6.09.2010

A brasileira moderna faz 30 anos



TV Mulher. Programa que redefiniu a mulher nos anos 80 cairia bem ainda hoje
Marco feminino. Para Marília Gabriela, a mulher da geração que veio depois do programa passou a ter poder de escolha. A foto reproduzida acima mostra a equipe do TV Mulher.

Se fosse para levar em consideração apenas o que está no ar hoje na TV, não daria para dizer com muita certeza que a mulher brasileira evoluiu. Ao que parece, todo aquele jeito "pra frentex" do programa TV Mulher, para usar um termo da época, ficou em algum lugar do caminho de três décadas que a televisão percorreu desde que ele estreou, em 1980. Neste trecho da entrevista que concedeu ao Estado, a jornalista, atriz e cantora Marília Gabriela relembra o programa de que parece ter grande orgulho, reflete sobre a relação da mulher brasileira com a televisão de hoje e responde a perguntas de entrevistadoras especialmente convidadas pelo TV - Ana Maria Braga, Silvia Poppovic e Regina Duarte.

O TV Mulher é uma referência na história da televisão, mas se olharmos os programas femininos de hoje em dia, não parece que ele fez escola - voltamos aos trabalhos manuais e à culinária. Por quê?

Acho que aconteceu que a mulher da geração que veio depois do programa passou a ter poder de escolha. E só se pode constatar que muitas escolheram viver como antes, recolhidas a seus lares. Um dado impressionante é que o programa saiu do ar (em 1986) por falta de audiência.

Mas você acha que a mulher de hoje ainda precisa de um programa segmentado? Ela não poderia, por exemplo, se interessar por todos os assuntos, não só os "assuntos de mulher"?

Acho que a mulher deve se interessar por outros assuntos, e eu adoraria que ela se interessasse, mas ainda acho que há mulheres que não têm consciência dos seus direitos. Ainda há mulheres para quem caberiam as informações que a gente passava pelo TV Mulher. Infelizmente. Claro que sempre me tratei como um ser humano qualquer, sempre me informei como se fosse um homem, quando os nossos direitos eram muito distintos. Então, espero que haja toda uma geração que se interessou por tudo, mas ainda acho que há mulheres que, por certas circunstâncias, não têm acesso a esse tipo de conhecimento. E um programa com as características do TV Mulher ajudaria muita gente.

Até as mulheres da minha idade, que são filhas da TV Mulher?

Mulheres da sua idade, mas com condições sociais menos privilegiadas que a sua, com certeza, poderiam contar com um auxílio luxuoso como o da TV Mulher.

Mas você é otimista, acha que desde o TV Mulher andamos para frente ou você é saudosista, e acha que aquela geração impetuosa foi melhor?

Não sou nada saudosista, não tenho saudade de nada na minha vida. Mas, olha, acho que por mais evoluídas que estamos, existe em nós uma natureza contrariada. Até hoje, eu, a mulher símbolo da TV Mulher, convivo com culpas, porque tento compensar meus filhos da infância que acho que foi muito perturbada por eu ter me dedicado a me realizar na minha profissão. É neste sentido que eu acho que, por mais que tenhamos evoluído, existe uma natureza contrariada. As feministas podem querer me matar pelo que estou dizendo, mas existe uma natureza hormonal que é incontestável, uma vocação para a maternidade, para o cuidar do outro, que até hoje entra em choque com tudo o que nós desejamos tanto e conseguimos.

Não é uma ironia, que justamente você, modelo de mulher, seja mãe de meninos?

(risos) Foi um desejo louco, sabia? Você vê que eu sou grandona, falo assertivamente, tenho uma postura um pouco agressiva. E sempre tive vontade de ter filhos homens porque pensava que não teria a delicadeza necessária para criar uma bebezinha mulher. E também tinha a imensa curiosidade do universo masculino. Os meus filhos permitiram esse conhecimento e a compreensão maior do que eu tenho diferente de mim. Acho lindo a menininha de laço, sapatinho, meinha, mas sempre gostei da camiseta e do jeans. Em compensação, as mulheres que passaram pelas mãos dos meus filhos são muito melhor tratadas, entendidas, compreendidas. É tudo perfeito.

ELAS QUEREM SABER:


ANA MARIA BRAGA

Você foi uma das grandes responsáveis pela mudança de comportamento da tevê brasileira nas manhãs. Depois de 30 anos, quais entrevistas ou quadros do TV Mulher você destacaria?

"Sempre me lembro da madrinha do TV Mulher, a Elis Regina dizendo no ar que a mulher brasileira vivia o dilema de estar com um pé na lua e um pé na mucama. Na época me pareceu tão definitivo e ainda é tão atual. Um quadro revolucionário foi o que tornou a Marta Suplicy conhecida. Foi a primeira vez que se falou tão abertamente na TV sobre sexo. É um quadro necessário ainda hoje, para tirar fantasmas, preconceitos e prejuízos sociais que decorrem da falta de conhecimento da sexualidade humana. É um momento muito importante da televisão brasileira."

REGINA DUARTE

Como você vê, nos últimos anos, a evolução (se é que houve) de conscientização das brasileiras no que se refere a planejamento familiar?

"O planejamento familiar deveria ser tratado com mais seriedade e interesse no País. Acho que existem forças contrárias em diversos nichos da sociedade à massificação do conhecimento do planejamento familiar e sua necessidade. A questão do aborto é um problema, porque ainda morrem mulheres sem recursos e sem conhecimento para controle da natalidade. E as mulheres privilegiadas fazem aborto cotidianamente sem qualquer agressão à sua saúde. Quem sabe não está no planejamento familiar a primeira semente para tirar as crianças das esquinas?"

SILVIA POPPOVIC

Depois de tantos entrevistados polêmicos, importantes, famosos, bacanas e influentes, você ainda se diverte entrevistando? Quais os momentos sinceramente emocionantes em uma entrevista?

"Sim, ainda me interesso muito por qualquer pessoa que eu entreviste porque ainda não tenho as minhas respostas. Ainda não respondi o básico sobre mim, que é o por quê, pra onde, de onde... Essas indagações sem resposta estão dentro de todas as perguntas que faço para os entrevistados. Os momentos emocionantes são aqueles em que as pessoas se despem o máximo possível de suas máscaras e, de repente, se mostram mais humanizadas e, daí, mais parecidas comigo e todo mundo."

Patrícia Villalba
Estadão

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