Oportunistas, baderneiros e ladrões se infiltram no legítimo movimento para tirar vantagens ilícitas. Devem ser contidos
Nathalia Ziemkiewicz
Nos movimentos que ganharam as ruas nos
últimos dias, a imensa maioria era de manifestantes pacíficos que
empunhavam cartazes com palavras de ordem e pregavam “sem violência”.
Mas bandos pequenos, dispostos a promover a quebradeira e o vandalismo
por onde passavam, misturaram-se a eles. Na quinta-feira 20, nem o belo
Palácio do Itamaraty, em Brasília, uma das obras-primas do arquiteto
Oscar Niemeyer, foi poupado. Baderneiros ocuparam as rampas, lançaram
objetos contra a fachada de vidro do palácio, fizeram fogueiras, subiram
na escultura meteoro, de Bruno Giorgi, e pressionaram para entrar.
Quase 30 pessoas ficaram feridas. Cenas de brutalidade de minorias como
essa se repetiram por todo o País. A cidade do Rio de Janeiro
contabiliza os prejuízos após o protesto que reuniu 100 mil na
segunda-feira 17 nas proximidades da Assembleia Legislativa. Um grupelho
de mascarados alvejou a construção centenária com pedras e bombas
caseiras, deixando um rastro de destruição avaliado em R$ 2 milhões. No
dia seguinte, São Paulo foi alvo da ação dos vândalos e ladrões que
tentaram depredar a prefeitura, picharam o prédio histórico do Theatro
Municipal e saquearam lojas. Nas grandes manifestações pelo Brasil na
quinta-feira 20, ônibus, agências bancárias e prédios públicos foram
destruídos em várias capitais. Dezenas de pessoas foram atendidas em
hospitais. Mais impactantes que as caminhadas ordeiras, as cenas de
confrontos, fogo e depredação, sempre no fim de atos com tom pacífico,
correram o mundo. Apesar dos arruaceiros, porém, não é essa a imagem que
vai ficar dos protestos, mas sim a do repúdio dos manifestantes à
minoria violenta. No centro de São Paulo, por exemplo, a ala pacífica
chegou a formar um cordão humano para proteger os policiais que
guardavam a prefeitura dos vândalos.
As manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô, que
começaram diminutas em São Paulo há duas semanas, ganharam impulso e
solidariedade de outros municípios após a ação truculenta da polícia
paulista. A população da metrópole passou a aceitar conviver com
passeatas quase diárias, que complicavam ainda mais o caótico trânsito,
em nome de uma bandeira considerada justa. Mas nenhuma cidade brasileira
irá aceitar a ação de grupos interessados apenas em instaurar a
balbúrdia e espalhar o caos. A sociedade civilizada não permite isso. E
incendiar ônibus e quebrar estações de metrô não interessa a quem
efetivamente depende do transporte público. Cabe ao Movimento Passe
Livre, catalisador das manifestações, ir além da burocrática declaração
de que não consegue controlar a multidão e pensar numa estratégia para
expurgar essas pessoas dos protestos.
Entre os vândalos, há de anarquistas a ladrões que se aproveitam do
caos. Grupos de extrema esquerda ou direita que se infiltram com os
objetivos mais escusos. Isso ocorre no mundo todo. Durante protestos no
Egito, foram roubadas obras valiosíssimas do Museu do Cairo, por
exemplo. O problema é que, nos episódios recentes no Brasil, os
policiais demoraram a agir, dentro do respeito à legislação, contra
esses arruaceiros. Eles eram facilmente identificáveis por intermédio de
fotos e vídeos transmitidos pela internet e pela tevê. Para o professor
de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro Francisco Carlos
Teixeira, um dos maiores problemas é o despreparo da polícia brasileira
na mediação de conflitos. “Nos últimos acontecimentos, ela passou da
brutalidade para a omissão, sem considerar o meio-termo”, diz, lembrando
a transição de conduta – das balas de borracha do início aos braços
cruzados diante do quebra-quebra no centro de São Paulo. “Ambas as
atitudes desmoralizam o Estado.”
Falta também planejamento, segundo o especialista em segurança
pública Robson Sávio, professor de estudos sociopolíticos da
Universidade Federal de Minas Gerais. Não basta aumentar o efetivo
policial nas ruas. Medidas simples de prevenção evitariam prejuízos
maiores. O serviço de inteligência poderia se antecipar às
manifestações, indicando e preparando os locais que servirão como ponto
de encontro ou passagem. No Carnaval, por exemplo, o Rio de Janeiro
preserva as fachadas de prédios históricos com tapumes. Se for
necessária a intervenção da Tropa de Choque, que ela imponha sua
autoridade apenas batendo cassetetes em escudos, sem atirar bombas de
gás lacrimogêneo ou balas de borracha de forma indiscriminada, o que
contraria normas e procedimentos internacionais (leia mais na pág.
86). “Em vez de criar grupos de repressão, a polícia deveria formar
agentes para a mediação de conflitos”, afirma. “Sair da postura reativa e
partir para o diálogo.” Diálogo entre todas as forças policiais para
alinhar os protocolos de ação e com as lideranças do movimento para
identificar os criminosos, separando-os da massa pacífica.
Amanhã há de ser outro dia...
AVENIDA PAULISTA, São Paulo, noite da segunda-feira 17
A partir da segunda-feira 24 a passagem de ônibus e metrô de São
Paulo volta a custar R$ 3. Em outras 13 capitais e dezenas de
cidades espalhadas pelo Brasil o preço do transporte público já não
estará tão caro como queriam as autoridades. No Rio, a tarifa baixou
para R$ 2,75 na quinta-feira 20. Ao contrário do que havia sido
previsto, nesta semana o Congresso não discutirá camisas de força para
as investigações do Ministério Público. E daqui para a frente, qualquer
decisão política tomada sem preocupação com a opinião pública rumará
inevitavelmente para o fracasso. Tudo isso porque o brasileiro, sem que
ninguém tivesse profetizado, mostrou sua cara e fez ouvir sua voz pelas
ruas do País. Essa gente que se impôs como protagonista da história
aponta para um novo amanhã.
Fotos: ANDRE DUSEK/ESTADãO;
Fabio Braga,Leandro Moraes/Folhapress; Christophe Simon/AFP Photo;
Wesley Santos/Ag. Globo; Warley Leite/Folhapress
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