Paulo Coelho
Do controle absoluto
Todo ser humano sabe a melhor maneira de estar em paz com a vida. Alguns precisam de um mínimo de segurança, outros se entregam sem medo.
Não existem fórmulas para viver o próprio sonho – cada um, ao escutar seu próprio coração, saberá a melhor maneira de agir.
O escritor americano S. Anderson sempre foi um rebelde, e só conseguia escrever movido por sua própria rebeldia. Seus primei¬ros editores, preocupados com a situação de miséria que Anderson vivia, resolveram enviar um cheque semanal como adiantamento de sua próxima novela. Depois de um mês, receberam a visita do escritor – que devolveu todos os cheques.
“Faz tempo que não consigo escrever uma linha”, disse Anderson. “Para mim, é im¬possível trabalhar com a segurança financeira me olhando do outro lado da mesa”.
O que é velhice
Ana Cintra conta que seu filho pequeno – com a curiosidade de quem ouviu uma nova palavra, mas ainda não entendeu seu significado – perguntou-lhe:
“Mamãe, o que é velhice?”
Na fração de um segundo antes da resposta, Ana fez uma verdadeira viagem ao passado. Lembrou-se dos momentos de luta, das dificuldades, das decepções. Sentiu todo peso da idade e da responsabilidade em seus ombros.
Tornou a olhar para o filho que, sorrindo, aguardava uma resposta.
“Olhe para meu rosto, filho”, disse ela. “Isso é a velhice”.
E imaginou o garoto vendo as rugas, e a tristeza em seus olhos.
Qual não foi sua surpresa quando, depois de alguns instantes, o menino responde:
“Mamãe! Como a velhice é bonita!”
Da vaidade
O guerreiro da luz senta-se com seus companheiros em torno de uma mesa. Ali, comenta suas conquistas – e os estranhos que se juntam ao grupo são bem-vindos, porque um guerreiro tem orgulho de sua vida e do Bom Combate.
O guerreiro sabe como é importante dividir sua experiência com os outros. Fala com entusiasmo de seu caminho, conta como resistiu a certo desafio, que solução encontrou para um momento difícil. Quando guerreiros contam histórias, revestem suas palavras de paixão e romantismo.
Os guerreiros sabem como é importante compartilhar. Lembram-se de seus antepassados, que sentavam-se em torno da fogueira, dizendo as mesmas coisas num outro idioma.
E fazem a mesma coisa. Mas jamais confundem orgulho com vaidade.
Procurando a melhor cura
A má interpretação da Nova Era pode gerar confusões perigosas. Uma delas se refere à saúde: acredita-se que a mente é capaz de tudo, que as coisas só acontecem conosco porque permitimos. Não é nem nunca será assim. Uma coisa é o poder da prece – capaz de operar milagres. Outra coisa é deixar-se dominar por um sentimento de onipotência que pode ser fatal.
Uma amiga próxima foi submetida a uma cirurgia de emergência. Soubemos depois que tivera apendicite, e que fora internada em estado gravíssimo. Quando já se recuperava, o médico foi conversar com ela:
-A apendicite dá muitos sinais; dores, febre alta, etc. Por que não veio antes?
-Vejo a doença como uma resposta do corpo a um enfraquecimento da mente – respondeu ela. – Tentei lutar por mim mesma.
E, por causa disto, quase morreu. Muito cuidado, gente.
Da gota
A leitora Suzana me relembra uma velha história:
Certo dia, a floresta pega fogo – e os animais saem correndo, em busca de um lugar. Enquanto foge, a macaca nota um passarinho voando em direção às chamas.
“O que você está fazendo?”, pergunta a macaca. “Não vê que a floresta incendiou-se?”
“Sim’, responde o passarinho. “Mas estou levando algumas gotas de água no meu bico, para apagar o fogo”.
A macaca ri. “Passarinho burro e convencido”, diz ela. “Como você pode apagar aquele fogo com algumas gotas de água?”
“Sei que não posso”, responde o passarinho. “Mas, pelo menos, estou fazendo a minha. Se todos fizessem, conseguiríamos dominar as chamas”.
