1.02.2014

O triste papel da oposição e da mídia no Brasil


Por: Ignacio Godinho Delgado


No longo prazo, objetiva-se com o PPA 2004-2007 inaugurar um processo de crescimento pela expansão do mercado de consumo de massa e com base na incorporação progressiva das famílias trabalhadoras ao mercado consumidor das empresas modernas (BRASIL-MPOG, 2003, Plano Plurianual 2004-2007 15).

1)  Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, e Marcos Paulino, do Datafolha, cederam recentemente às evidências já apontadas por Marcos Coimbra, do Vox Populi, e Ricardo Guedes, do Sensus: mantidas as circunstâncias atuais é praticamente certa a vitória de Dilma Roussef no primeiro turno das eleições presidenciais. A percepção de que nos últimos oitos anos a vida das pessoas melhorou, um orgulho difuso relativo a um certo protagonismo brasileiro na cena internacional e o desejo de ver assegurada a continuidade das ações desencadeadas no governo Lula têm sido apontados como os elementos decisivos na definição do voto, que já alcança mais de 80% de consolidação entre os eleitores de Dilma Roussef, ao passo que a rejeição a Serra varia entre 29% e 40%, entre as pesquisas divulgadas pelos principais institutos. O governo Lula conseguiu materializar um pacto através do consumo, por via do aprofundamento do dinamismo de nosso mercado interno, que articula empresários, trabalhadores e consumidores. Por que estes desejariam mudar alguma coisa? Neste caso, o que resta para a oposição brasileira e seus parceiros midiáticos (principalmente o Estadão, a Folha de São Paulo, as Organizações Globo e o Grupo Abril)? No limite, buscar o tal “fato novo” que, por seu potencial de causar escândalo, consiga não só erodir o apoio a Dilma como, tarefa hercúlea, dissolver parte da rejeição ao candidato tucano. Estão todos empenhados na tarefa. No caso do suposto vazamento do sigilo fiscal dos tucanos e da empresária filha do candidato, ao contrário do que recomenda um jornalismo de verdade, importa menos investigar todas as pistas (que poderiam levar a uma insólita associação de tucanos mineiros com o episódio), mas sim apontar petistas envolvidos, ainda que de filiação irregular ou cartorial, sem qualquer vínculo com a vida partidária ou a campanha de Dilma. A Folha, por seu turno, está escarafunchando a ascendência búlgara de Dilma, para ver se encontra algum podre situado em décadas passadas, além de requer ao STM a abertura do processo relativo à sua participação na resistência à ditadura militar. O que se quer? Afirmar que eventos familiares distantes, dissociados da trajetória de vida efetiva das pessoas, a condenam a algum destino irreparável? Quem escapa disto então? Não ecoa meio fascista este esforço? Quanto à participação de Dilma em organizações que optaram pela luta armada, o que se pretende? Mostrar algum episódio que revele um traço irreparável? Se for isto, porque esta não é uma questão relevante para o candidato tucano ou para Gabeira? Para a direita não vale? Ora bolas. A luta armada foi um erro político e estratégico. A maior parte dos que nela participaram reconhece isto. Este é, contudo, um juízo político e acadêmico. Não pode ser um juízo moral. Mesmo os clássicos do pensamento liberal afirmam o direito à sublevação em situações de opressão. Os jovens que foram às armas contra a ditadura eram movidos por um sentimento generoso: resistir á ditadura (que a Folha e as Organizações Globo sustentaram até o fim, o Estadão, justiça seja feita, apenas até 1968, enquanto a Veja era outra coisa, sob a batuta de Mino Carta), mudar o Brasil, alcançar o socialismo. Ingenuidade? Erro de diagnóstico? Por certo. Todavia, ainda que em meio a um balanço rigoroso e à crítica devida ao equívoco representando pela luta armada, temos que enaltecer a bravura e a coragem daquela “rapaziada que segue em frente e segura o rojão”, como na canção de Gonzaguinha. O que se quer, no entanto?  Jornalismo? Informação? Nada. O que se pretende é lançar na mídia peças publicitárias negativas para o alcance do intento apontado acima, de preferência ao final da campanha, quando não houver possibilidade de reação no horário eleitoral.

