Relatórios da Controladoria-Geral da
União e do Banco Central mostram que a Caixa encerrou irregularmente
mais de 525 mil contas poupança e usou o dinheiro para engordar seu
lucro de 2012 em R$ 719 milhões
Por Claudio Dantas Sequeira
Uma auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU),
órgão vinculado à Presidência da República, aponta que, em 2012, a
Caixa Econômica Federal promoveu uma espécie de confisco secreto de
milhares de cadernetas de poupança. Em um minucioso relatório composto
por 87 páginas, os auditores da CGU revelam os detalhes da operação
definida como ?sem respaldo legal?, que envolveu o encerramento de
525.527 contas sem movimentação por até três anos e com valores entre R$
100 e R$ 5 mil. Os documentos obtidos por ISTOÉ mostram que o saldo
dessas contas foi lançado, também de forma irregular, como lucro no
balanço anual da Caixa, à revelia dos correntistas e do órgão regulador
do sistema financeiro. No total, segundo o relatório da CGU, o
?confisco? soma R$ 719 milhões. O documento foi remetido à Assessoria
Especial de Controle Interno do Ministério da Fazenda e ao Banco Central
e desde novembro auditores do BC se debruçam sobre a contabilidade da
Caixa para apurar as responsabilidades. ISTOÉ também teve acesso a cinco
pareceres do Banco Central que foram produzidos após as constatações
feitas pela CGU. Em todos eles os técnicos concluem que a operação
promovida em 2012 foi ilegal. No documento redigido em 4 de novembro do
ano passado, o Departamento de Normas do BC (Denor) adverte que a
operação examinada consiste em ?potencial risco de imagem para todo o
Sistema Financeiro Nacional?.
Nos cálculos feitos pelos auditores da CGU, os R$ 719 milhões obtidos
com essa espécie de confisco representaram nada menos que 12% do lucro
do banco naquele ano, engordando o pagamento de bônus a acionistas.
?Essa é uma forma de turbinar o lucro do banco, mas é crime contra o
Sistema Financeiro Nacional?, disse à reportagem um dos auditores que
investigam a operação. O dado que despertou a atenção dos auditores em
uma rotineira prestação de contas foi um crescimento de 195% na rubrica
?Outras Receitas Operacionais? em apenas um ano. A Caixa, então, foi
convocada a detalhar a contabilidade, identificando as fontes de todos
os recursos. No relatório, os técnicos da CGU registram que houve
resistência em fornecer as explicações, mas a CEF acabou mostrando todas
as planilhas. A CGU descobriu, então, que foram selecionadas para
encerramento 525.527 contas de poupança, praticamente todas elas
pertencentes a pes-soas físicas. Essas contas foram escolhidas a partir
do saldo e do período em que permaneceram sem movimentação. Foram
encerradas as poupanças com saldos de até R$ 100 e sem movimentação
havia mais de um ano; até R$ 1 mil e inativas por dois anos; e até R$ 5
mil sem movimento por três anos. Essa rotina foi implantada em janeiro e
finalizada em agosto. Ao final do semestre, os valores remanescentes na
conta ?Credores Diversos? eram transferidos para a subconta de
resultado ?Outras Receitas Operacionais?. Para a CGU, não há lei ou
regulamento que determine que o saldo de uma conta encerrada deva ser
incorporado ao resultado e, posteriormente, ao patrimônio de um banco.
Além disso, a legislação determina o prazo prescricional de 25 anos para
a devolução dos saldos de contas encerradas, com recolhimento ao
Tesouro. Não sendo reclamados ao final de mais cinco anos, podem somente
então ser incorporados ao patrimônio da União.
Aos auditores da CGU e ao Banco Central, a Caixa argumentou que para
encerrar as contas se amparou em resolução do Conselho Monetário
Nacional (2025/1993), numa circular do Banco Central (3006/2000) e no
ma-nual normativo da própria instituição. Alegou que as contas
encerradas continham falhas cadastrais e, por isso, deviam ser fechadas.
Ocorre que, segundo os técnicos da CGU e os analistas do Banco Central,
as normas citadas não se aplicam no caso de encerramento de poupanças,
muito menos prevê a apropriação dos valores pelo banco.
