4.03.2012

Depressão quando mal diagnosticada é um grande problema de saúde

O poder de um bom diagnóstico para a depressão

Mal avaliada por médicos e escondida por pacientes, doença pode derivar de outras, alerta psiquiatra


O pisquiatra Norman Sartorius esteve em São Paulo para um encontro com 300 colegas brasileiros e estrangeiros
Foto: Michel Filho
O pisquiatra Norman Sartorius esteve em São Paulo para um encontro com 300 colegas brasileiros e estrangeiros Michel Filho
SÃO PAULO — Considerado o Freud da do século XXI pelos neurocientistas, o croata Norman Sartorius é um estudioso das doenças mentais e de sua relação com os fatores genéticos e sociais. Em suas pesquisas, ele descobriu que um terço dos pacientes diabéticos têm depressão e que a falta de tratamento de uma das doenças agrava ambas. Acabou criando o Dialogue on Diabetes & Depression, grupo de trabalho internacional que discute o assunto.Ex-presidente da Associação Mundial de Psiquiatria e ex-diretor da OMS, Sartorius participou semana passada do Lilly Neurosciences Academy, seminário que reuniu 300 psiquiatras brasileiros e estrangeiros em São Paulo. Em entrevista exclusiva, ele diz que a especialização médica trouxe benefícios, mas criou uma barreira para que se faça o diagnóstico de moléstias simples. Este desconhecimento, somado à dificuldade dos pacientes de aceitar a doença, faz da depressão um problema cada vez mais grave, especialmente para o sistema de saúde de países em desenvolvimento, como o Brasil.
Um de seus principais estudos relaciona depressão e diabetes. Como estas doenças estão ligadas?
SARTORIUS: Pessoas com diabetes têm mais chances de desenvolver um quadro depressivo. Cerca de 20% dos diabéticos apresentam ou apresentaram sintomas de depressão. Esta relação é um pouco mais frequente em mulheres.
Quais as razões para essa relação?
SARTORIUS: Temos razões genéticas para isso, mas também razões do ambiente. Os diabéticos têm problemas com a alimentação, com o peso, com a resistência a tomar medicamentos e, é claro, com as complicações naturais da doença. Isso acaba levando a um quadro depressivo. As pessoas precisam saber disso. Existe uma relação entre as doenças mentais, principalmente a depressão, mas também os transtornos bipolar e de personalidade, e os males físicos. Tenho estudado sua relação com o diabetes, mas a depressão também tem ligação com outras doenças, como o câncer e as doenças cardiovasculares.
Como se pode diagnosticar a depressão a partir do diabetes ou de outras doenças?
SARTORIUS: Temos duas coisas aí. Os próprios pacientes ainda escondem isso. Há uma dificuldade de aceitar a doença. Uma certa vergonha. A outra coisa é que médicos generalistas, clínicos gerais e endocrinologistas têm dificuldade de diagnosticar as doenças mentais, embora elas estejam hoje muito bem descritas e seus sintomas sejam bem diferentes dos da tristeza momentânea. No caso do diabetes, você tem um quadro de problemas relacionados que muitas vezes acabam desencadeando a depressão. Há aumento do peso, dificuldade de praticar exercícios físicos, complicações no metabolismo, comprometimento de produtividade no trabalho e perda de qualidade de vida. Esta é uma preocupação econômica para os governos e as empresas, inclusive. As pessoas não deixam de ir para o trabalho. Elas vão até lá, mas é como se não estivessem lá. Não conseguem produzir. Chamamos isso de presenteísmo. A pessoa tem dificuldade de aceitar, não é orientada sobre a doença e tenta levar a vida e frequentar o trabalho como antes.
Como lidar com o problema?
SARTORIUS: É preciso capacitar os médicos e os enfermeiros. A superespecialização não pode fazer com que os profissionais deixem de observar sintomas comuns de doenças que não são da sua área. Temos cada vez mais médicos especializados e isso traz bons resultados, mas não podemos deixar de ter uma visão geral. Um médico de um paciente com diabetes pode perceber certos sintomas e indicar o tratamento para a depressão. Quanto mais rápido o tratamento para a depressão, mais benefícios vão aparecer também no tratamento do diabetes.
Qual a sua avaliação sobre o tratamento da depressão hoje e sobre os problemas relacionados a ela?
SARTORIUS: O tratamento evoluiu muito. Os medicamentos melhoraram e os efeitos colaterais foram reduzidos. Mas ainda há uma resistência grande à doença, há o estigma. As pessoas ainda escondem a depressão dos próprios filhos, pais e parceiros. E a doença atinge toda a família, interfere na convivência. Muitas pessoas não sabem como lidar com isso. Se não tratada, a depressão se relaciona com o uso de álcool e drogas e aumenta o risco de suicídio.
Como o senhor vê a produção brasileira no campo da psiquiatria?
NORMAN SARTORIUS: Há pessoas fazendo estudos importantes. O país deve aproveitar o momento de crescimento e aumentar também a produção científica. Isso é essencial, porque este desenvolvimento econômico e social visto em países como Brasil, Índia e México traz algumas características próprias. As famílias estão indo mais para as cidades grandes. E os núcleos familiares estão menores, com dois ou três membros e todos repletos de obrigações, com pressões vindas da sociedade e do trabalho. Antes, você tinha um irmão olhando pelo outro, mais gente cuidando uma da outra. Hoje, as pessoas estão isoladas, cada uma no seu quarto, trabalhando a maior parte do tempo. O serviço de saúde tem de se ajustar a isso. Há outro fator: as pessoas estão vivendo mais, bem mais. A medicina melhorou. Então, estamos diagnosticando muita coisa, com mais frequência, principalmente para pessoas com mais de 25 anos. A dificuldade é fazer a relação entre os problemas. É um desafio para o sistema de saúde.
O senhor falou em aumento de doenças mentais em pessoas com mais de 25 anos. Registram-se muitos casos de depressão de crianças e adolescentes atualmente. Qual a sua visão sobre o assunto?
SARTORIUS: Acho que há um excesso de notificações de casos de depressão em crianças. Este é um fenômeno bem marcante nos Estados Unidos. Tornou-se quase padrão entre os colegas americanos este diagnóstico. É como um ditado que usamos em psiquiatria: "Para quem tem só um martelo, qualquer coisa vira prego". Usam-se os mesmos critérios de avaliação para adultos e crianças. Mas crianças não são pequenos adultos.

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