2)  Desde 2002 a oposição participa das eleições sem apresentar qualquer programa alternativo. Serra em 2002 quis vencer alardeando o medo da mudança. Alckmin em 2006 chegou a abjurar os vínculos dos tucanos com as privatizações vestindo um ridículo macacão com símbolos das estatais. Serra corteja Lula na TV, desce a ripa fora dela e não apresenta qualquer discurso coerente. Todos, sem exceção, escondem a participação tucana no governo federal, durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso. Ora, será que imaginavam que o PT não iria lembrar o eleitor da existência deste vínculo? Qual é a vantagem, pois, de esconder, se isto simplesmente não é possível? Por que não desenvolver um discurso que defenda o legado tucano para firmar uma referência crível e consistente de oposição, de modo a habilitar-se à disputa política como uma alternativa real? Ao esconder Fernando Henrique Cardoso e o legado tucano, sem entrar no mérito das medidas tomadas, o PSDB deixa órfãos eleitores permeáveis a um discurso que defenda consistentemente a política de privatizações, além de iniciativas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a criação de agências reguladoras, dentre outras ações que representaram uma perspectiva efetiva de alteração dos vínculos entre mercado e Estado no Brasil. Neste universo político brasileiro dominado pela marquetagem, alguém de talento saberia traduzir estes temas em boas peças publicitárias. Poderia não levar ao sucesso eleitoral agora (de resto muito difícil, dado o momento vivido pelo país), mas firmava uma alternativa, favorecia a consolidação de nosso sistema partidário e evitava a despolitização da campanha eleitoral, transformada em um espaço de denúncias histéricas. Ademais, a combinação de um moralismo udenista com temas típicos da extrema direita, que tem sido a marca do tucanato, tampouco rende dividendos eleitorais, além de afastar uma parcela importante da classe média, que pode até inclinar-se para uma posição liberal em termos econômicos, mas vê com desconfiança a truculência do discurso de direita.
3)  Se esconde o legado de seu governo nas campanhas eleitorais, o tucanato desenvolve em ambientes acadêmicos e círculos mais restritos um discurso diverso. Trata-se de afirmar que o governo Lula é, na verdade, igual ao dos tucanos, que teriam sobre o PT a vantagem da excelência gerencial. Lula, de fato, manteve diversos elementos da política macroeconômica do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (metas de inflação, controle da inflação via juros, câmbio flutuante, superávits primários constantes). È positivo a continuidade de políticas bem sucedidas e, sem dúvidas, o controle da inflação é uma conquista a ser preservada, especialmente para os estratos mais pobres da população. Todavia, mesmo na política macroeconômica, foram introduzidas mudanças importantes. A ampliação das reservas brasileiras reduziu nossa vulnerabilidade externa, tornando improvável que venhamos a quebrar, como ocorreu em 1998, após quatro anos e preservação irresponsável e demagógica da paridade cambial, no primeiro governo Henrique Cardoso.
Em outras ações o governo Lula preservou instrumentos criados no governo Henrique Cardoso, mas integrou-os a políticas de natureza totalmente diversa das levadas adiante sob o governo tucano. É o caso dos Fundos Setoriais e dos Fóruns de Competitividade, criados ao final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, de efetividade restrita neste, fortalecidos sob Lula, dentro de um conjunto de ações que configuram a reabilitação da política industrial como iniciativa prioritária do governo. No governo tucano, a política industrial evoluiu da condição de anátema, no primeiro mandato, para ocupar posição marginal nas ações do governo no segundo mandato, não obstante a presença de documento de governo sobre “política industrial” no primeiro (na verdade, um conjunto de generalidades sobre “reformas estruturais”, mercado e competitividade) e a ausência de qualquer documento geral sobre o tema no segundo. No governo Lula, seja com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), do primeiro mandato, seja com a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), do segundo mandato, reabilitou-se a idéia de política industrial e criaram-se diversos instrumentos para sua efetivação. Basta ver o papel do BNDES sob Fernando Henrique Cardoso, voltado para o financiamento das privatizações, e sob Lula, orientado para o estímulo ao desenvolvimento industrial, ainda que muitas de suas ações sejam objeto de controvérsias. Basta ver, também, o PAC, que recoloca o Estado brasileiro na indução ao crescimento, através do efeito multiplicador dos investimentos em infra-estrutura.
