Timidez também tem suas vantagens, dizem especialistas
Está mais difícil cultivar o temperamento "para dentro". Dê um Google e veja: "perder a timidez" e "vencer a timidez" lideram as buscas sobre o tema."Nossas instituições estão montadas para acomodar o talento dos extrovertidos. O introvertido fica de lado, gastando energia na tentativa de ser diferente", diz a autora americana Susan Cain.
Tímida confessa, ela diz que graças a isso pôde formar alianças e negociar, nos sete anos em que advogou para grandes corporações.
"A impressão de que ser tímido é uma desvantagem não é verdadeira", disse Cain à Folha. "Para ser criativo, você deve tolerar a solidão."
Ela diferencia timidez e introversão: uma é o medo de julgamento social e atinge metade das pessoas; outra é a preferência por ficar em lugares tranquilos e com poucos estímulos, tendência encontrada em cerca de um terço da população, segundo as estimativas da autora.
Hoje, Cain mantém um blog com pesquisas sobre o "poder dos introvertidos" e se prepara para lançar o livro "Quiet" (quieto) nos EUA.
Em artigo publicado em junho no "New York Times", Cain afirmou que tímidos e introvertidos correm menos risco de ser internados, de se envolver em acidentes e são predispostos a aprender e a manter uma relação afetiva.
Ainda assim, conclui, timidez e introversão dividem o mesmo status depreciativo.
"NETWORKING"
Nos últimos cinco anos, aumentou a preocupação dos pais com a timidez dos filhos, na percepção da pedagoga Maria Claudia Poletto.
"Eles acham que serão chamados à escola só porque o filho é tímido, como se fosse um comportamento errado."
Aluno falante nem sempre é bom, lembra ela. "Quem fala muito fala besteira. Para se colocar no grupo, tem que falar algo pertinente."
Essa pressão é reflexo das exigências sociais na escola. "Os pais transportam para a vida das crianças o que é importante para eles. Acham que dormir na casa do amiguinho é 'networking'."
O professor de expressão verbal Reinaldo Polito estima atender 1.600 alunos anualmente no curso que leva seu nome e nas outras instituições onde que leciona. Uns querem se desinibir, outros querem perder o medo de falar em público.
"A pessoa está condenada a falar bem", afirma Polito. "Tudo, hoje, leva a pessoa a interagir." Para falar bem, seus alunos aprendem a contar histórias e a fazer as perguntas "certas", capazes de alimentar uma conversa.
"Num processo seletivo, o candidato será avaliado pela forma como se comunica, já que formação não é mais o diferencial."
MEDO DE CONTATO
O agente fiscal Alexandre de Aguiar Júnior, 28, prestou concurso público para fugir das entrevistas de emprego. "Gaguejava, ficava vermelho, suava", conta.
Suas dificuldades não acabaram. "Durante o dia preciso ficar falando ao telefone o tempo todo. Se pudesse, teria um trabalho que não exigisse falar com ninguém."
Casos extremos podem se enquadrar no diagnóstico de fobia social. O medo da avaliação externa é tanto que a pessoa evita o contato social.
Para tratar a fobia, o terapeuta pode, aos poucos, expor o paciente a situações sociais que ele teme.
Timidez não é doença, e sim estilo, reforça a psicanalista Norma Semer. Segundo ela, o tímido ainda leva uma vantagem em relação aos desinibidos: ele pensa bem antes de decidir, é mais cuidadoso. "Agir sem pensar é um perigo. Leva a uma falta de consideração pelo outro e pela realidade."
O universitário Haiser Ferreira, 22, acredita que sua introspecção o torna mais sensível ao sofrimento alheio. "Ouço mais do que falo."
Haiser conheceu a namorada pela internet, em uma comunidade de tímidos, moderada por ele. "É mais fácil fazer amigos lá, as pessoas não estão te vendo e são parecidas com você."
Folha
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