10.22.2011

O SUS DA INGLATERRA

Saúde pública

No Reino Unido, um sistema de saúde universal e eficaz

Simon Burns, ministro da Saúde do Reino Unido, explica como é possível manter um sistema universal e gratuito mesmo com a crise financeira mundial e o envelhecimento da população

Natalia Cuminale, do Rio de Janeiro
O Ministro da Saúde da Grã-Bretanha, Simon Burns O Ministro da Saúde do Reino Unido, Simon Burns (Reprodução/simonburnsmp.com)
"Mesmo com a crise, nos comprometemos a não cortar o orçamento destinado à saúde. Conseguimos dinheiro cortando custos. No ano passado economizamos 4,3 bilhões de libras. Pretendemos reinvestir esse dinheiro economizado em serviços de ponta" — Simon Burns, ministro da saúde do Reino Unido
No Reino Unido, quando é preciso tratar alguma doença, estrangeiros, imigrantes ilegais, ricos e pobres buscam o mesmo serviço. Criado há 63 anos, o National Health System (NHS), nome oficial do sistema de saúde britânico, inspirador da criação do Sistema Único de Saúde no Brasil, é um modelo universal, gratuito e, acima de tudo, eficaz. Apesar de bem-sucedido, contudo, o modelo britânico também enfrenta desafios, como a crise financeira mundial e o envelhecimento da população. Segundo o ministro da Saúde do Reino Unido, Simon Burns, o momento exige adaptação das políticas de saúde às mudanças que ocorrem com a população. "Temos um serviço de saúde que sempre esteve envolvido com novos desafios e que nunca deixou de atender às necessidades da população", diz.
Simon admitiu que na Inglaterra, por exemplo, há uma diferença de dez anos entre a taxa de mortalidade entre pessoas que moram em bairros mais pobres ou mais ricos. Ele acredita ser necessário destinar uma atenção especial para reduzir esses gargalos. "Pretendemos contar com uma colaboração maior dos governos locais para a melhoria dos aspectos de saúde pública. Queremos que eles sejam mais proativos e que aumentem o papel deles nesses determinantes sociais (fatores sócio-econômicos que impactam a saúde da população)", diz o ministro da Saúde. Burns concedeu entrevista ao site de VEJA, durante a Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde, no Rio de Janeiro.
O Reino Unido têm um dos maiores e melhores sistemas de saúde do mundo. Como foi possível manter esse modelo funcionando por tanto tempo? Nós temos um serviço de saúde universal e gratuito há 63 anos. Então você tem saúde de base sem a necessidade de pagar por isso. Nesse período, a população aumentou significativamente e a idade das pessoas também aumentou. A população está vivendo mais tempo por causa dos avanços na medicina. Existem tratamentos novos, remédios novos. No ano passado, por exemplo, o orçamento farmacêutico aumentou em 6 milhões de libras. Então, temos um serviço de saúde que sempre esteve envolvido em lidar com novos desafios e que nunca deixou de atender às necessidades da população. Por isso, é preciso responder às novas demandas. E, com as economias que fazemos, podemos reinvestir em uma assistência ainda mais eficaz, garantindo a prestação de serviços de ponta.
Como assim? Chegamos ao poder (Simon Burns é do Partido Conservador, do primeiro-ministro David Cameron, cargo para o qual foi apontado em maio de 2010) no momento em que há uma situação econômica delicada, em que o governo precisa cortar os gastos públicos. Apesar disso, nos comprometemos a não cortar o orçamento destinado à saúde e à ajuda internacional. Criamos um plano chamado QIPP – qualidade, inovação, produtividade e prevenção, que visa economizar 20 milhões de libras a partir de cortes nas deficiências do sistema durante quatro anos. E pretendemos reinvestir esse dinheiro economizado em serviços de ponta. O ano passado foi o primeiro ano do projeto e conseguimos economizar 4,3 bilhões de libras. Esse é o nosso desafio: colocar em prática um plano de organização, já que o sistema de saúde está sempre mudando. Acredito que um projeto organizacional é o último estágio na evolução de um sistema de saúde.
E como as outras nações podem aprender a partir da experiência da Inglaterra? Os países precisam saber que há várias coisas boas acontecendo ao redor do mundo em diferentes áreas de assistência à saúde. É importante encorajar mais a colaboração entre as nações, com maior troca de informações sobre experiências positivas e sobre quais são as melhores práticas e os melhores resultados. Os resultados são muito importantes para os pacientes. Eles precisam ter acesso à cura ou a condições necessárias para lidar com a doença da forma mais confortável possível. Nesta quinta-feira, eu e o ministro da saúde brasileiro, Alexandre Padilha, assinamos o Memorando do Entendimento, um documento que estabelece acordos de cooperação entre os dois países, com mais troca de experiências em diversas áreas da saúde, desde melhores práticas até estratégias para lidar com o envelhecimento da população.
No Brasil, é possível encontrar realidades completamente diferentes se você comparar uma pessoa que vive em uma cidade do Sul do país com alguém que vive Norte, por exemplo. Segundo Michael Marmot (veja entrevista), em Glasgow, na Escócia, é possível encontrar uma diferença de 28 anos na taxa de mortalidade entre pobres e ricos. Isso também ocorre na Inglaterra? No bairro mais rico em Londres, a expectativa de vida tanto dos homens como das mulheres é dez anos maior do que em um bairro pobre do noroeste. Ter essa inequação em um país que detém um serviço público gratuito e universal, e que funciona, mostra o desafio do que ainda precisamos enfrentar.
O que deve ser feito? Após a criação de uma comissão sobre os determinantes de saúde pela Organização Mundial da Saúde, o último governo começou a olhar para os britânicos e ver o que poderia ser feito para diminuir o problema a desigualdade. Foi publicado um documento recomendando várias ações. Entre as principais está a mudança de foco e o fortalecimento de toda a área de saúde pública. Ver a saúde pública como sendo algo mais completo, abrangendo habitação, falta de educação, dieta ruim, causa de morte — tudo isso deve ser colocado em perspectiva para chegar a uma solução. Pretendemos contar com uma colaboração maior dos governos locais para a melhoria dos aspectos de saúde pública. Queremos que eles sejam mais proativos e que aumentem seu papel nesses determinantes sociais.
Como isso será feito? Haverá uma previsão orçamentária fixa para a saúde pública. Estamos trabalhando em uma fórmula segundo a qual destinaremos mais dinheiro a áreas em que as desigualdades são maiores. Se com o dinheiro os governos locais reduzirem os problemas causados pelas diferenças sociais, daremos a eles uma verba extra para incentivá-los a fazer isso ainda mais rapidamente. Outra coisa, que teremos pela primeira vez no Reino Unido, será uma obrigação registrada em lei para promover a redução de desigualdades. Achamos que é um grande passo porque nunca foi colocada em uma legislação antes.
O envelhecimento da população também preocupa o seu governo? Há alguma prioridade em relação à isso? Sim. A maioria das pessoas que vai ao hospital e precisa de cuidados permanentes são idosas, porque o envelhecimento vem acompanhado de complexos problemas médicos, muitas vezes mais do que um. Por isso nós precisamos garantir a eles o melhor cuidado e assistência.

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