Ray Kurzweil
"Seremos meio máquinas"Um dos maiores futurólogos da atualidade diz que os computadores pensarão como os humanos
O americano Raymond Kurzweil, 57 anos, apareceu na tevê pela primeira vez num programa de calouros dos EUA chamado Ive got a secret (Eu tenho um segredo), apresentado por Steve Allen, na década de 60. Tocou piano e, no final, revelou seu segredo: Construí meu próprio computador.? Allen, que ficou sem entender, perguntou:
O que isso tem a ver com a música que você executou?
A resposta surpreendeu: Foi ele quem a compôs.? Estava assim apresentado, em cadeia nacional, o primeiro sintetizador musical, um teclado que imita os sons dos instrumentos de uma orquestra e, se não bastasse, ainda compõe canções. Ray, como ele gosta de ser chamado, não parou mais de inventar. São dele equipamentos como o scaner e o tradutor de textos para deficientes visuais.
Revistas especializadas e instituições científicas o consideram o sucessor de Thomas Edison (o inventor da lâmpada) e o definem como o maior futurólogo do mundo. Premiado com a National Medal (maior honraria que o governo americano concede a um cientista) e com uma dúzia de doutorados honoríficos internacionais, ele escreveu seu quinto livro: The singularity is near: when humans transcend biology (A singularidade está próxima: quando os humanos transcendem a biologia). O livro chega às prateleiras americanas causando reboliço. Não é para menos: Kurzweil prevê que os humanos se fundirão aos computadores e aprenderão fazendo um simples download da internet diretamente no cérebro.
Como aumentar nossa capacidade cerebral?
Ray Kurzweil -
O uso dos computadores já
nos permite ampliar nossa inteligência. Muitos programas
aceleram o raciocínio lógico. Cálculos astronômicos,
que antes levavam horas para ficar prontos, são feitos em
segundos graças a softwares específicos.
Isso dinamiza a produção do conhecimento humano que
pode ser acessado imediatamente pela internet. Em duas décadas,
teremos à nossa disposição a tecnologia dos
nanorrobôs que terão o tamanho de uma célula e serão
dotados de habilidades computacionais e de comunicação.
Eles vão interagir conosco?
Ray Kurzweil -
Injetados na corrente
sangüínea, eles chegarão aos capilares nervosos do
cérebro para interagir com nosso corpo criando um
ambiente de realidade virtual. Poderiam, por exemplo, fornecer
conhecimento para o cérebro por um simples download.
A ficção descrita no filme Matrix vai se tornar realidade?
Ray Kurzweil -
A propósito, os irmãos Wachowski (diretores do filme) pediram que todos os envolvidos na produção de Matrix lessem meus livros. O download
de conhecimentos é uma das possibilidades da
inteligência não biológica. A tecnologia dos nanorrobôs
proporcionará uma imersão plena na realidade virtual
através dos próprios nervos. Para quem quiser
experimentar, bastará um comando e os nanorrobôs cortarão os sinais
enviados pelo sistema biológico passando a fornecer os
comandos da realidade virtual. Será possível também
mesclar os dois universos, como aparece no filme Minority report, em que uma biblioteca é acessada virtualmente.
Os humanos serão meio máquinas. E os computadores, serão mais humanos?
Ray Kurzweil -
Os robôs, e as máquinas em
geral, serão cada vez mais parecidos com os humanos. E
isso vai acontecer devido aos avanços nas pesquisas de
engenharia reversa do corpo humano. Ao decifrar o
funcionamento dos órgãos humanos é possível
reconstruí-los. Os equipamentos que escaneiam o cérebro,
por exemplo, já oferecem imagens cada vez mais definidas e
em três dimensões. A quantidade de informações que
obtemos sobre nossa natureza dobra a cada ano de estudo.
O que já se sabe sobre o funcionamento do cérebro?
