9.15.2011

Novo modelo nutricional para combater o avanço da obesidade

Pesquisadores sugerem novo modelo com indicações nutricionais

Pesquisadores de Harvard lançaram na quarta-feira um novo desenho para servir como modelo nutricional para todas as refeições, em mais uma tentativa de barrar o avanço da obesidade, das doenças cardíacas e do diabetes.
O ícone proposto pela universidade, chamado de Healthy Eating Plate (prato para alimentação saudável), se contrapõe ao modelo anunciado em junho pelo governo americano para substituir a clássica pirâmide alimentar. O "prato feito" do governo, o MyPlate, chancelado pela primeira-dama Michelle Obama, indica em que proporção devem estar os nutrientes em cada refeição.
O desenho sugere, por exemplo, que a porção de vegetais seja o dobro da de proteínas (carne ou soja). O prato também indica que, a cada refeição, devem ser consumidas uma porção de frutas e uma de laticínios (um copo de leite ou um pedaço de queijo, por exemplo).
"O MyPlate pode ser inútil", afirma Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard. Ele diz que a falha do desenho é não especificar quais alimentos devem ser preferidos dentro de cada grupo.
Desse jeito, diz o especialista, a pessoa pode ocupar a porção de proteína com um hambúrguer e a de vegetais com batatas fritas.
No ícone de Harvard, a porção reservada aos vegetais exclui as batatas. A parte dos grãos e cereais especifica que eles devem ser integrais.
O copo de leite é substituído por água e, ao lado do prato, há uma indicação para o uso de óleos vegetais saudáveis, como o de canola.
"O tipo de gordura que as pessoas usam para cozinhar e temperar faz uma diferença enorme", disse Willett em entrevista coletiva por teleconferência ontem.

Arte
ADIANTA?
Para Daniela Jobst, nutricionista da Unifesp, a adoção dos ícones de prato representa um avanço em relação à pirâmide, considerada de difícil compreensão. Mas ela questiona o impacto que isso pode ter na população. "Será que as pessoas vão se interessar por isso?" Para Willett, de Harvard, a resposta é sim. "Não dá para esperar mudanças da noite para o dia, mas já vimos que existe um impacto".
Ele lembra que, nos EUA, nos anos 1990, houve uma forte campanha para reduzir o consumo de gordura. Depois disso, foi observada a queda da ingestão desse nutriente.
"O resultado não foi bom, porque as pessoas passaram a comer mais açúcar." Mas, afirma ele, isso serve para demonstrar que a população está interessada em comer melhor.
Jobst acredita que seria mais simples concentrar esforços na cor da comida. "Quanto pior a alimentação, mais ela tende para o branco e o amarelo, a cor das farinhas e dos pães. Quanto mais cor, vermelho, roxo, laranja, mais o prato tem nutrientes, fitoquímicos [de vegetais] e antioxidantes."
GUIA BRASILEIRO
O Ministério da Saúde deve iniciar, ainda neste ano, a revisão do Guia Alimentar Brasileiro. A ação faz parte do plano de combate a doenças crônicas não transmissíveis.
Patrícia Jaime, coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do ministério, afirma que o governo nunca adotou um símbolo gráfico, como a pirâmide, para orientar as escolhas nutricionais da população.
Ela lembra que estudos com imagens adotadas em outros países (pirâmide, prato, roda, caminho e mapa) indicaram que as pessoas têm dificuldade de compreender os símbolos.
A coordenadora afirma que o ministério não menospreza a importância dos ícones de alimentação saudável, mas diz que um símbolo como esse precisa ser aceito culturalmente pela população.
"O ministério busca privilegiar a cultura alimentar local. O arroz com feijão é defendido como padrão nacional, mas deve ser complementado com diferenças de cada região, evitando padrões massificados",
DÉBORA MISMETTI
Folha 

Saiba mais:

