Reconhecidos por leis, gays ainda enfrentam preconceito para 'sair do armário'
Mesmo com conquistas de direitos nos EUA e Brasil, tema retratado pelo personagem Félix na novela 'Amor à Vida' é comum: medo da reação de familiares ainda inibe vida pública de homossexuais
Ele ficou casado por quatro anos com uma mulher. O outro
manteve relacionamento de um ano com o sexo oposto. Mas, no fundo,
Robson Ugeda, 34 anos, e Rodrigo Guimarães, 27, sabiam que a luta contra
os próprios desejos – descobertos quando ainda eram crianças e tinham
menos de 10 anos - não tardaria a falhar. “Eu não tinha experiência com
homens, mas sabia que aconteceria e sempre deixei minha ex-mulher
ciente disso. Quando me interessei por um homem, eu contei e nos
separamos”, relatou Robson. Tempos depois, ele conheceu Guimarães, com
quem se casou há dois anos.
Robson e Rodrigo não se tornaram homossexuais da noite
para o dia, mas levaram tempo para assumir a condição por medo de
preconceito. Os casais de mesmo sexo conseguiram que o governo federal
dos EUA reconhecesse o casamento, válido em 13 Estados no país, na
última quarta-feira de junho. No Brasil, levaram milhares manifestantes
às ruas contra projeto de decreto legislativo conhecido como “cura gay”,
que previa tratamento psicológico contra a homossexualidade. Também em
território nacional, desde maio, os homossexuais podem se casar em
qualquer cartório do País. Mas o temor sobre a reação da família e
amigos ainda faz homens e mulheres resguardarem o sentimento.
“Meu pai e meus dois irmãos quiseram até me bater e me
colocar para fora de casa”, lembrou Rodrigo sobre o dia em que contou
não ser heterossexual. As reações dos familiares de Robson foram
variadas, enquanto alguns acharam “legal”, outros o viram como uma
“aberração”, a exemplo de uma tia que o proibiu de entrar na casa dela.
Segundo Robson, é colocado um “rótulo na testa” das pessoas, apenas por
que elas não têm a mesma “condição” e não “opção” como deveria ser
tratada a homossexualidade. “Não posso optar em acordar hetero ou homo”,
explicou.
Não posso optar em acordar hetero ou homo
Robson Ugeda
34 anos
Se por um lado a sociedade vive um momento de avanços na
questão de direitos à população LGBT, por outro provoca a manifestação
de conservadores acirrando os ataques homofóbicos, avaliou o psicólogo e
presidente da Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia,
Luís Saraiva. “Nos é ensinado não apenas que devemos ser heterossexuais,
mas que aqueles que não são valem menos”, afirmou.
Por mais silencioso e mascarado que seja, o preconceito
existe. “Na fila do banco, nas aulas de educação física e até em
processo seletivo de empresa”, enumerou Robson. Porém, nem sempre
acontece de forma explícita: “as pessoas convivem melhor, mas não
aceitam”, disse Rodrigo. Um relatório da Secretara de Direitos Humanos
da presidência da República informou que a violência contra homossexuais
cresceu 46,6% em 2012.
Minha primeira atitude foi ficar com vários garotos achando que eu poderia mudar
Nathaly Silva Jardim
22 anos
Quero ser hétero, quero ser “normal”
Estranhamento e medo dos sentimentos reprimidos pelas “regras sociais” costumam levar o homossexual a tentar aniquilar o que está sentindo e fingir que o desejo pelo mesmo sexo não existe, afirmou Saraiva. Por isso, é comum, segundo a psiquiatra a coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, Carmita Abdo, “iniciar a vida como heterossexual”. “Como nascemos com a ideia de que é errado ser homossexual, me reprendi. Minha primeira atitude foi ficar com vários garotos achando que eu poderia mudar”, contou Nathaly Silva Jardim, 22 anos.
Estranhamento e medo dos sentimentos reprimidos pelas “regras sociais” costumam levar o homossexual a tentar aniquilar o que está sentindo e fingir que o desejo pelo mesmo sexo não existe, afirmou Saraiva. Por isso, é comum, segundo a psiquiatra a coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, Carmita Abdo, “iniciar a vida como heterossexual”. “Como nascemos com a ideia de que é errado ser homossexual, me reprendi. Minha primeira atitude foi ficar com vários garotos achando que eu poderia mudar”, contou Nathaly Silva Jardim, 22 anos.
