O cérebro dos magros e dos obesos reage de maneira diferente aos estímulos gerados por alimentos, indica pesquisa feita na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
O trabalho aponta indícios de que o cérebro dos obesos tem uma disfunção --causada por inflamações-- que prejudica o mecanismo de controle da saciedade. E sugere ainda a possibilidade de que, após emagrecer, o obeso recupera a capacidade de se sentir satisfeito.Segundo Simone van de Sande Lee, autora do estudo, trabalhos anteriores, com animais, identificaram uma inflamação no hipotálamo, região do cérebro responsável pelo gasto de energia e controle da fome.
Com isso, a leptina, hormônio que indica saciedade, não era identificada pelo organismo dos obesos, gerando mais vontade de comer.
"Em situações normais, o cérebro capta essa informação do hormônio e a transforma em estímulo para parar de comer. Os indícios mostram que a obesidade decorre, entre outros fatores, de um erro no processamento dessa informação", afirma.
RESSONÂNCIA
No estudo, oito pacientes magros e 13 obesos foram submetidos a uma ressonância magnética funcional (que registra uma sequência de imagens do cérebro). Os obesos fizeram o teste antes e depois de uma cirurgia de redução de estômago.
Todos receberam 50 g de glicose diluída em 200 ml de água durante o exame.
Em todos os voluntários, a ativação dos neurônios no hipotálamo atingiu um pico após a ingestão da glicose. Ela se manteve alta por 30 minutos nos pacientes magros, mas caiu em apenas dez minutos nos obesos.
Depois da cirurgia, os pacientes obesos emagreceram e recuperaram parcialmente essa atividade, chegando mais perto dos índices dos pacientes magros.
"Acreditamos que a atividade neuronal indique, nos pacientes magros, o processamento da leptina. Eles mantêm o estímulo de saciedade por mais tempo", diz a pesquisadora.
Quando os obesos perderam peso, foi encontrada uma quantidade maior de substâncias anti-inflamatórias no líquor (líquido que envolve o cérebro). Essas substâncias combatem a inflamação que prejudica a identificação da leptina e a sensação de saciedade que ela sinaliza.
RESSALVAS
Para o médico Ricardo Meirelles, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o trabalho "chama a atenção pela possibilidade de reverter as alterações [cerebrais]". Mas, diz ele, há fatores culturais e psicológicos a serem considerados na obesidade.
A endocrinologista Cíntia Cercato, da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), afirma que a possibilidade de reverter a resistência à leptina traz muitos benefícios, "até mesmo em funções cognitivas".
Já o neurologista da USP Paulo Jannuzzi ressalta que há outros mecanismos a serem considerados.
"É possível o paciente já se sentir saciado, mas querer comer pelo prazer. Mas, se estudos indicarem um caminho novo para lidar com parte desse comportamento, já é um avanço".
MARÍLIA ROCHA
Folha
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