Patricia Adler: “A automutilação virou moda”
Para a socióloga americana, algumas celebridades criaram uma cultura tolerante às agressões
Por que algumas pessoas se automutilam? Em busca de respostas, o casal de sociólogos americanos Patricia e Peter Adler estudou, durante dez anos, pessoas que se cortam, batem a cabeça de propósito na parede, arrancam cabelos, cutucam a pele, mordem as unhas e cutículas e se furam com objetos. Eles entrevistaram 150 pessoas que se ferem intencionalmente e analisaram 40 mil postagens na internet. O resultado é o livro The tender cut, a maior pesquisa qualitativa já realizada sobre o assunto. Segundo Patricia, a automutilação era uma patologia mental discreta até os anos 1990, quando artistas e celebridades começaram a assumir a prática em público e, com isso, estimularam mais jovens a se agredir. “Eles se cortam porque acham a vida dura”, diz.
QUEM É
Socióloga da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. Casada com o sociólogo Peter Adler, com quem escreveu diversos livros e no ano passado recebeu um prêmio da Sociedade de Estudo da Interação Simbólica
O QUE PUBLICOU
The tender cut (algo como O corte delicado) é o quarto livro que Patricia e seu marido publicam. Lançado em agosto nos Estados Unidos, não tem previsão para sair no Brasil
Por que as pessoas se automutilam?
Patricia Adler – Existem dois motivos. Alguns estão tão massacrados e deprimidos por seus sentimentos que se cortam para expressar a dor e exteriorizá-la. Outros estão tão esgotados por seus sentimentos que se cortam para tentar não pensar mais nos problemas. As pessoas se cortam tanto para conseguir lidar melhor com seus sentimentos como para tentar ignorá-los e parar de sentir. É mais comum entre adolescentes, embora hoje vá até os 30 anos. Até os anos 1980, as pessoas achavam que quem se cortava era suicida ou doente mental. Eles eram postos em hospitais e tratados como loucos. Não falavam para ninguém. Isso mudou nos anos 1990, quando celebridades começaram a admitir que se cortavam. Como Angelina Jolie, Demi Lovato, Johnny Depp e até a princesa Diana. No começo dos anos 2000, a internet promoveu uma nova transformação. As pessoas começaram a postar em blogs seus diários e fotos. A automutilação virou uma expressão muito pesada para traduzir uma atitude comum entre jovens com dificuldades para crescer. Em vez disso, o termo amenizado passou a ser “autolesão” (self-injury, em inglês).
Como uma pessoa pode começar a se agredir por influência de um ídolo ou astro de rock?
Patricia – Não é tão simples. Foi a criação de uma cultura tolerante à autoagressão. Os jovens começaram a ver depoimentos de celebridades que faziam esse tipo de coisa, dizendo “quando eu me cortava, me sentia mais forte, mas agora parei e não faço mais”. Alguns jovens ignoraram a parte do “eu não faço mais isso” e pensaram: “Se elas se sentiam mal, se cortavam e melhoravam, talvez seja uma boa ideia para quando não me sinto bem”. Virou um comportamento de cópia. Esse comportamento ficou socialmente disseminado. Um fenômeno psicológico vem de dentro. Mas com a autolesão vemos que virou um fenômeno socialmente aprendido e difundido. As pessoas não se cortam porque têm desordem de personalidade e patologias psiquiátricas. Elas se cortam porque acham a vida dura.
São distúrbios mentais?
Patricia – De acordo com a definição da psicologia, as pessoas se cortam porque têm um impulso incontrolável. E não conseguem parar. Mas muitas pessoas que a gente entrevistou planejavam seus ferimentos de forma racional. Elas pensavam: “Terça-feira será um dia difícil no trabalho, então eu vou depois para casa me cortar”, ou “gosto de me cortar para me acalmar e dormir”, ou “tenho muito contato com cachorros, então me corto e digo que fui arranhado por um cachorro”. Se elas conseguem planejar assim, não seguem o modelo psicológico. E ensinam aos outros o modo certo de se cortar, de procurar ajuda, de se diagnosticar, se aceitar e interpretar o fenômeno. É um modo de se identificar. Está virando uma tendência, uma moda. E competem para ver quem sofre mais, quem tem mais dor.
