9.15.2011

Classe média, nos EUA está desaparecendo

A sociedade americana está se dividindo em duas partes, comprimindo a classe média na direção da extinção. As fileiras das pessoas de baixa renda estão crescendo, enquanto os ricos vão muito bem, obrigado --e ninguém vem falando sobre isso, o que dirá fazendo alguma coisa a esse respeito.
As verdades nuas e cruas sobre essa questão deveriam assustar os americanos de ambos os lados da divisão política. No início da semana o senador Bernie Sanders divulgou um relatório intitulado "A Pobreza é uma Sentença de Morte?". O estudo mostra que, em 313 condados dos EUA, a expectativa de vida das mulheres caiu nos últimos 20 anos. Desde 2004, o país ganhou 6 milhões de pobres adicionais.
De fato, esta semana o Burô do Censo dos EUA divulgou uma pesquisa mostrando que hoje um em cada seis americanos vive na pobreza; é o número mais alto já relatado pela organização. A pesquisa mostrou que a renda familiar média real caiu 2,3% em 2010 em relação ao ano anterior, refletindo o declínio da classe média. Ao mesmo tempo, os 20% mais ricos na população americana hoje controlam 84% da riqueza do país. Na realidade, os EUA se tornou um país tão espantosamente desigual que as 400 famílias americanas mais ricas têm tanto dinheiro quanto os 50% mais pobres do país.

Ninguém poderá acusar os candidatos que participaram do debate republicano da segunda-feira de não terem discutido uma grande gama de tópicos. Eles falaram de questões de grande importância: sobre a previdência social, as guerras no Iraque e Afeganistão, a independência energética, a revogação da reforma da saúde e a necessidade de gerar empregos. E falaram sobre questões pequenas, visando marcar pontos políticos --coisas como vacinas contra HPV para meninas. Ficou faltando do debate, contudo (e, na realidade, de boa parte da discussão atual da política americana), a maior questão isolada que o país enfrenta: a destruição da classe média americana. Para encontrar artigos sobre como a América vem se separando entre ricos e pobres, com muito pouco no meio, é preciso mergulhar atrás das manchetes sobre a disputa política mais recente em Washington e procurar as informações nos detalhes.
Tome-se uma notícia dada pelo "Wall Street Journal" na segunda-feira. A história trata, nominalmente, de estratégias de marketing, analisando como a firma gigante Procter & Gamble vende seus artigos para o lar. Mas o quadro que emerge é assustador. Ficamos sabendo que a P&G está reduzindo seu marketing voltado à classe média, que está desaparecendo, vendendo muito para fregueses de alta renda ou baixa renda e abandonando os de renda média. Outras grandes empresas, como a Heinz, vêm fazendo o mesmo. O artigo revela que existe um termo, cunhado pelo Citibank, para descrever essa estratégia: a Teoria da Ampulheta do Consumidor, que denota uma sociedade em que as faixas superior e inferior crescem, enquanto o meio é cada vez mais comprimido.
A matéria contém algumas cifras assustadoras, como o fato de que a renda líquida de um quinto das famílias americanas, justamente as da classe média, caiu 26% nos últimos dois anos. Ou que a renda da família americana mediana está mais baixa hoje que em 1998, contando com a inflação.
Uma matéria do "New York Times" na terça-feira mostra de modo contundente como vem piorando a situação do trabalhador americano. Empregos sólidos que, no passado, proporcionavam acesso seguro às metas da classe média (casa própria, faculdade para os filhos e aposentadoria no final) mudaram, tornando-se empregos mal pagos. O artigo destaca a situação de alguns trabalhadores do setor automobilístico de Detroit: empregados recém-contratados podem trabalhar ao lado de colegas que estão empregados há anos, que fazem trabalhos semelhantes, mas ganham o dobro. O sistema é descrito como uma estrutura salarial "em dois níveis".
Talvez esse sistema possa ser justificado como medida emergencial para manter viva a indústria automotiva de Detroit, ajudando-a a sobreviver aos tempos difíceis atuais. Mas, como a Teoria da Ampulheta do Consumidor, na realidade o sistema parece muito mais que é a forma permanente que as coisas vão assumir no futuro.
Não importa se você é ativista do Tea Party ou organizador do Partido Socialista nos Estados Unidos --deveria poder concordar em relação a uma coisa, pelo menos: isto é insustentável. Alguma coisa precisa ceder. Mas ninguém no sistema político atual parece ter uma resposta a propor.
TRADUÇÃO DE CLARA ALLAÍN 
Folha

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