8.14.2011

O poder da fofoca

A fofoca não tem boa fama, mas a informação transmitida por meio desse mecanismo de comunicação é considerado importante na formação e manutenção das relações entre humanos. Pela fofoca sabemos o que esperar de futuras interações com outros membros do grupo.

Claro que muitas vezes a informação é distorcida, mas a maioria dos estudos demonstra que ela pode ser muito útil. Cientistas que estudam macacos descobriram que esses animais, apesar de não possuírem a capacidade de comunicação verbal dos humanos, também fofocam. Eles obtêm informações sobre outros membros do grupo observando seu comportamento em atividades como a retirada de parasitas, o compartilhamento da comida e jogos corporais que simulam confrontos.
Na realidade, a fofoca altera nosso comportamento frente às pessoas sobre as quais fofocamos. Até agora se acreditava que essa modificação era mediada por nosso sistema cognitivo consciente ("Sei que ele é agressivo, portanto vou agir cuidadosamente"). Mas um experimento simples demonstrou que a natureza da informação que recebemos pela fofoca altera o funcionamento de nosso sistema visual independentemente de nossa vontade consciente.
O experimento usa uma característica muito estudada de nosso sistema visual. Quando cada um de nossos olhos é submetido a uma imagem distinta, nossa atenção se divide entre as duas imagens. Primeiro observamos uma das imagens e depois a outra - e assim sucessivamente, até satisfazermos nossa curiosidade. Isto ocorre porque nossa consciência não é capaz de se concentrar simultaneamente nas duas imagens e o sistema visual, operando sem controle da consciência, seleciona uma por vez.
Você pode repetir essa observação colocando dois objetos sobre uma mesa, separados por um pedaço vertical de papelão. Se você se debruçar sobre esses dois objetos de modo que o papelão garanta que cada olho só consiga observar um deles, você vai perceber que sua atenção flutua entre ambos.
O efeito é melhor se outra pessoa colocar em cada um de seus campos visuais objetos que você não havia observado com os dois olhos. Usando um sistema de duas teclas ligadas a dois cronômetros, você pode medir o tempo que seu cérebro se concentra em cada um dos objetos. Um aparato como esse foi usado para medir o efeito da fofoca sobre nosso sistema visual.
O experimento foi feito com grupos de cerca de 300 pessoas. Numa primeira fase, os voluntários observavam fotos de faces. Simultaneamente, era apresentada uma fofoca (por escrito) sobre esta pessoa. A frase poderia ter conotação social negativa ("atirou uma cadeira num colega"), positiva ("ajudou uma idosa a atravessar") ou neutra ("cruzou com uma pessoa na rua").
Imagem. Após observarem os pares de fotos e frases, essas pessoas eram colocadas em um aparelho capaz de projetar em cada olho uma imagem. Enquanto um dos olhos era submetido à foto de uma das faces, o outro via a foto de uma casa. O tempo que o cérebro dedicava a cada uma foi medido. Observou-se que o sistema visual divide o tempo que a imagem de cada olho ocupa na consciência. Mas se a face visualizada por um olho tivesse sido associada a uma fofoca negativa, o tempo gasto pelo cérebro examinando a imagem era muito maior que o tempo gasto caso a face tivesse sido associada a uma fofoca neutra ou positiva.
Será que bastava o fato ser negativo ou teria de ser socialmente negativo? Para testar esta possibilidade, outros voluntários se submeteram ao experimento, mas as frases foram trocadas de modo a prover informações negativas ("extraiu um dente"), positivas ("sentiu o calor do Sol na face") ou neutra ("fechou a cortina"), mas sem conotação social. Nesses casos, a informação não influenciava o tempo que o sistema visual apresentava a face à consciência.
Esse resultado demonstra que provavelmente estamos pré-programados a prestar atenção em pessoas que foram alvo de fofocas socialmente negativas. Não é sem razão que muitos políticos seguem à risca o mote "falem mal, mas falem de mim", uma maneira segura de garantir que, mesmo inconscientemente, daremos mais atenção a suas faces numa urna eletrônica.
Fernando Reinach -
O Estado de S.Paulo

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