Outro exemplo importante é a política social. No governo Fernando Henrique Cardoso, a crença prevalecente de que o Estado esgotara parte substantiva de suas funções (derivada do casamento entre as prescrições neoliberais e a confiança ingênua no “terceiro setor”), levou à criação de uma rede chamada Comunidade Solidária, voltada à dinamização de ações filantrópicas e outras, que se casavam a iniciativas fragmentárias de transferência de renda (por exemplo o “vale gás”). Com Lula a política social passou a ser dirigida pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, reabilitando-se o papel do Estado e integrando iniciativas fragmentárias num único instrumento, a bolsa família. Ao lado do recorrente crescimento dos salários acima da inflação, tal política é a principal responsável pela redução da desigualdade de renda em níveis inéditos no país, nos últimos anos.
Poderíamos discorrer sobre outras ações do governo, mas o exposto acima é suficiente para salientar como no governo Lula, ao contrário do que era característico da passagem dos tucanos pelo governo federal, retoma-se um papel ativo do Estado, mesmo que isto ainda ocorra com problemas variados. O reforço do papel do Estado manifesta-se em diversas outras iniciativas, como as voltadas para a universidade, o apoio à pesquisa, na recuperação da capacidade operacional de diversos órgãos, via aumento das dotações e contratação de funcionários concursados. Não é a toa que a direita vocifera contra o aumento dos gastos de custeio. Na verdade, eles são ainda poucos face ao desmonte promovido com doze anos de experiência neoliberal.
4)  Sem discurso a oposição vive de denúncias. Não tem programa, porque busca esconder suas opções, materializadas nas ações do governo Fernando Henrique Cardoso. Seu projeto tornou-se o antipetismo simplesmente. Melhor seria retomar seu papel de proposição de um caminho alternativo para o Brasil. Quanto aos seus parceiros na mídia, além da afinidade ideológica que revelam com o discurso liberal, há algo mais rasteiro no ódio que alimentam por Lula e o PT. Não só o velho preconceito elitista. O problema é que os apóstolos do mercado se condoem da perda de sua importância com o desenvolvimento de novas mídias como a Internet, e sonham com um Estado que as restrinja. Os apóstolos do mercado não se conformam que o Estado brasileiro tenha, sob Lula, distribuído as verbas de propaganda do governo para mais de 1800 veículos em todo o país (contra perto de 200 veículos até então), diminuindo a porção que os donos do poder da mais concentrada mídia de todo o planeta abocanhavam do Estado. Os apóstolos do mercado na mídia não se conformam que o país discuta um novo marco regulatório, escondendo dos brasileiros que é somente por aqui que se permite a concentração ostentada pelo setor e a irresponsabilidade generalizada na manipulação de informações. Falam de Chaves e de Cristina Kirschner... Longe disto....Se a regulamentação da mídia no Brasil fosse aquela que existe nos EUA e nos países da União Européia, o poder manipulatório de nossa mídia tinha se esboroado há tempos.
5) “Fatos novos” ainda serão criados nesta eleição. Que possam servir apenas como lição no permanente aprendizado que é a democracia, de modo a permitir ao país decidir seu caminho, com informações democratizadas e debate elevado sobre o futuro.

* Graduado em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora, com experiência nas áreas de História e Ciência Política.
 

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