Não aconteceu. Os relacionamentos sem atração física
obrigaram Nathaly a aceitar o que sentia desde pequena, quando com
apenas 7 anos beijou uma amiga três anos mais velha. Com Joyce Rosalini
Queiroz, 25 anos, não foi diferente. “Não sabia se o que eu sentia era
realmente certo”, lembrou. Para as duas, namoradas há dois anos, contar a
homossexualidade à família foi um obstáculo. “Minha mãe começou a falar
comigo como se eu tivesse feito a pior coisa do mundo”, contou Joyce.
Segundo elas, os homossexuais não podem ajudar familiares e amigos no
processo de aceitação, “resta esperar o tempo ajeitar a situação”.
Saída do armário
Pode existir período maior ou menor de dúvida e equívoco sobre a homossexualidade, pois homens e mulheres são encaminhados para uma vida heterossexual, segundo Carmita. “A pessoa pode nem cogitar que poderia não ser heterossexual”, comentou. Depois da descoberta, geralmente é seguido um entre três caminhos. Ou se tenta ter relacionamentos heterossexuais, ou se opta pela abstenção de relações afetivas ou se começa já com parceiros do mesmo sexo, contou.
Pode existir período maior ou menor de dúvida e equívoco sobre a homossexualidade, pois homens e mulheres são encaminhados para uma vida heterossexual, segundo Carmita. “A pessoa pode nem cogitar que poderia não ser heterossexual”, comentou. Depois da descoberta, geralmente é seguido um entre três caminhos. Ou se tenta ter relacionamentos heterossexuais, ou se opta pela abstenção de relações afetivas ou se começa já com parceiros do mesmo sexo, contou.
O caso retratado na novela Amor à Vida, pelo
personagem Félix (Mateus Solano) é menos comum nos dias de hoje. Mas a
psiquiatra afirmou que ainda existem homossexuais que estabelecem o
vínculo de marido e mulher e, só com o amadurecimento, “quando estão
entre 40 e 50 anos, se dão conta de que a homossexualidade não pode ser
revertida com o casamento”. Segundo Carmita, existem homossexuais
egossintônicos – que aceitam a condição – e os egodistônicos – que se
sentem desconfortáveis em relação aos desejos. Para o último grupo, é
indicado um tratamento psicoterapêutico com foco na “apropriação da
homossexualidade que proporcione viver a orientação sexual sem culpa”,
disse ela.
O “caldo cultural” em que o homossexual está imerso, se é
mais ou menos preconceituoso, define o grau de dificuldade de “sair do
armário”, de acordo com Saraiva. Em uma sociedade aberta à diversidade,
assumir ser gay ou lésbica é mais frequente do que, por exemplo, em
países no Oriente Médio, onde a homossexualidade é considerada crime
passível de pena de morte, comparou.
Homem com homem, mulher com mulher
São homossexuais e mantém relacionamento público com pessoas do mesmo sexo. Eles já sofreram preconceito, elas não. “Se dois homens trocam carinho ou andam de mãos dadas é uma aberração para a sociedade”, afirmou Robson. E ele não está errado. Isso acontece, pois a intimidade feminina é mais “socialmente aceita”. “Ninguém repara se duas mulheres se beijam ou se tocam, porque isso acontece independente de elas serem hetero ou homossexuais”, explicou Carmita. Já dois homens na mesma situação estão em comportamento homossexual aos olhos da população e chamam a atenção, comparou a psiquiatra.
São homossexuais e mantém relacionamento público com pessoas do mesmo sexo. Eles já sofreram preconceito, elas não. “Se dois homens trocam carinho ou andam de mãos dadas é uma aberração para a sociedade”, afirmou Robson. E ele não está errado. Isso acontece, pois a intimidade feminina é mais “socialmente aceita”. “Ninguém repara se duas mulheres se beijam ou se tocam, porque isso acontece independente de elas serem hetero ou homossexuais”, explicou Carmita. Já dois homens na mesma situação estão em comportamento homossexual aos olhos da população e chamam a atenção, comparou a psiquiatra.
Tenho amigo heterossexual que sonha em sair com duas lésbicas
Rodrigo Guimarães
27 anos
Também existe o fetiche masculino em assistir a duas
mulheres juntas, o que diminui a discriminação em relação aos casais
femininos. “Tenho amigo heterossexual que sonha em sair com duas
lésbicas”, comentou Rodrigo. “É uma fantasia sexual”, acrescentou Joyce.
Em contrapartida, elas contaram que no passado eram vistas como pessoas
que estavam passando por uma “fase gay” e a homossexualidade não era
levada a sério. Joyce e Nathaly acreditam que as coisas mudaram e,
aceitando ou não, a população “sabe que um casal gay que se casar, ser
bem sucedido e constituir uma família”. “Temos muitos planos, um deles é
ter filhos”, contou.
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