Vladimir Palmeira, uma das lideranças do movimento histórico estudantil de repúdio à ditadura, em 1968, se diz feliz com atos pelo Brasil, que precisam de organização e liderança
Na
última segunda-feira, o Rio de Janeiro, 45 anos depois, colocou nas
ruas 100 mil pessoas que cobraram a redução da tarifa de ônibus, claro,
mas, sobretudo, afloraram o seu sentimento de indignação com os
governantes – no caso, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo
Paes. O número de ativistas nas ruas remete ao ano de 1968.
No mesmo mês de junho daquele ano, o movimento
estudantil da então capital federal chegava ao seu auge, e pegava em
armas como coquetel molotov, pedras e bastões, e partiam para a luta,
após a morte do estudante Edson Lima Souto por agentes do regime
totalitário, quando ele almoçava no antigo restaurante Calabouço, reduto
de estudantes de baixa renda que vinham para o Rio oriundos de outros
estados.
No dia 22 de junho, uma passeata duramente reprimida
pelo ditadura resultou num conflito que terminou, em frente à embaixada
norte-americana, com um saldo de 28 mortos, centenas de feridos,
milhares de presos, além de depredação, viaturas incendiadas no episódio
que ficou marcado como “Sexta-Feira Sangrenta”. A passeata repercutiu
tão mal em todo o mundo que o regime do então presidente militar, o
general Costa e Silva, optou por aceitar um protesto para quatro dias
depois do grave incidente.
Na tarde de 26 de junho, no mesmo centro do Rio de
janeiro, na mesma avenida Rio Branco, 100 mil pessoas saíram de casa
para protestar contra os militares. Após três horas de caminhada, pelo
mesmo circuito Candelária-Alerj, o ato terminou em frente à Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro. Sem violência. Bem diferente do cenário
da última segunda-feira.
“A sociedade está participando. Uma sociedade que estava
muito morta. As pessoas decidiram ter um papel. Isso é muito bom”,
opina um dos líderes do movimento estudantil daquela época, que foi
preso dois meses depois, viu milhares de outros companheiros tomarem o
mesmo destino, a liderança entre os estudantes ser dizimada em dezembro
de 1968 com a promulgação do AI-5 (Ato Institucional n° 5), legalizando a
repressão.
Em entrevista exclusiva ao Terra, o
também ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro (entre 1987 e 1994) tenta
traçar os paralelos possíveis entre os dois movimentos, guardadas as
devidas proporções de cada momento, e dá sua orientação aos jovens de
hoje para o prosseguimento dos atos por todo o País.
“Minha opinião é que eles tinham que criar uma
coordenação para pegar essa pauta geral, que o movimento gerou, para
levar para a presidente, governadores e prefeitos. E garantir a
quantidade do movimento. Se eles acham que os partidos não representam,
eles têm que dialogar, eles têm que manter essa pauta. É preciso
projetos, propostas para que isso que está acontecendo seja sustentado”,
comentou. Confira abaixo a entrevista.
Terra: Como o senhor tem analisado os protestos, não só no Rio de Janeiro, mas em todo o País?
Vladimir Palmeira: Muito bem. Vejo como
ótimo. A sociedade está participando. Uma sociedade que estava muito
morta. As pessoas decidiram ter um papel. Isso é muito bom. Ao mesmo
tempo que a forma como se dá, as chamadas entidades representativas, que
são os partidos, não estão representando nada. Os partidos tem
meramente agora aspecto eleitoral. Os partidos não estão recolhendo essa
insatisfação.
Terra: Tem sido uma marca desses protestos esse caráter apartidário. Que paralelo se pode fazer entre os movimentos de agora e os de 1968?
Terra: Tem sido uma marca desses protestos esse caráter apartidário. Que paralelo se pode fazer entre os movimentos de agora e os de 1968?
Palmeira: Naquela época não tinha
partido mesmo. Naquela época era a ditadura. A ditadura era muito forte.
Hoje é diferente, você está na democracia, os partido têm influência.
Mas repito: hoje, eles não tem representatividade que não seja
eleitoral. Eles não conseguem ter uma vivência dos cotidianos dos
problemas da juventude, em especial. Quando falam que nenhum de vocês
me representa, fica claro o problema de representatividade. As eleições
não traduzem as verdadeiras aspirações da população. Você vê como são
as eleições: os partidos fazem pesquisas e montam discursos em cima
disso. São discursos pasteurizados. Esse pessoal está colocando o que
eles acham o que é problema do Brasil, com temas maiores, como
transporte, saúde, educação.
Terra: Muito se discute hoje a necessidade do uso da violência, tanto por parte dos manifestantes quanto pela Polícia Militar. Qual a sua opinião e como era o clima na época?