Um novo desenho contra a obesidade

EUA trocam a pirâmide alimentar pela representação de um prato. No Brasil, nutricionistas defendem que o paliativo pode funcionar
Não entendeu? Quer que eu desenhe? As duas perguntas podem ser usadas sem conotação pejorativa dentro dos consultórios de nutrição. Se os especialistas da área abraçarem a causa da primeira-dama Michele Obama, traduzir com canetinha e papel o modelo de alimentação saudável será ainda mais fácil.
Para combater um problema crônico na sociedade americana, o governo propôs recentemente a substituição da pirâmide alimentar pelo desenho de um prato colorido, dividido em quatro partes desiguais. Nele, a refeição deve incluir legumes,  vegetais e grãos em grande quantidade, além de proteínas e frutas . Fora do prato, um copo de leite garante a quantia necessária de cálcio.
A proposta, segundo a primeira-dama, é facilitar o entendimento das pessoas e tornar o modelo mais acessível. No Brasil, tal medida foi vista com bons olhos por especialistas na área. Embora não acreditem no poder reformador de um desenho, a maioria deles defende que o paliativo, se adaptado a realidade alimentar tupiniquim, pode funcionar.
“A facilidade de compreensão com o prato será certamente mais acessível. O prato é um instrumento do dia a dia. Todo mundo come no prato. É mais fácil tê-lo como base e reproduzir”, acredita Raquel Pimentel, nutricionista da consultoria Educa&Nutri.
Antes de incorporar a metodologia, porém, é preciso impor algumas mudanças na proposta americana. O ideal, segundo ela, é trocar o leite indicado no modelo por um copo de água e beber apenas no intervalo entre as refeições, nunca durante.
“Na nossa alimentação, o leite já está presente no café da manhã. Além disso, a base brasileira é o arroz com feijão, combinação riquíssima em ferro. O consumo de cálcio durante a refeição pode prejudicar a absorção do ferro. Ingerir bebidas durante a refeição também não é a orientação mais indicada, pois pode atrapalhar o processo digestivo.”
Público X privado
Mesmo com as adaptações necessárias, dentro dos consultórios particulares o desenho pode vir a somar, mas não é ferramenta fundamental, explica a especialista. Para ela, o trabalho do nutricionista deve ser sempre individualizado.”Não existem recortes universais de peso, medidas e calorias. Cada organismo requer uma dieta específica.”
Raquel revela que pretende usar tal simbologia no atendimento à populações mais carentes. Na visão da dela, o desenho do prato é pedagógico principalmente no trato com famílias menos escolarizadas, que pouco sabem sobre alimentação saudável e têm mais dificuldade para colocar em prática na rotina as recomendações dos médicos, entender o valor das porções.
“É possível comer bem independente da classe social e do poder aquisitivo. Infelizmente, no Brasil, há pouquíssimos programas de educação alimentar.”
A nutricionista aponta que o guia alimentar da população brasileira, feito pelo Ministério da Saúde, também é uma fonte de referência. Apesar de bem-feito, a apresentação em logos textos o torna difícil de incorporar, assim como a pirâmide alimentar.
“O modelo da pirâmide está ultrapassado. A ideia e o conteúdo são mantidos, mas de uma forma didática,  mais interessante, adaptável. Entretanto, não podemos acreditar que tais modelos vão esclarecer e deixar a população ciente das necessidades nutricionais. São apenas paliativos que devem ajudar.”
Muito pouco ou quase nada?
Uma réplica da pirâmide alimentar, feita de acrílico, com miniatura de alimentos no seu interior foi utilizada durante longos anos no atendimento aos adolescentes no ambulatório de obesidade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O serviço gratuito tenta converter compulsão alimentar e obesidade em saúde. Segundo Isa Sampaio, nutricionista, professora da faculdade e coordenadora do serviço, mais de 1500 jovens são atendidos anualmente no ambulatório.
A entidade segue as orientações estabelecidas pelo CDC – Center Disease Control – instituição americana aliada à primeira-dama dos EUA no projeto Myplate – e deve, no curto prazo, aderir ao desenho do prato, deixando a réplica da pirâmide no fundo do armário.
Embora defenda o valor pedagógico da medida, principalmente para o público jovem, Isa também é cautelosa ao projetar resultados com a mudança. Na visão da professora, estabelecer um prato colorido como padrão alimentar é muito pouco para combater o avanço da obesidade mundial.
“As pessoas não comem por saúde, comem os alimentos palatáveis, e os que têm mais sabor são as gorduras e carboidratos. A variedade, a oferta e o preço acessível de alimentos pouco nutritivos são os grandes vilões da obesidade mundial. O desenho ajuda no entendimento, mas não serve para conter o avanço da obesidade no mundo.”
Copie e refaça

Um atropelamento foi responsável pela mudança no comportamento alimentar de Rafael Freitas Santos, de 15 anos. Apaixonado por futebol, o garoto jogava bola com os amigos quase todos os dias da semana. Após o acidente, foi obrigado a deixar o esporte de lado, e incorporar uma vida mais caseira e sedentária.
Dentro de casa, e menos ativo, o menino passou a comer guloseimas e alimentar-se fora de hora. Hoje, já recuperado e de volta às peladas diárias, ele luta para recuperar a forma física.
Embora não se considere obeso – apenas gordinho -, Rafael sabe que mantém uma alimentação pouco adequada para sua saúde. A falta de conhecimento do valor dos alimentos, porém, dificulta o emagrecimento do menino. “Adoro carne cozida, bolacha recheada, e sanduíches. Sei que não são alimentos legais, mas não tenho muita noção de como montar um prato nutritivo e pouco calórico. Vou pela minha fome mesmo e tenho muita fome após praticar atividade física.”
Entre o desenho da pirâmide alimentar e o prato colorido, Rafael escolhe a segunda opção. Para o adolescente, o desenho do prato dá a medida do que ele deve comer durante o almoço e jantar. “É mais fácil de seguir, copiar. Acho até que posso fazer sozinho.”
A mesma escolha é feita por Kamila Barbosa Nunes, 13 anos. A garota reconhece que precisa ingerir legumes, vegetais e frutas, mas não sabe o que é uma refeição balanceada. “Acho que preciso perder uns 20 quilos em função do que eu como. Tomo muito refrigerante e adoro salgadinhos. Quero deixar de ser gorda, mas não sei muito bem como fazer.”
Com o colesterol alto, e acima do peso, Kamila chegou aos 81 quilos. Ao deparar-se com o desenho do prato, a menina arrisca em dizer que conseguirá seguir a proposta, desde que o nutricionista deixe claro qual a quantidade permitida em cada refeição, e dê exemplos do que são grãos e proteínas.
Fonte: Ig Saúde

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