que, não somente os médicos, mas as pessoas também precisam entender que a prevenção é uma maneira possível e poderosa de vencer essas doenças. Outra coisa que precisa ficar clara é que a prevenção também depende de aspectos sociais e ambientais. Em pessoas pobres, por exemplo, depende muito do que está ao redor delas. É aí que os responsáveis pela elaboração das políticas públicas devem agir, facilitando e tornando mais naturais as escolhas por hábitos mais saudáveis. Para chegar a um resultado positivo, não adianta o governo inaugurar unidades coronarianas, hospitais gerais e centros de oncologia. Eles precisam disponibilizar meios para que as pessoas tenham uma ter uma vida melhor.
Por que parece ser tão difícil investir em prevenção? Há muitas razões, mas é claro que muitas pessoas acham que a prioridade deve ser tratar a doença em vez de investir em prevenção. Se há muita doença, por que investir em prevenção? Mas se o foco é só tratar as doenças, você nunca vai prevenir. Outro fato é que há um grande sucesso do marketing da indústria do tabaco, álcool e alimentos. É muito dfícil conversar com a indústria porque eles têm grandes recursos e um forte lobby com aqueles responsáveis por decidir as políticas que afetam a vida da população. Em alguns países subdesenvolvidos, há ainda a corrupção. Sabemos que não é fácil. Mas a convenção pelo controle do tabaco é um exemplo positivo. É a primeira vez que há leis internacionais sobre esse tema. Isso não é só uma questão do governo. Às vezes, um único país não consegue resolver o problema todo — quando já é algo globalizado. Então, além de ações nacionais, também são necessárias decisões internacionais.
A Finlândia é um dos países mais ricos e mais bem-sucedidos em termos de saúde pública do mundo. Apesar disso, ainda há algum desafio a ser enfrentado? Claro que estamos felizes com os altos níveis de expectativa de vida e de envelhecimento saudável. As pessoas continuam sobrevivendo e também temos que lutar contra as desigualdades que ocorrem na saúde. Obviamente seria melhor que ninguém fosse fumante ou abusasse do álcool. Também queria que todos praticassem atividade física e consumissem alimentos saudáveis. Com isso, teríamos índices ainda melhores. Felizmente, com a pressão do governo, os anúncios de cigarro quase desapareceram das nossas vidas. Agora, enfrentamos outras pressões contra os doces e os refrigerantes.
Veja

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