Sem diagnóstico e tratamento adequado, quase metade desses jovens faz uso abusivo de analgésicos, o que pode agravar ainda mais o quadro
Karina Toledo, de O Estado de S.Paulo
Paulo Liebert/AE
Pacientes durante atendimento na Unifesp
A estimativa foi feita pelo neurologista Marco Antônio Arruda, da Sociedade Brasileira de Cefaleia, com base em uma pesquisa realizada com 6.383 crianças e adolescentes entre 5 e 18 anos.
Mais de 80% dos entrevistados disseram já ter sentido dor de cabeça ao menos uma vez, 10% foram diagnosticados como portadores de cefaleia tensional e 8%, como portadores de enxaqueca. “Cerca de 2,5% da amostra têm o que chamamos de cefaleia crônica de alta frequência e, desses, 53% disseram tomar analgésico mais de dez dias por mês. É um exagero”, diz.
O consumo excessivo de remédios contra a dor faz com que o corpo pare de produzir substâncias analgésicas naturais, como endorfinas. Com o tempo, as crises se tornam mais frequentes e intensas. Além disso, as drogas podem afetar os rins, fígado, coração e trato digestivo.
Mikael Correa, de 11 anos, já fez parte dessa estatística. Aos 7, teve sua primeira crise de enxaqueca. Mas o problema só foi diagnosticado dois anos mais tarde e, nesse meio tempo, o menino chegou a ter quatro episódios de dor por semana. Hoje, graças ao tratamento preventivo, tem, em média, uma crise por mês.
As dores de cabeça crônicas estão relacionadas a um desequilíbrio químico no cérebro, explica a neurologista Thaís Villa, do setor de cefaleia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Analgésicos resolvem a dor aguda, mas, quando o problema é recorrente, são necessários medicamentos para corrigir esse desequilíbrio.”
O tratamento de Mikael inclui, além de remédios, a realização de um diário. “Anoto quando ele tem crise, quanto tempo durou e tento identificar qual foi o fator desencadeante para tentar evitá-lo”, diz a mãe do menino, Lucimara Correa, de 35 anos.
Mas a maioria das crianças e adolescentes que sofrem de cefaleia crônica não é diagnosticada e tratada, afirma Arruda. Isso as deixa mais predispostas a sofrer de distúrbios do sono e problemas de comportamento, como agressividade ou retraimento.
A pesquisa coordenada por Arruda mostrou que o risco de ter desempenho escolar abaixo da média é 40% maior entre os que sofrem de dor de cabeça crônica. O índice de absenteísmo escolar também foi mais alto.
Outro estudo do grupo da Unifesp revelou que crianças com enxaqueca têm o funcionamento cognitivo afetado, apresentando desempenho inferior em testes de atenção, memória e processamento de informações.
“É um problema de saúde pública e, mesmo assim, não existem programas para atender crianças com dor de cabeça no País”, diz Arruda.
Alternativas. Para o clínico geral Alexandre Feldman, especialista no tema, uma simples mudança no estilo de vida pode resolver grande parte dos casos. “As crianças estão dormindo muito tarde, fazendo pouca atividade física e comendo muitos produtos industrializados. Ao mudar isso você ajuda o próprio organismo a se livrar da doença”, diz. Feldman aposta ainda em tratamentos naturais como acupuntura e suplementação com vitaminas e minerais. “Uso medicamentos apenas em último caso, pois eles também têm efeitos colaterais.”
Quando fatores emocionais são determinantes para iniciar a crise, a terapia cognitiva-comportamental pode ser uma aliada. “Isso ajuda o paciente a ter autocontrole”, diz a psicóloga Luciana Campaner.
DICAS DO ESPECIALISTA
- Gatilhos
Privação de sono, jejum prolongado, sol forte, estresse e alguns alimentos como chocolate são gatilhos comuns para as crises. Tente identificar quais deles afetam a criança e evite-os.
- Sono
As crises na infância são curtas e melhoram com o sono. Tente colocar a criança para dormir em local escuro e silencioso antes de apelar para analgésicos.
- Rotina
Procure respeitar os horários para comer e dormir. O ideal é que a criança deite cedo.
- Sinais
Criança pequena que interrompe subitamente uma atividade de que gosta pode estar com dor.
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