A Resolução 2025 de 1993 trata na verdade, segundo os auditores, do
encerramento de contas abertas ?com documentação fraudulenta?, quando há
indícios de crime contra a administração pública. E para promover o
encerramento é necessária autorização judicial. Ou seja, para que a
Caixa pudesse fechar as 525.527 poupanças precisaria comunicar cada um
dos casos à Polícia Federal e só depois de confirmados os indícios de
fraude é que as contas poderiam ser encerradas. Da mesma forma, de
acordo com os auditores, a Circular 3006 de 2000 prevê autorização do
cliente para encerramento da conta. Na operação de 2012, a Caixa não
procurou os titulares das poupanças previamente, não identificou os
indícios de fraude e nem sequer consultou o Banco Central, segundo os
relatórios obtidos por ISTOÉ. Na semana passada, a direção da CEF
encaminhou nota à revista reafirmando ter consultado os correntistas
(leia a versão da CEF na pág. 49).
Ainda segundo o relatório da CGU, os auditores tiveram acesso a um
parecer anexado ao voto no conselho diretor pelo setor jurídico da
Caixa. Nesse parecer era recomendado que antes de finalizar a operação
fosse feita uma consulta ao BC. Além disso, no mesmo documento o setor
jurídico da Caixa alertava para os riscos de dano à imagem do banco,
além de enquadramento civil por ?enriquecimento sem causa? (art.884 a
886 do Código Civil) e criminal, por apropriação indébita (art. 168 do
Código Penal). Em parecer enviado à CGU, o Banco Central aponta a
completa ausência de respaldo legal para o encerramento das contas,
especialmente as de poupança. ?A regulamentação não prevê a
possibilidade de encerramento de contas que não tenham sido
movimentadas. Não é possível se apropriar de um patrimônio que não é de
sua propriedade?, afirma o documento. O BC ressalta ainda que a Caixa,
antes da baixa das contas classificadas como inativas, procedeu à
reclassificação de seus saldos para uma conta de natureza diversa da de
poupança. O voto do conselho diretor que aprovou o encerramento das
contas consideradas inativas também autorizou a transferência de seus
saldos para a rubrica ?Credores Diversos?, em uma subconta denominada
?Contas Encerradas ? RE. BACEN 2025/93?. ?A mudança na conta de registro
desrespeita a essência econômica (depósito) da operação e, ainda,
compromete a sua devida evidenciação?, acrescenta o parecer do Banco
Central. Segundo os técnicos do BC, ?o procedimento visa a afastar a
transparência?.
Um dos anexos do relatório da CGU é o chamado ?Certificado de
Auditoria Anual de Contas?, assinado pelo coordenador-geral da área
fazendária, Antonio Carlos Bezerra Leonel. Ele identifica como
responsáveis diretos pela operação os vice-presidentes da Caixa Raphael
Rezende Neto, da área de controle e risco, e Fabio Lenza, que cuida das
contas de pessoa física. ?Um dos vice-presidentes foi responsável pela
execução do procedimento sem adequada transparência nas demonstrações
contábeis e consulta ao Banco Central, o outro era responsável pela área
finalística de onde mais de 99,70% dos recursos eram oriundos. Cabe
ressaltar que o procedimento foi aprovado pelo conselho diretor da Caixa
em 2010, mas não havia nenhuma explicação de que os recursos obtidos
pelo procedimento seriam retirados do passivo para o resultado do
banco?, escreve Leonel, que recomenda a aprovação com ressalva das
contas dos dois dirigentes. O voto é reiterado pela diretora de
auditoria econômica da CGU, Renilda de Almeida Moura, que o encaminha ao
ministro-chefe da Controladoria-Geral, Jorge Hage, e ao Tribunal de
Contas da União.
O Banco Central já enviou para a CGU a conclusão final da inspeção
feita nas contas da Caixa. Também emitiu ofício à CEF determinando a
cessação imediata da prática adotada e a correção dos lançamentos
contábeis na prestação de contas de 2013. Isso significa que o lucro
inflado irregularmente em 2012 pela apropriação irregular das poupanças
deverá ser descontado do lucro que será divulgado pela Caixa até março. A
CEF também foi obrigada a emitir uma nota explicativa do caso e a
ressarcir os correntistas que tenham sido prejudicados. Até novembro do
ano passado, mais de 6,4 mil clientes já procuraram a Caixa preocupados
com o desaparecimento de seus depósitos, num total de R$ 20,6 milhões. O
banco diz que está restituindo cada centavo corrigido.
FISCALIZAÇÃO
Auditores da Controladoria-Geral da União fizeram relatório com 87 páginas
Fotos: ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ; Gustavo Moreno/CB/D.A Press; Luludi/LUZ
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