A onda de protestos que varreu o Brasil
nos últimos dias é resultado da força avassaladora das redes sociais,
que semeiam ideias, arregimentam seguidores e convocam passeatas
Mariana Queiroz Barboza
RIO DE JANEIRO
Manifestantes na avenida Rio Branco
expressam o poder de liderança da internet
De todas as transformações desencadeadas pela internet nos últimos
anos, talvez a mais extraordinária de todas esteja em curso neste exato
momento. Se é verdade que todo grande movimento popular é resultado da
força magnética de um líder, agora é possível afirmar que a onda de
protestos se deve ao poder irresistível de um novo tipo de liderança. Os
gritos de guerra não surgem mais em assembleias. As bandeiras não se
submetem ao escrutínio de encontros às escuras de jovens
revolucionários. As ações deixaram de ser planejadas em aparelhos
partidários. Na segunda década do século 21, os movimentos populares
nascem, amadurecem e avançam de forma avassaladora no universo quase
ilimitado das redes sociais. Os protagonistas da indignação atendem pelo
nome de Facebook, Twitter, Tumblr, WhatsApp e YouTube, os canais de
comunicação mais usados pelos manifestantes para plantar suas ideias,
arregimentar seguidores e agendar passeatas e ondas de revolta que
paralisaram o Brasil, especialmente na semana passada. A hashtag
(símbolo equivalente ao jogo da velha e que é usado para agregar
conteúdo na internet) #VemPraRua se tornou febre nacional. Na noite da
quinta-feira 20, depois de uma convocação massiva nas redes sociais, as
ruas brasileiras receberam, em diversas cidades, mais de um milhão de
manifestantes. “Diante de um movimento horizontal, sem cara nem líder, a
internet passa a ser o principal meio de divulgação, porque é rápida,
relativamente barata e produz bom retorno”, diz Maria do Socorro Braga,
professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São
Paulo. “Ela dá uma dinâmica à democracia que os partidos não conseguem
oferecer.” O mesmo já havia acontecido, nos últimos dois anos, durante a
Primavera Árabe, o Ocupe Wall Street e as revoltas de Londres. “A
internet é a soma de opiniões privadas sem a união de uma temática
pública”, afirma o sociólogo Fábio Gomes.
SÃO PAULO
Ato na terça-feira 18 teve dois milhões de convidados
A dimensão das manifestações no Brasil mostra que a organização
política nas redes sociais é provavelmente um caminho sem volta e os
governantes que não tiverem sensibilidade para detectar esse fenômeno
serão condenados ao desaparecimento. Um exemplo recente: o
primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, culpou o Twitter pela
série de protestos que tomou seu país no início do mês e ordenou a
prisão de dezenas de ativistas sob a acusação de incitarem protestos
pela rede social. Resultado: as manifestações só cresceram. Na Itália, o
novato Movimento 5 Estrelas, liderado pelo comediante Beppe Grillo,
surpreendeu ao receber um quarto dos votos nas eleições parlamentares,
em fevereiro. O partido, que propõe uma forma de democracia direta via
internet, usou as redes sociais para angariar simpatizantes e eleitores,
num momento em que as filiações partidárias não param de cair. Grillo
tem mais de um milhão de fãs no Facebook e no Twitter e seu blog é um
dos mais lidos do país. No Brasil, o recado foi dado. Segundo pesquisa
do Instituto Datafolha publicada na quarta-feira 19, as redes sociais
são a instituição com mais prestígio entre os paulistanos (65%). Para
72% dos que responderam à pesquisa, as redes têm mais influência na
sociedade do que as Igrejas Católica (34%) e Universal (32%).