Ray Kurzweil -
Atualmente, cerca de 20
regiões cerebrais (entre as centenas que existem) foram mapeadas,
incluindo o cerebelo, o arquivo de nosso conhecimento. Sozinho, ele
concentra metade de todos os neurônios do cérebro. À medida que
progredimos nessas pesquisas podemos converter o funcionamento dos
órgãos em modelos matemáticos para criar simuladores. Acredito que
desvendaremos o cérebro e a inteligência humana nas próximas duas
décadas. Para fazer esse cálculo também levamos em conta o crescimento
da capacidade dos computadores, que serão bilhões de vezes mais
potentes.
Entender como o cérebro opera permitirá fazer exatamente o quê?
Ray Kurzweil -
Criar programas que simulam
as funções vitais, que poderiam ser desempenhadas por computadores. Um
portador de deficiência múltipla, voluntário em uma nova linha de
pesquisa, já executa algumas tarefas com a ajuda de máquinas conectadas
diretamente em seu cérebro. Isso indica que nos fundiremos com os
computadores. Ê a chance de nos tornarmos mais inteligentes, porque
teremos a potência de cálculo das máquinas dentro de nós. Os nanorrobôs
viajarão pela corrente sangüínea para nos manter saudáveis. Eles
destruirão patogenias, removerão placas de gordura e corrigirão erros do
DNA.
Haverá o risco de os humanos serem dominados por sua porção não biológica?
Ray Kurzweil -
Em 2040, a porção não
biológica da inteligência humana será bilhões
de vezes superior, mas estaremos no comando em tempo integral. Uma
curiosidade dessa revolução é que a ciência
trará a possibilidade para as pessoas diferenciarem seus
corpos. Hoje os humanos são organicamente iguais. Existe
muito mais diversidade genética num grupo de macacos do que
entre os humanos. Acontece que as pessoas têm vontade de se
diferenciar e fazem isso por meio da moda, usando maquiagem,
tatuagens, piercings e cirurgias plásticas. Esses são os recursos tecnológicos disponíveis.
Quais são as possibilidades futuras?
Ray Kurzweil -
Em duas décadas, vamos
interferir na organização cerebral e no substrato bioquímico que
transmite todos os sinais e impulsos em nosso corpo. Esse “serviço”
passará a ser executado por componentes eletrônicos a uma velocidade
milhões de vezes superior.
Por que precisamos mudar nossa configuração corporal para continuar evoluindo?
Ray Kurzweil -
A primeira geração de
ferramentas, incluindo as da Revolução Industrial,
expandiu o alcance de nossos corpos. A era da informação,
que é o segundo estágio da Revolução, está
expandindo o alcance de nossas mentes. A terceira fase, que será
marcada pela nossa fusão com as máquinas, ampliará
a capacidade de nossos corpos e cérebros. No meu ponto de
vista, este é o próximo passo da evolução. A
tecnologia é, ela própria, um processo evolutivo em
constante e acelerado fluxo que aumenta a complexidade e a inteligência
do mundo.
De que forma isso acontece?
Ray Kurzweil -
Se tivermos uma tecnologia
para capturar apenas 0,0001% da luz que incide na Terra,
poderemos obter a energia de que precisamos para nos livrar
dos combustíveis fósseis e dos poluentes atmosféricos.
Painéis solares obtidos por meio de nanoestruturas e
células de combustível tornarão essa realidade possível.
Estou convencido de que será o fim do aquecimento global e
da escassez atual de energia.
Não há risco de as novas tecnologias criarem um mundo de excluídos?
Ray Kurzweil -
Em sua fase inicial, uma
nova tecnologia é de fato muito cara e, pior, não
funciona direito. Só com tempo de uso é que ela fica mais
barata e apresenta bom desempenho. As drogas contra a
Aids, por exemplo, começaram a ser vendidas a US$ 30 mil
por pessoa ao ano sem fazer o efeito desejado. Hoje,
custam menos de US$ 100 anuais e chegam aos locais mais
distantes da África. Um levantamento do Banco Mundial
mostra que a pobreza na Ásia caiu pela metade nos últimos
dez anos devido aos avanços promovidos pela tecnologia da
informação e será cortada em 90% nos próximos dez anos
se for mantida sua taxa atual de crescimento.
