NO PIOR IDH DO PAÍS, A LIÇÃO DOS MÉDICOS CUBANOS
IHU – Sexta, 03 de janeiro de 2014
“Fomos
a uma comunidade ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um
senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame:‘04 médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um médico!’”, escreve Vera Paoloni, bancária, jornalista e secretária de comunicação da CUT/Pará, em artigo publicado no portal Brasil 247, 28-13-2013.
Melgaço, no Marajó, Pará, tem o pior IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do país, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no
Brasil 2013, divulgado no final de julho. São 24 mil habitantes, dos
quais 12 mil não sabem ler e nem escrever, apenas 681 pessoas frequentam
o ensino médio, saneamento é zero, saúde é rarefeita e internet só de
vez em quando e apenas por celular. O melhor de Melgaço é o povo, as
pessoas, atestam Maribel, Oyainis e Maribel as três
médicas e o médico cubano Orlando que estão morando e trabalhando no
município marajoara desde 21 de setembro, há pouco mais de 03 meses.
Eles integram o programa audacioso e certeiro ‘Mais Médicos’, que leva assistência e médicos a municípios carentes e vulneráveis. Ponto para o Ministério da Saúde e para a presidenta Dilma Rousseff.
Se o povo é o melhor de
Melgaço, o pior é a água. Ribeirinho, Melgaço não tem água tratada e nem
saneamento básico. Isso gera micoses e contaminações genitais. Há
gravidez muito precoce e um índice alarmante de hipertensão que atinge
muitos jovens, resume o quarteto médico cubano que atende 24 pessoas, no
mínimo, todo dia em Melgaço, de segunda a sexta. Com a consulta média
de 30 minutos, salvo situações mais complicadas e que exigem mais tempo.
Em todas as consultas, a medicina preventiva em ação: tratar a água com
hipoclorito de sódio, ferver a água, só pra citar um exemplo.
Pobreza e generosidade – Quase a metade, 48% da população deMelgaço é pobre, aponta o Mapa da Pobreza do IBGE publicado
em 2003. Grande parte da população do campo tem remuneração de R$
71,50, fazendo com que as famílias na zona rural sobrevivam, em média,
com R$ 662 por mês – menos que um salário mínimo. As distâncias são
grandes e se leva até 15 dias pra cruzar o espaço de mais de 06 mil
quilômetros. Com toda essa adversidade, o povo de Melgaço é acolhedor e
generoso, garantem as médicas e o médico cubanos.
Rendimentos compartilhados – Afinal, o que vocês ganham de salário fica com vocês ou vai pra família, indago? “Parte fica conosco, parte vai para nossas famílias e outra parte vai para o nosso governo, para ajudar o nosso povo cubano”, me diz Maribel Hernandez. “Mas o que ficamos é suficiente para nos manter, para lazer. A
prefeitura de Melgaço paga nosso alojamento e esse é muito bom: tem um
quarto para cada um de nós, com banheiro, cama, ar condicionando. Temos
mais que suficiente”, fala Maribel Saborit.
Nem açaí e nem farinha – Como a jornada de trabalho em Melgaço é
de 40 horas semanais, igual a Cuba, pergunto o que fazem no final de
semana pra driblar a saudade de casa, já que as famílias ficaram em
Cuba.“Lavamos e passamos nossas roupas, limpamos nossos quartos,
lemos, entramos na internet pra passar correio eletrônico, descansamos”. E Orlando informa que em julho vão de férias a Cuba.
Nove anos de estudo –
Nem a imensidão de água da baía do Marajó, o calor ou as travessias de
barco até as comunidades assustam o quarteto médico cubano. Os quatro
trabalharam em missões humanitárias na Venezuela e na Bolívia.
Estudaram os nove anos da formação de medicina cubana: 06 da medicina
geral e mais 03 da medicina integral, algo semelhante à residência
médica brasileira, em que a especialização é feita juntamente com
trabalho prático. E os quatro trabalhavam em Cuba. Maribel Saborit, em
Belém. Na capital, fizeram um treinamento na área de saúde e retornam
segunda-feira 23, bem no período de recesso natalino. De Melgaço a
Breves, uma hora de barco e de Breves a Belém, mais 14 horas. Ao todo 15
horas pra chegar em Belém, atravessando a baía do Marajó. Maribel Saborit, Oyainis Santos, Orlando Penha eMaribel Hernandez, médicas
e médico cubanos se conheceram não em Cuba, país em que nasceram,
estudaram, se formaram, casaram, tiveram filhos e trabalharam. Foi em
solo brasileiro, em Brasília, que os quatro se encontraram pela primeira
vez, em agosto. Agora trabalham em Melgaço e lá ficarão por 03 anos.