Até que ponto os grupos sobre autolesão na internet incentivam a prática?
Patricia – Como ocorre com a anorexia, existem muitos tipos de grupos, desde os que são a favor da prática até os de pessoas que querem parar ou já pararam. É um fenômeno internacional. Falamos com gente de diversos países da Europa, da América do Sul e da Oceania. Os adeptos da autolesão querem achar outras pessoas como eles e falar sobre isso. É uma oportunidade para contornar o tabu. Há muito isolamento lá fora. Para eles, é importante encontrar outras pessoas que fazem o mesmo e achar as normas da comunidade.
É um fenômeno mais feminino?
Patricia – As mulheres tendem a fazer cortes menores em lugares escondidos, com lâminas afiadas, para produzir cicatrizes pequenas. Os homens tendem a fazer cortes maiores, mais longos e profundos, em lugares aparentes. Nessas comunidades, quando os homens se cortam dessa forma masculina e falam sobre o assunto abertamente, os outros aceitam. O mesmo vale para mulheres que fazem cortes pequenos e escondidos e não falam sobre isso. Mas, quando elas violam as regras de gênero e se cortam de forma mais bruta, são malvistas nas comunidades virtuais. O mesmo vale para homens que fazem cortes pequenos. São chamados de cortadores emo. Alguns dizem: “Você não sofre de verdade, só quer aparecer”.
Esse comportamento tem fim?
Patricia – Existe uma espécie de ciclo natural. As pessoas geralmente começam no colegial. Quando vão para a faculdade, conseguem fazer novos amigos com quem se identificam e param de se cortar. Algumas param quando começam a namorar ou casam. Ou quando arranjam um emprego e não querem que vejam as cicatrizes no trabalho. Algumas deixam de se ferir quando têm filhos e não querem ser um exemplo negativo. Algumas pessoas param porque vão para a terapia e começam a trabalhar outras formas de expressar a dor emocional e se ajudar. Outras tomam antidepressivos. Muitas vão para a internet e entram em uma comunidade. Lá encontram pessoas que as entendem e ajudam a parar. Existem até mesmo clínicas especializadas caríssimas para pessoas que se machucam. Falei com algumas pessoas que foram para essas clínicas. Elas têm estadia mínima de um mês e custam pelo menos US$ 1.000 por dia. Mas funcionam.
Época
QUEM É
Socióloga da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. Casada com o sociólogo Peter Adler, com quem escreveu diversos livros e no ano passado recebeu um prêmio da Sociedade de Estudo da Interação Simbólica
O QUE PUBLICOU
The tender cut (algo como O corte delicado) é o quarto livro que Patricia e seu marido publicam. Lançado em agosto nos Estados Unidos, não tem previsão para sair no Brasil
Por que as pessoas se automutilam?
Patricia Adler – Existem dois motivos. Alguns estão tão massacrados e deprimidos por seus sentimentos que se cortam para expressar a dor e exteriorizá-la. Outros estão tão esgotados por seus sentimentos que se cortam para tentar não pensar mais nos problemas. As pessoas se cortam tanto para conseguir lidar melhor com seus sentimentos como para tentar ignorá-los e parar de sentir. É mais comum entre adolescentes, embora hoje vá até os 30 anos. Até os anos 1980, as pessoas achavam que quem se cortava era suicida ou doente mental. Eles eram postos em hospitais e tratados como loucos. Não falavam para ninguém. Isso mudou nos anos 1990, quando celebridades começaram a admitir que se cortavam. Como Angelina Jolie, Demi Lovato, Johnny Depp e até a princesa Diana. No começo dos anos 2000, a internet promoveu uma nova transformação. As pessoas começaram a postar em blogs seus diários e fotos. A automutilação virou uma expressão muito pesada para traduzir uma atitude comum entre jovens com dificuldades para crescer. Em vez disso, o termo amenizado passou a ser “autolesão” (self-injury, em inglês).
