Jason Socrates Bardi
A descoberta não muda os atores envolvidos, mas revela que as regras do jogo são muito diferentes do que inicialmente se supunha.[Imagem: S. Voglmaier/R. Edwards/UCSF]
Neurotransmissão
Uma nova descoberta fundamental sobre como os neurônios do cérebro se comunicam altera radicalmente a forma como os cientistas pensam sobre a neurotransmissão.
A sinalização elétrica no cérebro está na base de todo o funcionamento do organismo, desde a forma como nos movemos, a forma como nós nos lembramos e nossas sensações do mundo.
Segundo os cientistas da Universidade da Califórnia, em São Francisco, a descoberta não muda os atores envolvidos, mas revela que as regras do jogo são muito diferentes do que inicialmente se supunha.
Uma melhor compreensão destas regras pode ajudar os pesquisadores a encontrar novas maneiras de tratar doenças neurológicas, como o Mal de Parkinson, que pode surgir em parte porque esses processos normais do cérebro começam a dar errado.
Vesículas sinápticas
Os jogadores em questão são conhecidos como vesículas sinápticas - minúsculos sacos cheios de neurotransmissores, as substâncias químicas que os neurônios liberam para transmitir um sinal para o neurônio seguinte do circuito neural.
Os cientistas conhecem estas vesículas e a importância do papel que desempenham na função cerebral há décadas.
Mas permanecia um mistério, porque parece haver dois grupos distintos de vesículas, e ninguém sabia nada sobre a necessidade ou a função desses dois grupos, uma vez que a função das vesículas só tinha uma explicação.
Então, por que há vesículas diferentes?
Todas as minúsculas vesículas em um neurônio têm praticamente a mesma aparência, até mesmo para um olho treinado olhando através de um microscópio - da mesma forma que um monte de jogadores vestindo roupas da mesma cor no campo, elas parecem pertencer todas ao mesmo time.
Mas o professor Robert Edwards e seus colegas descobriram os primeiros indícios de que, apesar de sua aparência, as vesículas nos dois lados do campo têm identidades e objetivos distintos, que são definidos pelas proteínas específicas em suas superfícies.
"Elas parecem idênticas, mas contêm proteínas diferentes," disse Edwards.
Como o cérebro transmite informações
Os neurônios, que formam a matéria branca no cérebro e os nervos que percorrem todo o corpo, são, basicamente, células altamente especializadas com extensões muito longas - às vezes um metro ou mais de comprimento.
Ao longo dessas fibras nervosas, parecidas com espaguete, viajam impulsos elétricos, que farão com que o neurônio libere alguns destes pequenos sacos vesiculares, derramando seu conteúdo químico na sinapse, um espaço entre o neurônio que termina e o neurônio seguinte.
Estes produtos químicos, em seguida, penetram no neurônio adjacente, às vezes fazendo-o também disparar outro impulso elétrico à frente.
Este jogo básico de neurotransmissão é jogado trilhões de vezes pelos 10 bilhões ou mais de neurônios no cérebro humano. Alguns neurônios são tão ativos que disparam até 100 vezes por segundo, o que requer mecanismos para sustentar essas elevadas taxas.
As vesículas desempenham um papel crucial neste processo, porque elas permitem que os neurônios disparem apenas quando estiverem prontos.
Os neurônios usam as vesículas para acondicionar os produtos químicos e transportá-los com antecedência, de forma a poderem liberá-los assim que um impulso elétrico chega. Como os locais de liberação estão longe do centro da célula, as vesículas devem se reciclar localmente para manter as altas taxas de liberação.
Vesículas de reciclagem e vesículas de descanso
Durante anos, os cientistas vêm observando que, embora todas as vesículas pareçam idênticas, elas realmente pertencem a dois times diferentes.
O time menor, encontrado na extremidade do neurônio, contém aquelas que liberam os neurotransmissores quando um impulso elétrico chega. Após a liberação, as vesículas são rapidamente recicladas para um novo uso e, por esta razão, os cientistas chamam-nas de vesículas "recicladoras", ou vesículas de reciclagem.
O segundo time de vesículas pode ser muito maior, respondendo por até 80 por cento de todas as vesículas em uma sinapse. Surpreendentemente, essas vesículas não respondem a impulsos elétricos. Em vez disso, elas permanecem dormentes quando o sinal elétrico chega e, por isso, os cientistas chamam-nas de vesículas "de descanso".
"Não está claro ao que elas respondem ou qual é a sua função," afirma Edwards.
Como os dois tipos de vesículas parecem ser idênticas sob o microscópio, ninguém sabia se havia realmente alguma diferença entre elos.
Muitos cientistas já levantaram a hipótese de que a diferença é apenas uma questão de localização - as recicladoras entram em jogo quando um impulso elétrico chega simplesmente porque acontece de elas estarem no ponto certo para a liberação.
Mas outros ponderam se a identidade das vesículas determina o seu comportamento e não o contrário - que as vesículas de reciclagem estão no lugar certo, porque elas são destinadas a serem liberadoras.
Seria como perguntar se um jogador de futebol é um goleiro porque acontece de ele bloquear chutes perto da meta, ou porque ele é designado para ser o goleiro.
O novo trabalho mostra que, essencialmente, goleiros bloqueiam chutes do adversário porque eles são goleiros.
Proteínas determinam o destino
Em seu estudo, Edwards e seus colegas mostram que as vesículas nos dois times contêm proteínas diferentes, e que essas diferenças determinam como elas se comportam.
Usando uma técnica para rotulagem de proteínas com moléculas brilhantes derivadas de água-viva, eles foram capazes de mostrar que uma proteína chamada VAMP7 está presente em níveis elevados na equipe de descanso, mas não na equipe de reciclagem, que contém mais de outras proteínas vesiculares.
Isto mostra que o corpo produz e mantém grupos diferentes de vesículas sinápticas, contendo proteínas diferentes, para diferentes finalidades: liberar químicos ou alguma outra função.
Segundo Edwards, a observação tem profundas implicações para nossa compreensão de como os neurotransmissores são acondicionados, transportados e liberados pelos neurônios.
"O que está acontecendo não é um processo simples e monolítico," diz ele.
Nível fundamental do cérebro
A observação dá uma nova visão sobre a função do cérebro no nível mais básico, em um nível microscópico.
Ela também pode ajudar a desvendar alguns dos segredos das doenças neurológicas, aspectos que podem estar relacionados à forma como as vesículas sinápticas são produzidas e liberadas.
De acordo com Edwards, as vesículas de descanso estão envolvidas em um processo não-bem-entendido, no qual os neurônios espontaneamente liberam as vesículas, o que pode ajudá-los ajustando os tipos de conexões que eles fazem uns com os outros, bem como a intensidade dessas conexões.
Este processo pode desempenhar um papel nas doenças neurológicas, muitas das quais são caracterizadas por mudanças no tipo e na intensidade das sinapses.
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9.17.2011
Neurônios revelam mais um de seus segredos
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