Maribel Saborit tem 21 anos de profissão. Maribel Hernanez, 19 anos.Oyanis, 08 anos e Orlando, 22 anos. Cuba orientou como critério de participação no programa ‘Mais Médicos’, o mínimo de uma missão humanitária. Orando esteve no Paquistão e Venezuela. Oyainis, na Venezuela. Maribel Saborit e Maribel Hernandez, na Venezuela e Bolívia. Além dos 09 anos de estudo, atuação em uma missão humanitária por 03 anos.
Um médico em casa? – Embora o quarteto fale num bem compreensível
portunhol, indago se não falarem bem o português fez com que algum
paciente deixasse de entendê-los. “De jeito nenhum diz Oyainis. A
gente olha pra eles, conversa e se entende. Fazemos um amplo
interrogatório, anotamos, fazemos exames físicos completos”. EMaribel Saborit completa: “o
povo é muito acolhedor, generoso e agradecido. Fomos a uma comunidade
ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um senhor diabético
de 86 anos ouvimos, depois do exame: 04 médicos aqui, quatro médicos me
visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um
médico”!
Sem essa de ‘Dr, Dra’ – Fico surpresa quando me dizem que se apresentam aos pacientes como Maribel, Oyainis, Orlando. Assim, sem ‘Dr, Dra’, termos que aqui no Brasil são acrescidos à profissão de médicos.Maribel Saborit ri e me diz: “por que ‘Dr, Dra’?” Somos iguais, só tivemos mais chance de estudar, ter uma graduação. Mas nossa identidade é a mesma de quando nascemos”.
Os quatro me contam que Belém e Melgaço são ‘mais quente que Cuba”,
mas isso não atrapalha. Gostam da comida à base de peixe, frango,
carne, arroz, feijão. Só açaí e farinha não faz parte do cardápio
deles. ‘Muito forte o açaí’ diz Maribel Saborit sorridente. Eu afianço a elas e ele que não sabem o que estão perdendo. E rimos todos.
Internet, problemão – O contato com a família é via e-mail, pois
falar pelo celular é muito caro. Cada um tem um tablet 3G, que faz parte
dos equipamentos do ‘Mais Médicos’. E eles compraram um pacote ‘basicão’ da Vivo, “mas os créditos somem muito rápido”, se queixam. Como falar por telefone é caro demais, sobra conversar por e-mail na internet do celular.
Eu digo a elas e ele que quem mora e luta na Amazônia quando vara uma
notícia pro mundo, rompe o cordão sanitário do isolamento em que nos
encontramos. O acesso à internet poderia ser uma forma de ajudar a
romper esse cordão, mas temos o pior acesso de todas as cinco regiões do
país e no Marajó, o pior acesso do Pará. Estamos ilhados, portanto.
Oyanis completa: “a saúde em Cuba precisa da ajuda de todos
nós, porque o país sofre um embargo econômico que é muito doloroso para
nossa gente. Então, a ajuda precisa vir de nós, cubanos e de nossos
aliados”.
Faz parte da nossa formação retribuir –
A conversa vai chegando ao fim, pois há várias pessoas chamando o
quarteto médico cubano e querendo tirar fotos, indagar, conversar, rir
junto. E eu faço a última inquirição: o que fez vocês saírem de Cuba e
vir pra Melgaço? E Maribel Saborit diz: “olha, faz parte da
nossa formação ajudar países e pessoas mais necessitadas com nosso
conhecimento que foi dado de forma coletiva e gratuita. Só estamos
retribuindo”.
Encerramos a conversa e
eu fico matutando que grandeza é essa de Cuba e do seu povo que tanto
tem a nos ensinar! Se eu conheço quantos médicos do meu país que fariam
algo semelhante aqui mesmo. Em janeiro vou a Melgaço numa caravana
formativa da Fetagri/CUT no Marajó. Quero rever meu novo quarteto camarada e amigo e conversar com o povo atendido pelas médicas e pelo médico cubanos (V.P).
E só finalizando mesmo:
fizemos uma pequena homenagem às 03 médicas cubanas e ao médico cubano
ontem à noite na formatura de encerramento do curso de Formação de
Formadores promovido pela Escola Chico Mendes da Amazônia e da qual participamos 46 pessoas, de todas as CUTs da Amazônia.
Via Vitor Buaiz
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