A arte da guerra
“A arte da guerra”, de Chuan Tzu – escrito há quase 3.000 anos – mostra o que um guerreiro deve saber antes de entrar numa batalha. O guerreiro da luz deve sempre lembrar-se destas cinco regras básicas:
A fé: antes de entrar numa batalha, é preciso acreditar naquilo pelo qual se está lutando.
O companheiro: escolha seus aliados e aprenda a lutar acompanhado, porque ninguém vence uma guerra sozinho.
O tempo: uma luta no inverno é diferente de uma luta no verão, e um bom guerreiro está sempre prestando atenção no momento certo de entrar no combate.
O espaço: não se luta num desfiladeiro da mesma maneira que se luta numa planície. Considere o que existe a sua volta e qual a melhor maneira de mover-se.
A estratégia: o melhor guerreiro é aquele que planeja seu combate.
Nunca pensar no outro caminho
“Uma vez que escolhemos um caminho, precisamos esquecer todos os outros”, dizia o mestre aos seus aprendizes.
Lowon, o discípulo que não sabe aprender, escuta com atenção.
Na saída da conferência, Lowon é convidado por um grupo de pessoas para realizar uma palestra num bar.
“Recuso qualquer pagamento”, diz Lowon. “Fiz minha escolha, sou um servidor, quero divulgar a palavra da Fé”.
O grupo fica contente, e Lowon dá a palestra. No final, pergunta: “apenas por curiosidade, eu gostaria de saber: quanto dinheiro eu recusei?”
Ao saber do excelente pagamento que lhe seria feito, Lowon sente-se explorado pelo grupo que o convidou, e vai queixar-se com o mestre.
“Quando a gente faz uma escolha, deve sempre esquecer as outras alternativas. O homem que segue um caminho, e fica pensando no que perdeu ao abandonar os outros, nunca chegará a lugar nenhum”, é a resposta do mestre.
O que é a sabedoria
Uma história sufi nos fala de um homem que vivia na Turquia, quando escutou falar de um grande mestre que morava na Pérsia, e que detinha o segredo da sabedoria.
Sem hesitar, vendeu suas coisas, despediu-se da família, e foi em busca do tal segredo.
Depois de anos viajando, conseguiu chegar diante da cabana onde morava o grande mestre. Cheio de temor e respeito, aproximou-se e aguardou que o sábio voltasse de seu passeio matinal.
“Venho da Turquia”, disse, assim que o sábio apareceu. “Fiz esta viagem inteira para fazer apenas uma pergunta”.
“Está bem. Pode fazer apenas uma pergunta”.
“Preciso ser claro no que vou perguntar; posso fazer a pergunta em turco?”
“Pode”, disse o sábio. “E já respondi sua única pergunta. Qualquer outra coisa que quiser saber, pergunte ao seu coração; não é preciso viajar tanto para descobrir que ele é o melhor de todos os conselheiros”.
E fechou a porta.
Isso vai funcionar também conosco
Uma fábula do escritor libanês Mikail Naaimé pode ilustrar bem o perigo de seguir os métodos dos outros, por mais nobres que pareçam ser:
“Precisamos nos libertar da escravidão que o homem nos mantém”, disse um boi aos seus companheiros.
“Durante anos, escutamos os seres humanos dizendo que a porta da liberdade está manchada com o sangue dos mártires. Vamos descobri-la e entraremos ali com a força dos nossos chifres”.
Caminharam durante dias e noites pela estrada, até que viram uma porta toda manchada de sangue.
“Eis a porta da liberdade”, disseram. “Sabemos que nossos irmãos foram sacrificados aí”.
Um a um, os bois foram entrando. E só lá dentro, quando já era tarde demais, foi que se deram conta: era a porta do matadouro.
Mestre de sua espada
Uma espada pode durar pouco. Mas o guerreiro precisa durar muito.
Por isso não se deixa enganar por sua própria capacidade e evita ser apanhado de surpresa. Ele dá a cada coisa o valor que ela merece ter.
Muitas vezes, diante de assuntos graves, o demônio sopra em seu ouvido: “não se preocupe com isto, porque não é sério”.
Outras vezes, diante de coisas banais, o demônio lhe diz: “você precisa dedicar toda a sua energia para resolver esta situação”.
O guerreiro não escuta o que o demônio está dizendo. Ele é o mestre de sua espada.
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