Como uma pessoa pode começar a se agredir por influência de um ídolo ou astro de rock?
Patricia – Não é tão simples. Foi a criação de uma cultura tolerante à autoagressão. Os jovens começaram a ver depoimentos de celebridades que faziam esse tipo de coisa, dizendo “quando eu me cortava, me sentia mais forte, mas agora parei e não faço mais”. Alguns jovens ignoraram a parte do “eu não faço mais isso” e pensaram: “Se elas se sentiam mal, se cortavam e melhoravam, talvez seja uma boa ideia para quando não me sinto bem”. Virou um comportamento de cópia. Esse comportamento ficou socialmente disseminado. Um fenômeno psicológico vem de dentro. Mas com a autolesão vemos que virou um fenômeno socialmente aprendido e difundido. As pessoas não se cortam porque têm desordem de personalidade e patologias psiquiátricas. Elas se cortam porque acham a vida dura.
São distúrbios mentais?
Patricia – De acordo com a definição da psicologia, as pessoas se cortam porque têm um impulso incontrolável. E não conseguem parar. Mas muitas pessoas que a gente entrevistou planejavam seus ferimentos de forma racional. Elas pensavam: “Terça-feira será um dia difícil no trabalho, então eu vou depois para casa me cortar”, ou “gosto de me cortar para me acalmar e dormir”, ou “tenho muito contato com cachorros, então me corto e digo que fui arranhado por um cachorro”. Se elas conseguem planejar assim, não seguem o modelo psicológico. E ensinam aos outros o modo certo de se cortar, de procurar ajuda, de se diagnosticar, se aceitar e interpretar o fenômeno. É um modo de se identificar. Está virando uma tendência, uma moda. E competem para ver quem sofre mais, quem tem mais dor.
Até que ponto os grupos sobre autolesão na internet incentivam a prática?
Patricia – Como ocorre com a anorexia, existem muitos tipos de grupos, desde os que são a favor da prática até os de pessoas que querem parar ou já pararam. É um fenômeno internacional. Falamos com gente de diversos países da Europa, da América do Sul e da Oceania. Os adeptos da autolesão querem achar outras pessoas como eles e falar sobre isso. É uma oportunidade para contornar o tabu. Há muito isolamento lá fora. Para eles, é importante encontrar outras pessoas que fazem o mesmo e achar as normas da comunidade.
É um fenômeno mais feminino?
Patricia – As mulheres tendem a fazer cortes menores em lugares escondidos, com lâminas afiadas, para produzir cicatrizes pequenas. Os homens tendem a fazer cortes maiores, mais longos e profundos, em lugares aparentes. Nessas comunidades, quando os homens se cortam dessa forma masculina e falam sobre o assunto abertamente, os outros aceitam. O mesmo vale para mulheres que fazem cortes pequenos e escondidos e não falam sobre isso. Mas, quando elas violam as regras de gênero e se cortam de forma mais bruta, são malvistas nas comunidades virtuais. O mesmo vale para homens que fazem cortes pequenos. São chamados de cortadores emo. Alguns dizem: “Você não sofre de verdade, só quer aparecer”.
Esse comportamento tem fim?
Patricia – Existe uma espécie de ciclo natural. As pessoas geralmente começam no colegial. Quando vão para a faculdade, conseguem fazer novos amigos com quem se identificam e param de se cortar. Algumas param quando começam a namorar ou casam. Ou quando arranjam um emprego e não querem que vejam as cicatrizes no trabalho. Algumas deixam de se ferir quando têm filhos e não querem ser um exemplo negativo. Algumas pessoas param porque vão para a terapia e começam a trabalhar outras formas de expressar a dor emocional e se ajudar. Outras tomam antidepressivos. Muitas vão para a internet e entram em uma comunidade. Lá encontram pessoas que as entendem e ajudam a parar. Existem até mesmo clínicas especializadas caríssimas para pessoas que se machucam. Falei com algumas pessoas que foram para essas clínicas. Elas têm estadia mínima de um mês e custam pelo menos US$ 1.000 por dia. Mas funcionam.
Época
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