Terra: Muito se discute hoje a necessidade do uso da violência, tanto por parte dos manifestantes quanto pela Polícia Militar. Qual a sua opinião e como era o clima na época?
Palmeira: Não usávamos a violência, a
não ser responder com pedra, pois era a polícia que batia na gente. É
importante deixar claro que o movimento estudantil de 1968 não usava a
violência. A gente dispersava a manifestação quando a polícia chegava.
Tinha um coordenador que já sabia onde seria a próxima manifestação,
para onde tínhamos que ir quando a repressão chegava. Passávamos para
outro protesto, em outro lugar. Em junho de 1968, que nós decidimos
reagir à violência (após a morte do estudante Edson Lima Souto). A
imprensa, naquela época, dizia que a gente só queria a violência. Mas,
nesse momento, assumimos que iríamos para o conflito. Decidimos ocupar o
MEC (ministério da Educação), mas não conseguimos, aí fizemos uma
barricada na (avenida) Rio Branco. Naquele caso específico, para
mostrar que a gente queria dialogar, a gente tinha que fazer isso. A
violência foi necessária.
Terra: E os atos de vandalismo e de confronto com a Polícia Militar de hoje diferem em que sentido, então?
Palmeira: É um pessoal que vai para
brigar. Como torcida organizada que marca encontro na internet. Vai para
lá. Tinha 100 mil pessoas na manifestação e 500 foram brigar. Não
expressa o movimento. O que aconteceu na Alerj ultrapassou o nível do
recomendável. A polícia brasileira está despreparada para esse tipo de
manifestação.
É preciso uma orientação comum no Brasil. Cada estado começar a levantar suas próprias pautas"
Vladimir Palmeira
Terra: Como o senhor enxerga a articulação entre
os jovens, sem uma liderança clara, que tome a dianteira da situação
como um todo?
Palmeira: Em uma série de cidades os
prefeitos já estão baixando as tarifas. Vai ter uma repercussão. É pouco
ainda. O movimento quer revogar esse aumento. E discutir a questão do
transporte com o governo e sociedade. Tem uma pauta muito grande:
saúde, educação, a PEC 37. Minha opinião é que eles tinham que criar uma
coordenação para pegar essa pauta geral, que o movimento gerou, para
levar para a presidente, governadores e prefeitos. E garantir a
quantidade do movimento. Se eles acham que os partidos não representam,
eles têm que dialogar, eles têm que manter essa pauta. Como continuar
essa luta? É preciso projetos, propostas para que isso que está
acontecendo seja sustentado.
Terra: Como criar uma pauta nacional?
Palmeira: É preciso uma orientação
comum no Brasil. Cada estado começar a levantar suas próprias pautas. E
em cima disso levar uma organização para falar com a presidente da
República. O transporte é imediato para resolver localmente. Mas se
quiserem virar a tradução desse movimento, tem que ter organização para
discutir ao longo do tempo. Precisam mostrar que essa voz tem
representação permanente.
Terra: Por que, na sua opinião, a juventude demorou tanto para “sair do Facebook”?
Palmeira: Movimento de massa não tem
ciência. A gente chamava o pessoal naquela época e ninguém ia. Um dia
foram. É uma psicologia de massa que ninguém domina. Eu cansei de ver
movimentos assim. De repente,e agora as energias acumuladas se
afloraram. Os meninos estão mostrando bom senso. Pressionando e não
cedendo diante da empáfia do (prefeito de São Paulo, Fernando) Haddad.
É um pessoal que vai para brigar. Como torcida organizada que marca encontro na internet"
Vladimir Palmeira
Terra: Muitos políticos têm dito que, não só não
estavam preparados, como ainda não entenderam os protestos. Os
políticos se acomodaram com a inércia do povo?
Palmeira: Sim, e eles não estavam
preparados. Ninguém tinha ideia n averdade. De repente o negócio pega.
Acho que o pessoal do movimento mesmo não tinha ideia. Assim como as
entidades. Todo mundo está correndo atrás. Como eles não tem
capilaridade da sociedade, não percebesse o tamanho do descontentamento.
Eles vão ter que responder isso no (próximo) processo eleitoral.
Terra: Você daria algum conselho para os jovens manifestantes de hoje?
Palmeira: Acho que os meninos estão indo bem. Eles que têm que aconselhar os mais velhos.
Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.
A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre
março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à
Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das
passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.
O grandeza do protesto e a violência dos confrontos
expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o
Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos.
Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já
inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa
do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos
em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília.
A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta
um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e
significados de um movimento popular singular na história brasileira
desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos
aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.
Um comentário:
a indignaçao nao é contra o Cabral, mas sim sobre o estado do país... muito mais contra a dilma do q qualquer outro governate
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