O primeiro estudo empírico que analisa os mecanismos por trás dos
recrutamentos nas redes sociais foi conduzido por um grupo da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, e publicado no jornal
“Scientific Reports”, em dezembro de 2011. Os pesquisadores examinaram o
Twitter durante os protestos que tomaram 59 cidades na Espanha em maio
daquele ano. A mobilização tinha por objetivo criticar a resposta
política à crise financeira, o que posteriormente inspirou o Movimento
Ocupe Wall Street, nos Estados Unidos. “Ao examinar o comportamento
coletivo dos internautas, estabelecemos que a maioria das pessoas é
influenciada pelo que aqueles ao redor delas fazem”, concluiu a
coordenadora do estudo, Sandra Gonzalez-Bailon. A pesquisa analisou o
comportamento de 87.569 usuários e rastreou 581.750 mensagens sobre os
protestos disparadas durante 30 dias. Sua equipe viu que, quando as
pessoas recebem muitas mensagens convocando para atos num curto espaço
de tempo, elas tendem a responder a isso como uma “aparente urgência” e
se juntam ao movimento. “Isso cria recrutamentos explosivos que se
traduzem numa cascata global com efeitos verdadeiramente dramáticos,
como se viu na onda de ocupações que se seguiu”, diz Sandra. Em São
Paulo, a cada minuto, quase 600 pessoas no Facebook foram convocadas
para a manifestação da quinta-feira 20. O número de convites enviados,
no entanto, pode ser muito maior, já que uma pessoa pode ser convidada
mais de uma vez para um evento na rede. Estima-se que pelo menos 20% das
pessoas chamadas, via rede social, para uma determinada passeata
realmente deixam o computador em casa para ir às ruas.
Diretamente dependentes da internet, as redes sociais podem ficar
reféns da qualidade de conexão no Brasil, especialmente em multidões.
Quando muitas pessoas utilizam as mesmas antenas simultaneamente, a
velocidade da transmissão de dados cai e, assim, dificulta o
compartilhamento de informações e imagens. Por isso, durante os
protestos em São Paulo, os manifestantes pediam que as pessoas
retirassem as senhas da internet sem fio (wi-fi) de suas casas para
liberar o acesso a todos. A rede N.I.N.J.A (Narrativas Independentes,
Jornalismo e Ação) tentou transmitir vídeos ao vivo das manifestações
por meio de um sistema conhecido como “live streaming”. Só conseguiu na
terça-feira 18, quando um grupo pequeno enfrentou a Tropa de Choque na
rua Augusta, região central da cidade. Já passava das 22 horas e Filipe
Peçanha, 24 anos, era provavelmente o único indivíduo a documentar a
situação via 3G e transmiti-la para milhares de pessoas. O vídeo teve,
no total, 180 mil visualizações e um pico de 50 mil espectadores
simultâneos. O grupo conseguiu a audiência pelo esforço de divulgação de
uma equipe flutuante de colaboradores espalhados por todo o País,
organizados pela hashtag #midianinja. “Havia tanta gente interessada
porque nós éramos os únicos no meio do conflito”, diz Bruno Torturra, do
N.I.N.J.A. “As possibilidades são infinitas.”
As imagens da violenta repressão da Polícia Militar no protesto da
quinta-feira 13 correram o mundo com rapidez e pautaram a imprensa
internacional (a foto de uma repórter atingida no olho por uma bala de
borracha se tornou um viral). O jornal americano “New York Times”
estampou na capa de sua edição da quarta-feira 19 a imagem de um
policial militar do Rio de Janeiro que lança spray de pimenta contra uma
manifestante. A publicação também trouxe uma reportagem intitulada:
“Protestos crescem enquanto brasileiros culpam seus líderes”. O
britânico “Independent” publicou a mesma foto acompanhada de uma chamada
irônica: “Te vejo no Rio?”. No jornal francês “Le Monde”, a onda de
protestos no País foi apresentada com destaque. No espanhol “El País”, a
indignação dos brasileiros também esteve na capa. O veículo manteve em
seu site, ao longo de toda a semana, uma parte reservada para a
cobertura dos protestos. No fim de semana, começaram as manifestações de
apoio ao Brasil em cidades como Londres, Munique e Dublin (leia quadro
nas páginas 80 e 81), e novos atos estão marcados até o fim do mês. Tudo
combinado pela internet para quem quiser ver, compartilhar e
participar.
Com reportagem de Alan Rodrigues
Fotos: Fabio Motta/Estadão
Conteúdo; Isabelle Andrade/Brazil Photo Press/Folhapress; Emiliano
Capozoli/Estadão Conteúdo; Gabriel de Paiva / Agência O Globo
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