Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) estão testando, de maneira experimental, o uso de injeções de ácido acetilsalicílico – a popular aspirina – no tratamento de endometriose, uma doença ginecológica crônica que atinge, em média, 15% das mulheres em idade fértil.
A pesquisa está sendo conduzida pelo professor Rogério Saad Hossne, do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Unesp. Antes de começar a avaliar o uso de aspirina em endometriose, Hossne já havia testado a eficácia da droga em outros modelos experimentais.“Já tínhamos observado, em outras pesquisas, que a aspirina promove uma destruição do tecido. Essa necrose é absorvida pelo próprio organismo e no local fica apenas uma cicatriz”, afirma. Hossne então decidiu avaliar se a aspirina promoveria o mesmo efeito na endometriose de coelhas. Selecionou 40 animais: 20 receberam o medicamento e 20 foram separados para o controle.
Como coelhas não têm endometriose espontaneamente, o pesquisador precisou induzir a doença em cada uma delas. Para isso, coletou um pedaço do endométrio de cada uma e o fixou nas respectivas cavidades abdominais.
Trinta dias depois, os pesquisadores observaram que o foco de endometriose havia crescido e estava medindo cerca de 1 cm. Parte das coelhas recebeu aspirina ou soro fisiológico no foco da lesão um dia depois e a outra metade recebeu o mesmo tratamento dez dias depois.
Segundo Hossne, tanto no grupo de coelhas que recebeu aspirina um dia depois quanto no grupo que recebeu a droga dez dias depois, o tamanho do foco de endometriose foi reduzido entre 50% e 60%. No mesmo período, as coelhas que receberam soro fisiológico mantiveram o foco da endometriose do mesmo tamanho.
“Observamos uma redução significativa do tamanho do foco nas coelhas que receberam aspirina. Esse resultado abre perspectivas para testarmos a técnica em mais um modelo animal para depois testarmos os benefícios em mulheres”, afirma Hossne.
Atualmente, o tratamento da endometriose é medicamentoso – com remédios para reduzir as dores e evitar o crescimento dos focos da doença. E também pode ser cirúrgico, em casos mais graves, quando há mais tecido fora do útero e relatos de dores muito fortes. A ideia de Hossne é encontrar uma outra via de tratamento, que não seja cirúrgico.
Mulheres
Apesar de os resultados em coelhas serem positivos, Hossne diz que outras etapas precisam ser cumpridas antes que a técnica seja testada em mulheres. O próximo passo da pesquisa será repetir o estudo em porcas. A previsão do pesquisador é de que os testes em humanos ainda demore um pouco.
“Deve demorar pelo menos mais um ano para iniciarmos os testes em mulheres”, diz Hossne. “A dificuldade com seres humanos é que os focos de endometriose geralmente estão escondidos, o que torna mais difícil chegar até eles”, acrescenta.
Na opinião de Maurício Abrão, responsável pelo setor de endometriose do Hospital das Clínicas de São Paulo, os resultados obtidos até agora aparentemente são promissores. “O grupo que está pesquisando é bastante sério. Além disso, existe uma corrida no mundo todo para descobrir novos métodos terapêuticos para tratar a endometriose. Os resultados desse estudo abrem caminhos, mas ainda deve demorar para estar na prática clínica”, diz Abrão.
Eduardo Schor, responsável pelo setor de endometriose da Unifesp, também diz que qualquer tratamento para a endometriose que não seja hormonal é bem-vindo. Ele ressalta, entretanto, que os resultados em coelhas ainda são muito iniciais.
“Não sabemos se o efeito da aspirina será imediato, não sabemos quantas aplicações serão necessárias para tratar a mulher. O ideal seria testar agora em primatas, que também menstruam e têm endometriose naturalmente. Nesses casos, o resultado se aproximaria mais do corpo da mulher”, pondera.
Na avaliação dele, o fato de o tratamento ser de ação local (de injetar a aspirina no foco da doença) pode dificultar o uso com mulheres. “A gente busca uma medicação de ação sistêmica. Se eu precisar abrir a mulher para encontrar o foco e injetar a aspirina é melhor eu fazer a cirurgia de uma vez e retirar tudo”, analisa Schor.
Os resultados do trabalho foram apresentados no Congresso Mundial de Endometriose, realizado no mês passado, na França.
Fernanda Bassette
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