Quantos anos poderemos viver a mais se essas tecnologias forem incorporadas ao nosso dia-a-dia?
Ray Kurzweil -
Ampliar a longevidade
humana é um processo em andamento. No ano passado publiquei um livro com
o médico Terry Grossmann para avaliar o impacto da nova onda
tecnológica na expectativa de vida. Ainda não dá para saber quanto
esticaremos nosso prazo de validade, mas é certo que viveremos muito
mais. Não dispomos hoje dos recursos que teremos em 15 anos, mas dá para
tomar algumas medidas que desaceleram o envelhecimento.
O sr. já conseguiu retardar seu envelhecimento?
Ray Kurzweil -
Sim. Com um controle de
suplementos nutricionais, diminuí meu colesterol ruim de 280 para 130.
Eu tinha diabete tipo 2 e há 20 anos não tenho mais. Também faço
exercícios regularmente e uma batelada de 40 exames que me dizem como
estão os indicadores sangüíneos e hormonais. De acordo com os testes
médicos, quando eu tinha 40 anos meu corpo era como o de uma pessoa de
38. Completei 57 anos e ele está mais ou menos com 40. Meu objetivo é
chegar aos 60 com um organismo de 38. Em breve haverá uma revolução
nessa área.
Que revolução é essa?
Ray Kurzweil -
O amadurecimento da
biotecnologia. O atual desafio da ciência é interferir nos mecanismos
biológicos para reprogramar o RNA e melhorar a produção de enzimas e
proteínas. Essa evolução nos permitirá alcançar um fantástico estágio de
transformação imposto pela nanotecnologia. Aqueles robôs do tamanho de
uma célula vasculharão nosso organismo para fazer reparos em tempo
integral. Aí sim, o homem viverá muito mais porque será possível curar
doenças antes mesmo que elas se manifestem.
A idéia de interferir na data da morte não cria resistência entre os religiosos?
Ray Kurzweil -
Muitos religiosos encontram
paralelos entre minhas previsões e os textos sagrados.
Há atualmente mais resistência entre os fundamentalistas
humanistas. Essa turma defende a não mudança de nossa
humanidade biológica, da mesma forma que prega que não
devemos modificar os tomates.
Quais são os efeitos negativos dessa nova onda de inovações?
Ray Kurzweil -
A mesma biotecnologia que
cura um câncer poderá munir um terrorista na criação de
uma arma biológica. Mas responderemos à altura. Quando
a internet foi criada, surgiram os vírus e desenvolvemos
programas para exterminá-los. A boa notícia é
que existe tecnologia contra as novas ameaças e está em
curso a proposta de criação de um programa de US$ 100
bilhões para desenvolver os antídotos.
Os humanos estão prontos para todos esses avanços?
Os humanos estão prontos para todos esses avanços?
Ray Kurzweil
As pesquisas nessa área continuam a passos rápidos. O fato de o governo estabelecer restrições para esses estudos, bem como para as pesquisas com células-tronco, nunca teve grande impacto. E cada vez mais há dezenas de métodos de pesquisas biotecnológicas que são conduzidas em um caminho que não enfrentam resistência. Essas controvérsias acabam sendo como pedras no fundo de um rio: a corrente do progresso apenas flui sobre elas. É assim que será com a nova revolução que se anuncia.
As pesquisas nessa área continuam a passos rápidos. O fato de o governo estabelecer restrições para esses estudos, bem como para as pesquisas com células-tronco, nunca teve grande impacto. E cada vez mais há dezenas de métodos de pesquisas biotecnológicas que são conduzidas em um caminho que não enfrentam resistência. Essas controvérsias acabam sendo como pedras no fundo de um rio: a corrente do progresso apenas flui sobre elas. É assim que será com a nova revolução que se anuncia.
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